05/11/2011

Novíssimos - Juízo Particular 3

O Julgamento de Abel – talhante [i]

A alma de Abel mal tinha chegado o e o julgamento começa.

(Não se entende isto, como é possível que cada alma seja julgada imediatamente após a separação do corpo pelo mesmo Juiz?
São centenas de milhares de almas que chegam ao mesmo tempo e, no entanto, não há um micro segundo de espera e, com cada uma, os trâmites são os mesmos, sem pressas como se o Juiz não tivesse nenhuma urgência).

Mas nada disto preocupava a alma de Abel.

O que realmente a tinha apreensiva era o facto de desconhecer em absoluto tudo quanto se referia a Julgamento, Céu, Inferno... Não sabia absolutamente nada. Sim, evidentemente, tinha algumas referências, sobretudo na meninice quando a directora do lar onde Abel estava internado, ameaçava os miúdos mal comportados:

“Tornas a fazer isso e vais para o Inferno!”

Mas, é claro, como ela passava a vida a dizer aquilo a propósito de tudo e de nada e nunca nem ele nem nenhum dos outros perguntara o que era o Inferno, na sua cabeça de miúdo foi-se construindo numa ideia de que deveria ser um lugar muito aborrecido, como um quarto escuro, onde também, por vezes, os fechava umas horas, ou qualquer coisa do género. Mais tarde a palavra inferno ficaria associada às dificuldades da vida, às discussões com a sogra que, como costumava dizer “lhe fazia a vida num inferno”.
E Paraíso? Bem…quanto a paraíso não havia nenhuma referência que se lembrasse. A única ideia, de resto bem pálida e longínqua, reportava-se à data do seu casamento com a Lizete a que várias vezes repetira que se sentia no céu!
Portanto… inferno, paraíso, céu, eternidade… eram temas desconhecidos e nada familiares. Não poderia, mesmo que quisesse – e agora bem queria – tecer nenhuma conjectura sobre os temas.

O que estava ali a fazer?

Quem era aquele Juiz?

E aquele Ser espantoso que estava a seu lado ostentado um ar de familiaridade que o conhecimento íntimo dá às criaturas?

E aquela luz fantástica que poderia cegar de tão brilhante e, ao mesmo tempo, diáfana e suave que transmitia uma sensação de tranquilidade que não sabia possível?

O Juiz falou:

"Não consta nada... As folhas do "Livro" estão em branco! Como é possível?"

O "Ser" respondeu:

"Na verdade a vida do Abel não tem absolutamente nada digna de registo. Nunca fez nada de mal nem, especificamente de bom. Toda a sua vida se resumiu a deitar-se à noite, levantar-se de manhã, a passar o dia a trabalhar no talho. Sempre satisfeito com a sua vida nunca invejou ninguém ou desejou ser ou fazer outra coisa."

O Juiz interrompeu:

"Trata-se portanto de um flagrante tíbio e, os tíbios «vomito-os da minha boca».

Abel olhava para um e para outro sem entender bem o que se passava mas, não obstante, parecia-lhe que algo corria muito mal.

O Juiz falou:

"Não pode receber o prémio..."

Deixou a sentença em suspenso porque uma belíssima criatura interrompeu:

"O Abel tinha um segundo nome próprio, Maria, chamava-se Abel Maria embora a única pessoa que o chamava assim fosse a sua Avó. Este meu filho tinha o meu nome."

O Juiz disse então:

"Como em Caná da Galileia fiz o que me pediu, faça-se agora como a Minha Mãe desejar".


[i] Levanta-se a questão da vida para além da morte. É uma das grandes interrogações que alguma vez durante a sua vida o homem se coloca.
É natural porque o ser humano é dotado de espírito, alma, que tem preocupações mais para além do imediatamente sensível.
Para os cristãos a segurança da Fé fá-los compreender que está destinado à eternidade, ou seja, embora o corpo pereça e acabe a vida terrena, a sua alma não morrerá jamais e, naturalmente, tende a voltar para o seu Criador, Deus.
Sim... a lógica propõe o que a fé garante, porque não se concebe o Criador abandonar a criatura a um desaparecimento puro e simples.
O restante do problema é o que se refere ao "destino" da alma e que é "marcado" na conclusão do juízo a que é sujeita pelo próprio Criador, logo que, após a separação do corpo, se apresenta perante Si.
No imaginário livro da vida, ao contrário do que que é mais comum, não existem colunas de "deve" e "haver" onde é feita uma espécie de contabilidade, não! O que existe é uma lista completa dos bens recebidos em vida, os dons, graças, auxílios, inspirações e meios com que o Senhor foi dotando cada um de forma especial e única.
Cada ser humano recebe um "pacote" específico, para si em exclusivo.
Deus Nosso Senhor não dispensa os Seus benefícios adrede ou de uma forma sistemática ou mecânica. Cada ser humano é objecto de atenção exclusiva e única por parte do Criador que lhe concede os Seus dons e benefícios conforme a Sua Soberana Vontade determina.
Esta misteriosa magnitude de Deus tem uma razão de ser.
O homem não é capaz por si mesmo de evoluir, de melhorar sem que um estímulo o leve a tal.
Este estímulo surge exactamente no estreitamento das suas relações com Deus.
Quanto mais se relaciona mais recebe e, quanto mais se recebe mais se deseja intimar com Deus.
Por isso no Evangelho consta «àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado» Lc 8, 16-18.

Para chegar a Deus, o caminho seguro, é Maria Sua e nossa Mãe! 

Sancta Maria iter para tutum! (Santa Maria, prepara-me um caminho seguro)

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