Nota de AMA:
Estas “confidências” têm, obviamente, um autor, que não se revela; foram feitas em tempo indeterminado, por isso não se lhes atribui a data. O estilo discursivo revela, obviamente, que se tratam de meditações escritas ao correr da pena. A sua publicação deve-se a ter considerado que, nelas se encontram muitas situações e ocorrências que fazem parte do quotidiano que, qualquer um, pode viver.
Quinta Feira Santa
O Evangelho da Missa detém-se na Última Ceia. O acto desenrola-se com um ritmo carregado de drama, pesado, cheio de dúvidas e perguntas receosas.
Os Apóstolos interrogam-se em gestos mudos, com troca de olhares inquiridores; não lhes passa despercebido o ar grave que o Mestre ostenta. Como se um manto de tristeza caísse por cima da assembleia reunida à volta da mesa, um sentimento indizível de tragédia que paira, de alguma forma, no ambiente pesado.
Os modos misteriosos de Jeus ao indicar a forma de escolher a sala para a Ceia, de alguma forma indirecta e pouco clara, embora as Suas instruções fossem precisas, como sempre: «Um homem com uma bilha de água à cabeça… segui-o….encontrareis uma sala preparada…» [i], enfim todo um desenrolar de factos misteriosos como se o Senhor não quisesse revelar claramente o local eleito para aquela noite.
Depois a figura querida do Rabi, cingido com uma toalha, a lavar-lhes os pés, a lição de humildade: «Fazei a vós mesmos como Eu vos fiz» [ii]… mas dito com um ar tão grave, sereno e triste ao mesmo tempo, como se fossem palavras finais, com um peso e uma medida que não deveriam ser esquecidas.
«Fazei isto em memória de Mim…» [iii] fez parte também da cerimónia tão pouco comum, que fugiu à tradicional ceia Pascal tal como vinham celebrando há anos.
Sim, é verdade, tinham cantado os cânticos e comido o cordeiro preparado como era costume, com as ervas amargas… mas, algo inusual se sentia naquela sala, naquela noite.
O rosto de Jesus, sereno mas triste, está branco como a cal, a Sua face espelha uma amargura interior que não é conhecida pelos Seus amigos, como que se uma luz vinda de dentro Lhe incendiasse o olhar, enquanto fita em cada um, demoradamente os olhos. Parece que quer gravar na Sua retina as faces de cada um dos seus amigos mais chegados, aqueles Doze, as características particulares, a forma de falar, o gesto, o olhar, enfim, o retrato completo e íntimo de cada um dos Seus amigos.
Para quê? Porquê?
Para quê? Porquê?
Parecia que o Senhor se preparava para uma viagem longa e difícil e que quereria levar consigo todas essas recordações bem gravadas no coração.
Por meias palavras, que não entendiam bem, falava-lhes de morte, padecimentos, amargura, abandono. Pedro já tinha manifestado o seu repúdio e afirmado a sua total disponibilidade para seguir o Mestre para onde quer que fosse.
O Senhor, fixando nele o olhar, com as estranhas palavras que soam a um vaticínio tão solene e ao mesmo tempo tão definitivo que o deixa sem palavras: «Hoje mesmo, antes que cante o galo, me negarás três vezes!» [iv]
Ei-los à mesa da Ceia que será a última; a grande, a inesquecível Ceia de Páscoa.
Acaba Jesus de passar o cálice com o vinho, agora transubstanciado no Seu Sangue Preciosíssimo, tal como fizera já com o pão.
Os Apóstolos reconhecem a gravidade e solenidade do momento que, o peso das palavras de Jesus, deixa entrever. Não compreendem bem, ou melhor, não alcançam toda a dimensão do que o Mestre acabara de fazer, mas instintivamente, o coração que cada um há muito entregue, sem reservas, a Cristo, diz que é algo grande e transcendente.
A conversa esbate-se em murmúrios.
Olham-se uns aos outros, tão pouco seguros estão de si, do seu amor, da sua entrega: serei eu?
Também eu me interrogo: serei eu? …
Serei eu, meu Deus, quem Te entregará aos algozes, com as minhas negações, esquecimentos e faltas de toda a ordem?
Serei eu?
Eu, que como contigo à mesma mesa que preparaste para mim, que recebo o Teu Corpo e o Teu Sangue, diariamente, por uma graça infinita, serei eu?
Decerto que fui, e sou e serei ainda muitas vezes….
Como me dói pensar nisto!
Vejo os Teus olhos tristes fixarem-se em mim num mudo desgosto e espanto. Desgosto pelas faltas de que sou capaz, espanto porque não esperarias que, depois de ter recebido tanto, seja tão mal agradecido.
Como me dói pensar nisto!
Vejo os Teus olhos tristes fixarem-se em mim num mudo desgosto e espanto. Desgosto pelas faltas de que sou capaz, espanto porque não esperarias que, depois de ter recebido tanto, seja tão mal agradecido.
Tudo isto é uma conversa humana, porque eu sei que Tu sabes muito bem quem eu sou, desde o princípio de todas as coisas. E eu, pobre de mim, atrevo-me a pensar:
“Então se Ele sabe quem sou e como sou e, mesmo assim, me quer, então é porque de facto me ama e me quer junto dele!”
E a alegria profunda que me causa esta revelação, afasta para longe a tristeza solene desta Última Ceia e levanto-me pronto para cantar o hino da alegria e da confiança, da esperança e da fé no meu Senhor e no meu Deus que me salva, me quer e me redime para sempre.
"Apenas" obrigado por esta meditação que me levou à Última Ceia de forma tão vivida.
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