Dentro
do Evangelho
(Re Lc XXXIV,36-43)
36
Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz
esteja convosco!» 37 Dominados pelo
espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. 38 Disse-lhes, então:
«Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? 39
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um
espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» 40 Dizendo
isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41 E como, na sua alegria, não queriam
acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma
coisa que se coma?» 42 Deram-lhe um bocado de peixe assado; 43 e, tomando-o,
comeu diante deles.
Comentário:
Penso
que se os Apóstolos que tinham acompanhado Jesus durante os quase três anos da
Sua pregação por Israel, ouvido as Suas palavras, presenciado os Seus milagres,
precisaram que Jesus lhes aparecesse como Ressuscitado para que acreditassem,
definitivamente n’Ele, quanto mais eu, pobre homem, não precisarei!
Sim,
é verdade mas, felizmente, tenho esses dois mil anos de testemunhos, muitos
deles regados com o próprio sangue, que me consolidam a fé n’Ele.
De
facto, pensando melhor, sou mais afortunado que os Apóstolos foram.
Reflexão
AMOR
Deus
é amor, essencialmente amor, um amor tão grande de tal dimensão que extravasou
para fora de Si mesmo gerando a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Logo, o
Filho sendo gerado pelo amor é, Ele próprio, amor. O amor do Pai e do Filho
geram ainda uma Terceira Pessoa, o Espirito Santo. Temos aqui um único amor
constituído por Três pessoas distintas e iguais entre si. Parece-me que, sendo
eterno, Omnipotente e sem dimensão, este Amor tem forçosamente de gerar actos
de amor que se concretizam na Criação inteira. Ou seja, a Criação é um reflexo do próprio amor de Deus, uma
emanação do mesmo. Logo esta, é também amor. Amor com diferentes graus de
perfeição, ou “volume”. Os espíritos puros, os Anjos, têm um grau de amor mais
próximo de Deus. Os homens têm esse amor em graus diferentes. Penso que no caso
do homem este é antes um espelho que reflecte o Amor de que Deus tem
intrinsecamente por si. Este amor de Deus pelo homem é inevitável primeiro pela
própria essência de Deus, que não pode fazer outra coisa que amar, segundo
porque ao criar o homem como um ser completo: Corpo e alma entrega-lhe a
“chispa” divina sem a qual essa capacidade de reflectir o Amor de Deus por si
não seria possível. Ou seja, Deus ama no homem a Sua própria imagem, repetindo
de alguma forma o que acontece entre as Três pessoas da Santíssima Trindade:
Deus ama-se a Si mesmo. Isto porque a alma sendo espirito é criada directamente
por Deus em estado puro. Logo quando o homem perdeu esta faculdade, Deus
apressou-se a reparar o dano – só Ele o poderia fazer – de uma forma pessoal e
definitiva: enviou a Segunda Pessoa, o Filho, para efectuar essa reparação. O
Filho, gerado pelo amor, não pôde fazer mais que amar da única forma que Deus
sabe amar: total e definitivamente (não há maior amor que dar a vida pelos seus
amigos). Não seria pois “natural”, para empregar uma expressão humana, que um
acto divino seja algo diferente de um acto de amor, e um acto divino de
transcendência incomensurável como é a salvação do homem não podia ser feita de
outro modo que por um acto de amor de transcendência incomensurável. São Tomás
de Aquino diz no seu Adoro Te Devote, que uma só gota do sangue de Cristo seria
mais que suficiente para salvar a humanidade inteira, o que é verdade porque o
amor de Deus tem a própria dimensão divina, ou seja absoluta, (não há “um
bocadinho” de Deus), mas derramar só uma gota de sangue não seria um acto
“próprio” de Deus, neste caso, da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
digamos, que “não estaria na Sua natureza fazê-lo” já que o amor, Deus, é, em si mesmo, total, completo, absoluto.
Que esta “reflexão” do amor de Deus não é igual em todos os seres criados,
especialmente no homem, parece evidente: “Em casa de Meu Pai, há várias
moradas”. Haverá pois, uma “hierarquia” do amor, não mais ou menos amor, porque
este é o mesmo, mas o grau de reflexão é que será diferente. Mas esta
hierarquia não significará proximidade de Deus, quer dizer, estarão uns mais
próximos que outros, uma vez que, no Céu e em Deus não há dimensões, nem
planos, nem escalas, penso que a diferença estará na visão de Deus. Haverá
“graus” de visão diferentes para cada um, daqui que o gozo inefável da
contemplação de Deus seja também gradativo. Mas será total para cada um, quer
dizer, a contemplação de Deus preencherá totalmente cada homem que a ela tenha
acesso. Como se um jarro com um litro de capacidade ficará totalmente cheio com
um litro de água, assim como outro jarro com cinco litros de capacidade ficará
totalmente cheio com cinco litros de água. O prémio, pois, da contemplação de
Deus, é total, porque é à medida de cada homem. A felicidade será, portanto,
total. Os últimos que só trabalharam na vinha as últimas horas receberam a
mesma paga que os que nela trabalharam todo o dia, e o Senhor acha isto
absolutamente justo, como na verdade é.
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