Dentro
do Evangelho – (cfr:
São Josemaria, Sulco 253)
(Re Lc XVIII)
Personagem
O Chefe dos
assaltantes.
Toda a minha vida tem sido a de um autêntico marginal,
dedicando-me a roubar quanto me aparece a jeito.
A princípio, teria talvez escassos dezoito anos,
juntava-me a outros rapazes da minha idade, marginais como eu, e assim
levava-mos uma vida de sobressaltos sempre em fuga das autoridades e, muitas
vezes, alguns dos que assaltávamos reagiam e as coisas corriam mal, para o
nosso lado, já se vê.
Um dia as coisas mudaram bastante porque veio ter
connosco um sujeito bastante mais velho que nós e que – para encurtar – nos
reuniu num bando passando a agir sob as suas ordens e instruções. O homem era
de facto um autêntico facínora que não hesitava em empregar violência para
atingir os seus fins. Chamava-se Barrabás!
Dizia ele que, como Zelote que era, o seu principal alvo
era provocar o invasor romano de modo a mantê-lo ocupado em acções de polícia,
desviando-o de outras acções mais aparatosas com que tentavam manter a férrea
disciplina que impunham ao povo. Dividiu-nos em grupos de três e quatro e, a
cada grupo, dava instruções sobre o que fazer e onde. O meu grupo – eu e mais
três – tinha sido “destacado” para a via que descia de Jericó para Jerusalém
que, segundo ele, tinha numerosos viandantes a maioria dos quais eram gente que
comerciava, logo, trazendo consigo ou bens ou o dinheiro produto da sua venda.
E, realmente, a nossa actividade produzia bons resultados e Barrabás estava
muito satisfeito connosco pois arrecadava a maior parte dos “proventos” da
nossa actividade.
Hoje, porém, as coisas não correram muito bem, ou antes,
correram muito mal. Do nosso esconderijo avistámos um homem sozinho que que
conduzia um jumento ajoujado de mercadoria. Todo o seu aspecto e a forma como
trajava indicavam que seria um homem de posses. Não se avistando mais ninguém
por perto, resolvemos assaltá-lo e, foi aqui, que tudo se complicou. O homem
era bastante robusto e ofereceu uma resistência feroz e determinada a não se
deixar roubar. Um dos meus companheiros recebeu vários golpes que o deixaram
práticamente inanimado e outro recebeu um profundo corte provocado pela adaga
que o homem esgrimia com destreza. Não estive com contemplações e com um bastão
de ferro agredi o sujeito prostrando-o no chão poeirento. Depois… movido pela
raiva dei-lhe pontapés, murros, eu sei lá… arranquei-lhe os vestidos deixando-o
em farrapos e pondo o meu companheiro em cima do jumento fugimos para o nosso
esconderijo para tentar recuperar dos ferimentos recebidos e deitar contas ao
espólio arrecadado. Os outros dois, amparando-se mutuamente, puseram-se a caminho
de Jerusalém para procurar tratamento para as suas feridas, eu, fiquei ali
escondido remoendo a minha raiva pelo que acontecera.
Deixara-me dominar pela ira ao atacar de forma tão
desumana o desgraçado que nos caíra nas mãos. Ora um chefe, um verdadeiro
chefe, não pode deixar que os seus sentimentos extravasem colocando-se fora de
controlo, É fundamental manter a calma em qualquer situação para se impor aos
que têm de ver nele capacidade e aptidão para chefiar e comandar.
Ouvi um ruido de cavalgadura e avistei um homem que se
aproximava. Já era o terceiro desde que decorrera o assalto. Antes tinham
aparecido um sacerdote e um levita que mal olharam para o desgraçado que jazia
na vera do caminho, antes estugaram o passo seguindo viajem. Porém, este, deteve-se e debruçou-se sobre a
vítima, voltando-o de costas, retirou o manto e pôs-lho debaixo da cabeça.
Depois dirigiu-se à sua montada e dos alforges retirou um pequeno odre com
vinho e uma almotolia com azeite. Com grande cuidado e destreza foi destapando
as numerosas feridas e contusões deitando-lhes azeite e vinho e cobrindo-as com
pequenos pedaços de pano que rasgava de um lençol. O pobre ferido começou a
falar e embora eu não pudesse ouvir o que diziam percebi que mostrava gratidão
e reconhecimento. Depois e a muito custo conseguiu colocá-lo sobre a sua
cavalgadura e afastaram-se por outro caminho.
Tenho de confessar que estava atónito com o que acabara
de presenciar: É que, esquecia-me de dizer, o socorrista era um samaritano que,
como toda agente sabe, não suportam os judeus. Fiquei longo tempo ali sentado
pensando em tudo aquilo que tanto me impressionara, sobretudo na solicitude e
compaixão demonstradas pelo samaritano para com a vítima e não pude deixar de
me avaliar a mim mesmo se, acaso, procederia de igual forma. O meu coração
empedernido por anos de violências e desacatos, abusos e esbulhos parece que me
estalava no peito e, num impulso irresistível dei um salto para fora do
esconderijo e abalei numa corrida desenfreada em direcção Jerusalém. Mas tive
de parar a minha correria, um aglomerado de gente atravancava o caminho.
Escutavam um homem que falava com uma voz tão clara e segura que me percebi
logo ser alguém excepcional. Parecia estar a acabar um longo discurso e ouvi
estas palavras finais:«Quero misericórdia e não sacrifício. Porque Eu não
vim chamar os justos, mas os pecadores».
Fiquei por ali pensando no que acabara de ouvir e, dentro de mim algo se
transformou como se, sem eu compreender bem o que me acontecia, estivesse a ver
toda a minha vida num relance, uma vida feita de assaltos, roubos, violências
de toda a ordem e percebi, sim, entendi, que tinha de mudar radicalmente.
Retomei a corrida e cheguei ofegante, mal podendo respirar, à escadaria do
Templo e, pela primeira vez na minha vida, entrei. Não sabia o que fazer ou o
que dizer, mas, a verdade, é que caí de joelhos e pus a cabeça no chão. Então,
como se fosse outro que não eu, ouvi-me dizer: ‘Senhor, tem misericórdia de mim
que sou um desgraçado, um malfeitor, um miserável!’.
Quando saí parecia-me que mal punha os pés no chão de tal
forma me sentia outro, mais leve, muito mais leve e voltei pelo mesmo caminho,
decidido a encontrar a minha vítima para lhe restituir o que lhe roubara.
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