Evangelho
São João 6 16 - 51
Jesus caminha sobre as águas–
16 Ao
cair da tarde, os seus discípulos desceram até ao lago 17 e, subindo para um
barco, foram atravessando o lago em direcção a Cafarnaúm. 18 Já tinha escurecido
e Jesus ainda não fora ter com eles. Soprando uma forte ventania, o lago
começou a agitar-se. 19 Depois de terem remado mais ou menos uma légua,
avistaram Jesus que se aproximava do barco, caminhando sobre o lago, e tiveram
medo. 20 Mas Ele disse-lhes: «Sou Eu, não tenhais medo!» 21 Quiseram recebê-lo
logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam.
Discurso do Pão do Céu –
22 No
dia seguinte, a multidão que ficara do outro lado do lago reparou que ali não
estivera mais do que um barco, e que Jesus não tinha entrado no barco com os
seus discípulos, mas que estes tinham partido sozinhos. 23 Entretanto, chegaram
outros barcos de Tiberíades até ao lugar onde tinham comido o pão, depois de o
Senhor ter dado graças. 24 Quando viu que nem Jesus nem os seus discípulos
estavam ali, a multidão subiu para os barcos e foi para Cafarnaúm à procura de
Jesus. 25 Ao encontrá-lo no outro lado do lago, perguntaram-lhe: «Rabi, quando
chegaste cá?» 26Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: vós
procurais-me, não por terdes visto sinais miraculosos, mas porque comestes dos
pães e vos saciastes. 27 Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo
alimento que perdura e dá a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará; pois
a este é que Deus, o Pai, confirma com o seu selo.» 28 Disseram-lhe, então:
«Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» 29 Jesus
respondeu-lhes: «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou.» 30 Eles
replicaram: «Que sinal realizas Tu, então, para nós vermos e crermos em ti? Que
obra realizas Tu? 31 Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está
escrito: Ele deu-lhes a comer o pão vindo do Céu.» 32 E Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas
é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, 33 pois o pão de Deus é aquele
que desce do Céu e dá a vida ao mundo.» 34 Disseram-lhe então: «Senhor, dá-nos
sempre desse pão!» 35 Respondeu-lhes Jesus: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a
mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. 36 Mas já vo-lo
disse: vós vistes-me e não credes. 37 Todos os que o Pai me dá virão a mim; e
quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38 porque desci do Céu não para fazer a
minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39 E a vontade daquele que
me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o
ressuscite no último dia. 40 Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo
aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no
último dia.» 41 Os judeus puseram-se, então, a murmurar contra Ele por ter
dito: 'Eu sou o pão que desceu do Céu'; 42 e diziam: «Não é Ele Jesus, o filho
de José, de quem nós conhecemos o pai e a mãe? Como se atreve a dizer agora: 'Eu
desci do Céu'?» 43 Jesus disse-lhes, em resposta: «Não murmureis entre vós. 44 Ninguém
pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei-de ressuscitá-lo
no último dia. 45 Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus.
Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. 46
Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em
Deus: esse é que viu o Pai. 47 Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê
tem a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Os vossos pais comeram o maná no
deserto, mas morreram. 50 Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele,
não morrerá. 51 Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste
pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida
do mundo.»
Cristo
que passa
115
Não quero terminar sem uma
última reflexão: o cristão, ao tornar Cristo presente entre os homens, sendo
ele mesmo ipse Christus, não procura apenas viver numa atitude de amor,
mas também dar a conhecer o Amor de Deus através desse amor humano.
Jesus concebeu toda a sua
vida como uma revelação desse amor: Filipe, - respondeu a um dos seus Apóstolos
- «quem me vê a Mim, vê o Pai».
Seguindo esse ensinamento, o
Apóstolo João convida os cristãos a que, já que conheceram o amor de Deus, o
manifestem com as suas obras: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros; porque
o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-0. Aquele
que não ama não conhece Deus, porque Deus é Amor.
Nisto se manifestou o amor
de Deus para connosco: em ter enviado o seu Filho unigénito ao mundo para que
por Ele vivamos.
Nisto consiste o seu amor:
não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho
para propiciação pelos nossos pecados.
Caríssimos, se Deus nos amou
assim, também nos devemos amar uns aos outros”.
116
É necessário, portanto, que
a nossa fé seja viva, que nos leve realmente a crer em Deus e a manter um
constante diálogo com Ele.
A vida cristã deve ser vida
de oração constante, procurando nós estar na presença do Senhor da manhã até à
noite e da noite até à manhã. O cristão nunca é um homem solitário, posto que
vive numa conversa contínua com Deus, que está junto de nós e nos Céus.
Sine intermissione orate,
manda o Apóstolo - orai sem interrupção.
E, recordando esse preceito
apostólico, escreve Clemente de Alexandria: “Manda-se-nos louvar e honrar o
Verbo, a Quem conhecemos como salvador e rei; e por Ele o Pai, não em dias
escolhidos, como fazem alguns, mas constantemente, ao longo de toda a vida, e de
todos os modos possíveis”.
No meio das ocupações de
cada jornada, no momento de vencer a tendência para o egoísmo, ao sentir a
alegria da amizade com os outros homens, em todos esses instantes o cristão
deve reencontrar Deus. Por Cristo e no Espírito Santo, o cristão tem acesso à
intimidade de Deus Pai, e percorre o seu caminho buscando esse reino, que não é
deste mundo, mas que neste mundo se inicia e prepara.
É preciso privar com Cristo
na palavra e no Pão, na Eucaristia e na Oração.
Tratá-Lo como se trata com
um amigo, com um ser real e vivo como Cristo é, porque ressuscitou.
Cristo, lemos na epístola
aos Hebreus, como permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno.
Por isso, pode salvar
perpetuamente os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para
interceder em seu favor.
Cristo, Cristo ressuscitado,
é o companheiro, o Amigo.
Um companheiro que se deixa
ver só entre sombras, mas cuja realidade enche toda a nossa vida, e que nos faz
desejar a sua companhia definitiva.
O Espírito e a Esposa dizem:
Vem/
E aquele que ouve, diga:
Vem!
Que aquele que tenha sede,
venha! Que aquele que O deseja, receba gratuitamente a água da vida...
O que dá testemunho destas
coisas diz: Sim, Eu venho em breve. Assim seja. Vem, Senhor Jesus!.
117
A liturgia põe, mais uma
vez, diante dos nossos olhos, o último dos mistérios da vida de Jesus Cristo
entre os homens: a Sua Ascensão aos Céus.
Desde o Seu nascimento em
Belém já aconteceram muitas coisas: encontrámo-lO no berço, adorado por
pastores e reis; contermplámo-lO nos longos anos de trabalho silencioso em
Nazaré; acompanhámo-lO através das terras da Palestina, pregando aos homens o
reino de Deus e fazendo bem a todos.
E mais tarde, nos dias da Sua
Paixão, sofremos ao presenciarmos como O acusavam, com que furor O maltratavam
e com que ódio O crucificavam.
À dor, seguiu-se a alegria
luminosa da Ressurreição.
Que fundamento tão claro e
firme para a nossa fé! Já não deveríamos duvidar.
Mas talvez, como os
Apóstolos, sejamos ainda fracos e neste dia da Ascensão perguntemos a Cristo: É
agora que vais restaurar o reino de Israel?; será agora que vão desaparecer
definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?
O Senhor responde-nos
subindo aos céus.
Tal como os Apóstolos,
ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa.
Não é fácil, na realidade,
acostumar-se à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que, num gesto
magnífico de amor, Se foi embora e ficou: foi para o Céu e entrega-Se-nos como
alimento na Hóstia Santa.
Sentimos, no entanto, a
falta da Sua palavra humana, do Seu modo de actuar, de olhar, de sorrir, de
fazer o bem.
Gostaríamos de voltar a
vê-Lo de perto, quando Se senta à beira do poço, cansado da dureza do caminho,
quando chora por Lázaro, quando reza durante longo tempo, quando Se compadece
da multidão!
Sempre me pareceu lógico - e
me encheu de alegria - que a Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à
glória do Pai, mas penso também que esta tristeza, própria do dia da Ascensão,
é uma prova do amor que sentimos por Jesus, Senhor Nosso.
Ele, sendo perfeito Deus,
fez-Se homem, perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue,
mas separou-Se de nós para ir para o Céu. Como não havemos de sentir a Sua
falta?
118
Intimidade com Jesus Cristo
no Pão e na Palavra
Se soubermos contemplar o
mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com olhos limpos,
aperceber-nos-emos que também agora é possível aproximar-nos intimamente de
Jesus, em corpo e alma. Cristo assinalou-nos claramente o caminho: pelo Pão e
pela Palavra, alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e cumprindo o que
veio ensinar-nos, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração.
«Quem come a minha carne
e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Aquele que conhece os meus
mandamentos e os guarda, esse é que me ama; e aquele que me ama será amado por
meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele».
Não são meras promessas.
São o que há de mais
profundo, a realidade de uma vida autêntica: a vida da graça, que nos leva a
relacionar-nos íntima, pessoal e directamente com Deus.
«Se observardes os Meus
mandamentos, permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos do Meu
Pai, e permaneço no Seu amor».
Esta afirmação de Jesus, no
discurso da última ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão.
Cristo sabia que era preciso
ir-Se embora, porque, dum modo misterioso que nunca conseguiremos compreender, depois
da Ascensão iria chegar - numa nova efusão do Amor divino - a Terceira Pessoa
da Santíssima Trindade: «mas eu digo-vos a verdade: a vós convém que Eu vá,
porque se Eu não for, não virá a vós o Paráclito; mas, se for, eu vo-lo
enviarei».
Foi-Se embora e enviou-nos o
Espírito Santo, que rege e santifica a nossa alma.
Ao actuar em nós, o
Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus; que
não recebemos o espírito de escravidão para actuarmos ainda com temor, mas
recebemos o espírito de adopção de filhos, mercê do qual clamamos, dizendo:
Abba, Pai!
Compreendeis?
É a acção trinitária nas
nossas almas.
Todo o cristão tem acesso a
esta inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, se corresponde à graça que
nos leva a unir-nos com Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na
oração.
A Igreja põe à nossa
consideração diariamente a realidade do Pão vivo e dedica-lhe duas grandes
festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpo de Deus.
Neste dia da Ascensão, vamos
deter-nos na forma de conviver e de nos relacionarmos com Jesus, escutando
atentamente a Sua Palavra.
119
Vida de oração
Uma oração ao Deus da minha
vida.
Se Deus é vida para nós, não
deve causar-nos estranheza que a nossa existência de cristãos tenha de estar
embebida de oração.
Mas não penseis que a oração
é um acto que se realiza e se abandona logo a seguir.
O justo encontra na lei de
Iavé a sua complacência e procura acomodar-se a essa lei durante o dia e
durante a noite.
Pela manhã penso em ti; e,
durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso.
Todo o dia pode ser tempo de
oração: da noite à manhã e da manhã à noite.
Mais ainda: como nos recorda
a Escritura Santa, também o sono deve ser oração.
Recordai o que de Jesus nos
narram os Evangelhos.
Às vezes, passava a noite
inteira ocupado em colóquio íntimo com o Pai.
Como cativou os primeiros
discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude
constante do Mestre pediram-Lhe: Domine,
doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim.
São Paulo - orationi instantes, na oração contínua,
escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo.
E São Lucas, com uma
pincelada, retrata a maneira de actuar dos primeiros fiéis: “Animados de um
mesmo espírito, perseveravam juntos em oração”.
A têmpera do bom cristão
adquire-se, com a graça, na forja da oração.
E este alimento da oração,
por ser vida, não se desenvolve através de um caminho único.
O coração desafogar-se-á
habitualmente com palavras, nas orações vocais que nos ensinaram o próprio
Deus, Pai Nosso, ou os Seus Anjos, Avé Maria.
Outras vezes utilizaremos
orações apuradas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos
na fé: as da liturgia - lex orandi -; as que nasceram da paixão de um coração
enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium...,
Memorare..., Salve Regina...
Noutras ocasiões serão
suficientes duas ou três expressões, lançadas ao Senhor como se fossem setas,
iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo:
Domine,
si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres podes curar-me;
Domine,
tu omnia nosti, tu scis qui amo te, Senhor tu sabes tudo, tu
sabes que te amo;
Credo,
Domine, sed adjuva incredulitatem meam, creio, Senhor, mas ajuda a
minha incredulidade, fortalece a minha fé;
Domine,
non sum dignus, Senhor, não sou digno!;
Dominus
meus et Deus meus, Senhor meu e Deus meu!
Ou outras frases, breves e
afectuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a uma
circunstância concreta.
A vida de oração tem de
fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo, dedicados
exclusivamente a estar com Deus.
São momentos de colóquio sem
ruído de palavras, junto ao Sacrário sempre que possível, para agradecer ao
Senhor essa espera - tão só! - desde há vinte séculos.
A oração mental é diálogo
com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a
imaginação, a memória e a vontade.
Uma meditação que contribui
a dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida corrente e
diária.
Graças a esses tempos de
meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter a nossa
jornada, com naturalidade e sem espectáculo, num contínuo louvor a Deus.
Manter-nos-emos na sua
presença, como os que estão enamorados dirigem continuamente o seu pensamento à
pessoa que amam, e todas as nossas acções - inclusivamente as mais pequenas -
encher-se-ão de eficácia espiritual.
Por isso, quando um cristão
se lança por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um
caminho para todos, não uma senda para privilegiados - a vida interior cresce,
segura e firme; e o homem empenhasse nessa luta, amável e exigente ao mesmo
tempo, por realizar até ao fim a vontade de Deus.
A partir da vida de oração
podemos compreender um outro tema que nos propõe a festa de hoje: o apostolado,
pôr em prática os ensinamentos de Jesus, transmitidos aos seus pouco antes de
subir aos céus: servir-me-eis de testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na
Samaria e até às extremidades da terra.
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