17/12/2010

Arre burriquito

Com a devida vénia e sem prévia autorização, transcreve-se um delicioso escrito de Natal.
NUNC COEPI espera ser perdoado pelo "abuso" cometido, tendo em conta que as coisas boas devem ser partilhadas e, as muito boas - como é o caso - obrigatoriamente conhecidas de toda a gente.


Arre, burriquito...

...Vamos a Belém, /Ver o Deus Menino /Que a Senhora tem; /Que a Senhora tem, /Que a Senhora adora. /Arre, burriquito /Vamos lá embora. Este cântico mostra bem como a gente simples te aprecia e te recorda neste tempo de Natal. Imagino-te em Nazaré prestando os teus serviços a José e a Maria na casita onde moravam e onde estava a oficina de carpinteiro. Certamente que te sentias a gosto em tão boa companhia, mesmo trabalhando horas a fio... como de resto o teu dono. Na horta ao lado da casa havia um poço e José tinha feito uma nora muito jeitosa que funcionava à maravilha, mesmo sendo feita toda de madeira.
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Atrelado à nora, lá andavas às voltas, sempre com o mesmo passo, e era um gosto ver a água que surgia para regar as hortaliças e para os cuidados da casa. Alguém que te viu é que terá dito pela primeira vez trabalhar como um burro. Já a outra expressão teimoso como um burro é capaz de ser injusta, pois tu não és propriamente teimoso; se fosses humano diria que tens mas é convicções fortes. E do teu trabalho que parecia monótono nasciam as couves e as cenouras e até a mostarda, a tal das sementes pequeninas e que com a tua ajuda crescia tanto que as aves do céu até lá faziam os seus ninhos.

Eras sempre bem tratado, mas de vez em quando tinhas dois petiscos que só te sabiam a pouco: uma cenourinha que Maria te dava e uma coçadela de José atrás das orelhas. Que delícia! Certo dia notaste uma certa agitação entre o povo e ficaste muito admirado quando José te aparelhou com a sela, juntou uns pertences e te levou, com Maria, pelos caminhos da Galileia. Não sabias o que se passava, mas ias todo contente com a passageira, que te parecia mais pesadita do que da última vez que a tinhas levado a casa da prima Isabel. Caminhavas ligeiro, pois José era um andarilho de primeira, mas tinhas todo o cuidado em ver onde pisavas, porque naquele tempo não havia estradas, mas apenas caminhos feitos por quem os pisava uma vez e outra e nem querias pensar que podias tropeçar e arranjar alguma.

Ao fim de uns dias de caminho chegaste a Belém e andaste de porta em porta sem encontrar onde ficar até que foste parar a uma gruta que servia de estábulo. Não era grande sítio para gente, mas tu sentias-te na maravilha: pelo menos havia palha em abundância e até lá encontraste uma vaquita que te deu um certo jeito: é que os dois encostados ficavam mais quentinhos que lá fora estava frio. Às tantas ouviste um bebé a chorar e quando te levantaste a ver o que se passava viste... o Menino ao colo de Maria. E José a olhar para os dois, tão contente que só visto. E tu claro que também ficaste feliz, pois o Menino era mesmo bonito.

Passados uns dias José descobriu uma casa onde se instalaram: logo se meteu ao trabalho, pois não sabia estar quieto. Até arranjou uma carrocita que tu puxavas com todo o garbo, levando as peças que José fazia na oficina e sobretudo quando Maria te levava, também com o Menino, a buscar água à fonte. Um belo dia nem querias acreditar no que vias: chegou uma data de camelos com gente com umas roupas bem diferentes das que conhecias e vieram fazer uma grande festa ao Menino; até lhe deram uns presentes muito fixes. As coisas depois complicaram-se, mas falamos disso noutra ocasião, queres?

Eu hei-de dar ao Menino /Uma fitinha pró chapéu; /E ele também me há-de dar /Um lugarzinho no Céu. Arre, burriquito...

Fernando Sena Esteves

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