Novo Testamento
Evangelho
Lc XVI, 1-31
Advertência aos discípulos
XII 1
Entretanto, a multidão tinha-se reunido; eram milhares, a ponto de se pisarem
uns aos outros. Jesus começou a dizer primeiramente aos seus discípulos:
«Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. 2 Nada há
encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto que não venha a conhecer-se.
3 Porque tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o
que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os
terraços. 4 Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e,
depois, nada mais podem fazer. 5 Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei
aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar na Geena. Sim, Eu vo-lo
digo, a esse é que deveis temer. 6 Não se vendem cinco pássaros por duas
pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus. 7
Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais: valeis
mais do que muitos pássaros. 8 Digo-vos ainda: Todo
aquele que se declarar por mim diante dos homens, também o Filho do Homem se
declarará por ele diante dos anjos de Deus. 9 Aquele, porém, que me tiver
negado diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus.
Pecado contra o Espírito Santo
10 E
a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do Homem, há-de perdoar-se;
mas, a quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, jamais se perdoará. 11
Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos
preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, 12 pois o Espírito Santo
vos ensinará, no momento próprio, o que deveis dizer.»
Cuidado com a avareza
13
Dentre a multidão, alguém lhe disse: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a
herança comigo.» 14 Ele respondeu-lhe: «Homem, quem me nomeou juiz ou
encarregado das vossas partilhas?» 15 E prosseguiu: «Olhai, guardai-vos de toda
a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não
depende dos seus bens.» 16 Disse-lhes, então, esta parábola: «Havia um homem
rico, a quem as terras deram uma grande colheita. 17 E pôs-se a discorrer,
dizendo consigo: ‘Que hei-de fazer, uma vez que não tenho onde guardar a minha
colheita?’ 18 Depois continuou: ‘Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus
celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens.
19 Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em depósito para muitos anos;
descansa, come, bebe e regala-te.’ 20 Deus, porém, disse-lhe: ‘Insensato! Nesta
mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?’ 21 Assim acontecerá ao que amontoa para si, e não é rico em
relação a Deus.»
Confiança em Jesus
22
Em seguida, disse aos discípulos: «É por isso que vos digo: Não vos preocupeis
quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem quanto ao vosso corpo, com
o que haveis de vestir; 23 pois a vida é mais que o alimento, e o corpo mais
que o vestuário. 24 Reparai nos corvos: não semeiam nem colhem, não têm
despensa nem celeiro, e Deus alimenta-os. Quanto mais não valeis vós do que as
aves! 25 E quem de vós, pelo facto de se inquietar, pode acrescentar um côvado
à extensão da sua vida? 26 Se nem as mínimas coisas podeis fazer, porque vos
preocupais com as restantes? 27 Reparai nos lírios, como crescem! Não trabalham
nem fiam; pois Eu digo-vos: Nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como
um deles. 28 Se Deus veste assim a erva, que hoje está no campo e amanhã é
lançada no fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé! 29 Não vos inquieteis
com o que haveis de comer ou beber, nem andeis ansiosos, 30 pois as pessoas do
mundo é que andam à procura de todas estas coisas; mas o vosso Pai sabe que
tendes necessidade delas. 31 Procurai, antes, o seu Reino, e o resto vos será
dado por acréscimo.
Texto
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE
PAPA JOÃO PAULO II
PARA A QUARESMA DE 1996
Amados Irmãos e Irmãs!
1. O Senhor chama-nos, uma vez mais, a segui-Lo
pelo itinerário quaresmal, caminho anualmente proposto a todos os fiéis, para
que renovem a sua resposta pessoal e comunitária à vocação baptismal e produzam
frutos de conversão. A Quaresma é um caminho de reflexão dinâmica e criativa
que impele à penitência, para robustecer todo o propósito de compromisso
evangélico; um caminho de amor, que abre o ânimo dos crentes aos irmãos,
elevando-os para Deus. Jesus pede aos seus discípulos que vivam e difundam a
caridade, o mandamento novo que representa um magistral resumo do Decálogo
divino, confiado a Moisés no Monte Sinai. Na vida de todos os dias, sucede
encontrarmos famintos, sedentos, doentes, marginalizados, migrantes. Durante o
tempo quaresmal, somos convidados a olhar, com mais atenção, os seus rostos
carregados de sofrimento; rostos que testemunham o desafio das pobrezas do
nosso tempo.
2. O Evangelho destaca como o Redentor experimenta
singular compaixão por aqueles que vivem em dificuldade; fala-lhes do Reino de
Deus e cura os enfermos no corpo e no espírito. Depois diz aos discípulos:
«Dai-lhes vós mesmos de comer». Mas eles reparam que só têm cinco pães e dois
peixes. Também nós hoje, como então os Apóstolos em Betsaída, dispomos de
meios, sem dúvida, insuficientes para valer eficazmente a cerca de oitocentos
milhões de pessoas famintas ou mal nutridas, que, às portas do ano 2000, lutam
ainda pela sua sobrevivência.
Que fazer então? Deixar as coisas como estão,
rendendo-nos à impotência? É esta a pergunta para a qual, ao início da
Quaresma, desejo chamar a atenção de cada fiel e de toda a comunidade eclesial.
A multidão de famintos, composta de crianças, mulheres, anciãos, migrantes,
deslocados, desempregados, dirige-nos o seu grito de dor. Imploram-nos, esperando
ser ouvidos. Como não tornar atentos os nossos ouvidos e vigilantes os nossos
corações, começando por pôr à disposição aqueles cinco pães e os dois peixes
que Deus colocou em nossas mãos? Todos podemos fazer qualquer coisa por eles,
dando cada um o seu próprio contributo. Isto requer certamente renúncias, que
supõem uma conversão interior e profunda. É preciso, sem dúvida, rever os
comportamentos consumistas, combater o hedonismo, opor-se à indiferença e à
delegação das responsabilidades.
3. A fome é um drama enorme que aflige a humanidade
: urge tomar ainda maior consciência do mesmo e oferecer um apoio convicto e
generoso às várias Organizações e Movimentos, nascidos para aliviar os
sofrimentos de quem corre o risco de morrer por carência de alimento,
privilegiando aqueles que não são atingidos por programas governamentais e
internacionais. Impõe-se apoiar a luta contra a fome, tanto nos países menos
avançados como nas nações altamente industrializadas, onde, infelizmente, vai
sempre aumentando a distância que separa os ricos dos pobres.
A terra está dotada dos recursos necessários para
saciar a humanidade inteira. É preciso sabê-los usar com inteligência,
respeitando o ambiente e os ritmos da natureza, garantindo a equidade e a
justiça nas trocas comerciais, e uma distribuição das riquezas que tenha em
conta o dever da solidariedade. Alguém poderia objectar que se trata de uma
enorme e quimérica utopia. O ensinamento e a acção social da Igreja, porém,
demonstram o contrário: sempre que os homens se convertem ao Evangelho, esse
projecto de partilha e solidariedade torna-se uma estupenda realidade.
4. Na verdade, enquanto vemos, por um lado, ser
destruídas grandes quantidades de produtos necessários à vida do homem, por
outro, descobrimos com amargura longas filas de pessoas que aguardam a sua vez
junto das mesas dos pobres ou à volta dos comboios das Organizações
humanitárias, ocupadas a distribuir ajudas de toda a espécie. Mas, também nas
modernas metrópoles, à hora de encerramento dos mercados locais, não é raro
vislumbrar gente desconhecida que se inclina a rebuscar o rebotalho das
mercadorias ali abandonado.
Diante de tais cenas, sintomas de profundas
contradições, como não experimentar no espírito um sentimento de revolta
interior? Como não sentir-se tocado por um impulso espontâneo de caridade
cristã? A autêntica solidariedade, todavia, não se improvisa; só através de um
paciente e responsável trabalho de formação, realizado desde a infância, é que
aquela se tornará um hábito mental da pessoa, englobando os diversos campos de
actividade e responsabilidade. Requer-se um processo geral de sensibilização,
capaz de envolver toda a sociedade. A Igreja Católica, em colaboração cordial
com as outras Confissões religiosas, deseja oferecer o seu próprio e
qualificado contributo para um tal processo. Trata-se de um fundamental esforço
de promoção do homem e de partilha fraterna, que não pode deixar de ver ai
empenhados também os próprios pobres, segundo as suas possibilidades.
5. Amados Irmãos e Irmãs! Ao mesmo tempo que vos
confio estas reflexões quaresmais, para que as desenvolvais individual e
comunitariamente sob a guia dos vossos Pastores, exorto-vos a cumprir gestos
significativos e concretos, capazes de multiplicar aqueles poucos pães e
peixes, de que dispomos. Contribuir-se-á assim validamente para fazer frente
aos vários géneros de fome, sendo este um modo autêntico de viver o
providencial período da Quaresma, tempo de conversão e reconciliação.
Nestes empenhativos propósitos, sirva-vos de apoio
e conforto a Bênção Apostólica, que de bom grado concedo a cada um de vós,
pedindo ao Senhor a graça de nos encaminhar generosamente, mediante a oração e
a penitência, para as celebrações da Páscoa.
Castel Gandolfo, 8 de Setembro, Natividade da
Virgem Santa Maria, do ano 1995, décimo sétimo de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP II
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