EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA REDEMPTORIS CUSTOS
do
SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II sobre a figura e a missão de SÃO JOSÉ na vida de
CRISTO e da IGREJA
V
O
PRIMADO DA VIDA INTERIOR
25.
Também quanto ao trabalho de carpinteiro na casa de Nazaré se estende o mesmo
clima de silêncio, que acompanha tudo aquilo que se refere à figura de José.
Trata-se, contudo, de um silêncio que desvenda de maneira especial o perfil
interior desta figura. Os Evangelhos falam exclusivamente daquilo que José
«fez»; no entanto, permitem-nos auscultar nas suas «acções», envolvidas pelo
silêncio, um clima de profunda contemplação. José estava quotidianamente em
contacto com o mistério «escondido desde todos os séculos», que «estabeleceu a
sua morada» sob o tecto da sua casa. Isto explica, por exemplo, a razão por que
Santa Teresa de Jesus, a grande reformadora do Carmelo contemplativo, se tornou
promotora da renovação do culto de São José na cristiandade ocidental.
26.
O sacrifício total, que José fez da sua existência inteira, às exigências da
vinda do Messias à sua própria casa, encontra a motivação adequada na «sua
insondável vida interior, da qual lhe provêm ordens e consolações
singularíssimas; dela lhe decorrem também a lógica e a força, própria das almas
simples e límpidas, das grandes decisões, como foi a de colocar imediatamente à
disposição dos desígnios divinos a própria liberdade, a sua legítima vocação
humana e a felicidade conjugal, aceitando a condição, a responsabilidade e o peso
da família e renunciando, por um incomparável amor virgíneo, ao natural amor
conjugal que constitui e alimenta a mesma família». (Ibid., 1.c., p. 1267)
Esta
submissão a Deus, que é prontidão de vontade para se dedicar às coisas que
dizem respeito ao seu serviço, não é mais do que o exercício da devoção, que
constitui uma das expressões da virtude da religião. (Cf. S. Tomás de Aquino,
Summa Theol., II-II ae, q. 82, a. 3, ad 2.)
27.
A comunhão de vida entre José e Jesus leva-nos a considerar ainda o mistério da
Incarnação precisamente sob o aspecto da humanidade de Cristo, instrumento eficaz
da divindade para a santificação dos homens: «Por força da divindade, as acções
humanas de Cristo foram salutares para nós, produzindo em nós a graça, quer em
razão do mérito, quer por uma certa eficácia». (Ibid., III, q. 8, a. 1, ad 1.)
Entre
estas acções os Evangelistas privilegiam aquelas que dizem respeito ao mistério
pascal; mas não deixam de frisar bem a importância do contacto físico com Jesus
em ordem às curas de enfermidades (cf., por exemplo, Mc 1, 41) e a influência
por ele exercida sobre João Baptista, quando ambos estavam ainda no seio
materno (cf. Lc 1, 41-44).
O
testemunho apostólico não transcurreu — como já se viu — a narração do
nascimento de Jesus, da circuncisão, da apresentação no templo, da fuga para o
Egipto e da vida oculta em Nazaré, por motivo do «mistério» de graça contido em
tais «gestos», todos eles salvíficos, porque todos participavam da mesma fonte
de amor: a divindade de Cristo. Se este amor se irradiava, através da sua
humanidade, sobre todos os homens, certamente eram por ele beneficiados, em primeiro
lugar, aqueles que a vontade divina tinha posto na sua maior intimidade: Maria,
sua Mãe, e José, seu pai putativo . (Pio XII, Carta Enc. Haurietis aquas (15 de
Maio de 1956), III: AAS 48 (1956), pp. 329-330).
Uma
vez que o amor «paterno» de José não podia deixar de influir sobre o amor
«filial» de Jesus e, vice-versa, o amor «filial» de Jesus não podia deixar de
influir sobre o amor «paterno» de José, como chegar a conhecer as profundezas
desta singularíssima relação? Justamente, pois, as almas mais sensíveis aos
impulsos do amor divino vêem em José um exemplo luminoso de vida interior.
Mais
ainda, a aparente tensão entre a vida activa e a vida contemplativa tem em José
uma superação ideal, possível para quem possui a perfeição da caridade.
Atendo-nos à conhecida distinção entre o amor da verdade (caritas veritatis) e
as exigências do amor (necessitat caritatis), podemos dizer que José fez a
experiência quer do amor da verdade, ou seja, do puro amor de contemplação da
Verdade divina que irradiava da humanidade de Cristo, quer das exigências do
amor, ou seja, do amor igualmente puro do serviço, requerido pela protecção e
pelo desenvolvimento dessa mesma humanidade. (Cf. S. Tomás de Aquino, Summa
Theol., II-II)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.