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Numa azul manhã do princípio de Setembro passeei durante horas no verde do Jardim Botânico do Porto. É um jardim cheio de jardins por dentro e em cada um deles pode-se estar inteiramente como se não houvesse outros, tendo cada um o seu cheiro, as suas flores e a sua identidade.
O Jardim dos Jotas, encimado por um banco forrado a azulejos românticos na sombra de um caramanchão de glicínias tem oito jotas em dois grupos de quatro simetricamente opostos feitos com buxo que guardam – ou abraçam - dálias cor de laranja. As letras desenhadas a buxo são as iniciais dos avós dos escritores Sophia Mello Breyner Andresen e Ruben A. : Joana Lehman e João Henrique Andresen.
“Os jardins civilizados - diziam eles – são sempre jardins de buxo”[1]. Quem isto sentenciou foram os gladíolos e eu digo que sim, e que o jardineiro deste foi um grande amor.
E depois, todas as árvores dos cinco continentes em que, cada uma por si só, é um verdadeiro jardim cujo nome soa melhor na língua de Lineu: o Liquidambar styraciflua, salix babylonica, araucária augustifolia, chaenomeles japónica, quercus palustris, liriodendrum tulipifera, etc, etc.
Todas elas com uma verdade tão autêntica que parece que só ali onde estão poderiam existir, por terem sido plantadas num gesto sublime de esperança e de dádiva ao futuro.
Se assim não tivesse sido feito, seria um deserto cheio de vazio ou um matagal de egoísmo impenetrável. Porque a falta dessa centelha da vida que é o amor é um suicídio lento, bem como o desamor é um lento homicídio.
O primeiro dono do terreno onde está este jardim foi um citoyen chamado Jean Pierre Salabert que o comprou na segunda metade do século XVIII e que - ironicamente – também foi vítima das invasões francesas, pois viu-o confiscado pelo Estado que lho tinha vendido para se ressarcir dos saques, violações e mortes feitas pelos soldados de Napoleão.
Na Rua do Campo Alegre as enormes portas de ferro fundido deste jardim - que tem jardins por dentro - estão o dia todo abertas a quem quiser entrar. Ali não há guardas ou portarias; nem guichets e bilhetes de entrada a pagar. E isto é mais do que justo porque muitos pagaram com a vida por ele. Entra-se livremente com os ventos da história.
Os jardineiros vão podando as sebes de camélias densas e brilhantes; varrendo as folhas que caiem ou adubando algum canteiro de rosas numa actividade e diligência de abelha. Outros tratam de alguma árvore ferida numa noite de tempestade com a atenção e o carinho de uma boa enfermeira.
É que as árvores e as flores são como os homens: se não se cuidam; se não se amam; se não vencem a preguiça; se não acreditam que a noite é o dia das flores, das plantas e das estátuas[2] perdem o sentido da vida. E se não acreditam que as coisas extraordinárias e as coisas fantásticas também são verdadeiras[3], perdem o sentido do sobrenatural.
É como bem diz um provérbio chinês: não é a erva daninha que mata o jardim mas antes a preguiça do jardineiro.
Penso que foi neste jardim que nasceu a seguinte citação: A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.[4]
Afonso Cabral
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