Parece que a alma é o homem:
1. Com efeito, diz a segunda Carta aos Coríntios: “Embora nosso homem exterior se corrompa, o que é interior renova-se dia a dia” (4, 16). Ora, o que é interior no homem é a alma. Logo, a alma é o homem interior.
2. Além disso, a alma humana é uma substância, não universal, mas particular. É, pois, uma hipóstase, isto é, uma pessoa, e uma pessoa humana. Portanto, a alma é o homem, uma vez que a pessoa humana é o homem.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, escreve Agostinho citando Varrão: “O homem não é só alma, nem só corpo, mas afirmamos que ele é simultaneamente alma e corpo”.
Que a alma seja o homem pode-se entender de duas maneiras:
1. Que o homem é a alma, mas que este homem não o é, pois é composto de alma e de corpo; por exemplo, Sócrates. Digo isso, porque alguns afirmaram que só a forma é da razão da espécie, mas que a matéria é parte do indivíduo, não da espécie. Mas isso é falso, pois a natureza da espécie é significada pela definição. Contudo, a definição das coisas naturais não significa só a forma, mas a forma e a matéria. Por isso, a matéria é parte específica nas coisas naturais, não a matéria assinalada, que é o princípio da individuação, mas a matéria comum. Assim como é da razão deste homem ter esta alma, estas carnes e estes ossos, assim também é da razão de homem ter alma, carnes e ossos. Isso porque pertence à substância da espécie ter o que é comum à substância de todos os indivíduos contidos naquela espécie.
2. Que esta alma é este homem. É possível sustentar isso, se se afirma que a operação da alma sensitiva é própria dela independentemente do corpo, porque, então, todas as operações atribuídas ao homem seriam só da alma, uma vez que cada coisa é aquilo que opera suas próprias operações. Por isso, é homem aquilo que opera as operações próprias do homem. Mas foi demonstrado acima (artigo precedente) que sentir não é operação só da alma. Sendo o sentir uma operação do homem, embora não própria, é claro que o homem não é só alma, mas é algo composto de alma e corpo [i]. Platão, ao afirmar que sentir é próprio da alma, pôde dizer que o homem é uma alma que se serve do corpo.
Suma Teológica, P1Q75A4
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Segundo o Filósofo, no livro IX da Ética, cada coisa parece ser, sobretudo, o que é nela principal; por exemplo, o que o governante de uma cidade faz diz-se que a cidade faz. Assim, às vezes, se chama homem o que é nele o principal. Umas vezes, é a parte intelectiva, o que corresponde à verdade, que é denominada homem interior; outras vezes, é a parte sensitiva nela compreendida o corpo, segundo a opinião de alguns que só se detêm no que é sensível, e é denominada homem exterior.
2. Nem toda substância singular é hipóstase ou pessoa, mas somente aquela que possui a natureza completa da espécie. Consequentemente nem mãos, nem pés, podem ser chamados de hipóstase ou pessoa. E nem a alma, pois ela é uma parte da espécie humana.
[i] Mesmo sendo ela mesma subsistente, a alma só tem sua natureza completa, é um homem, uma pessoa, um “eu”, mediante sua união com o corpo.
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