04/11/2020

Leitura espiritual Novembro 04

 


Evangelho segundo São João

 João VII 1-14



Incredulidade dos parentes de Jesus

1 Depois disto, Jesus continuava pela Galileia, pois não queria andar pela Judeia, visto que os judeus procuravam matá-lo. 2 Estava próxima a festa judaica das Tendas. 3 Disseram-lhe então os seus irmãos: ‘Vai para a Judeia, a fim de os teus discípulos verem as obras que fazes. 4 Pois ninguém faz nada às escondidas, se pretende tornar-se conhecido. Se fazes coisas destas, mostra-te ao mundo.’ 5 Com efeito, nem sequer os seus irmãos criam nele. 6 E Jesus disse-lhes: Para mim ainda não chegou o momento oportuno; mas, para vós, qualquer oportunidade é boa. 7 O mundo não pode odiar-vos; a mim, porém, odeia-me, porque sou testemunha de que as suas obras são más. 8 Ide vós à festa. Eu é que não vou a essa festa, porque o tempo que me está marcado ainda não se completou. 9 Depois de dizer isto, continuou na Galileia. 10 Contudo, depois de os seus irmãos partirem para a festa, Ele partiu também, não publicamente, mas quase em segredo.

 

Comentários do povo

11 Por isso, durante a festa, os judeus procuravam-no e perguntavam: ‘Onde é que Ele está?’ 12 E havia entre o povo grande murmuração a seu respeito. Uns diziam: ‘É um homem de bem’. Outros, porém, afirmavam: ‘Não; o que Ele anda é a desencaminhar o povo!’ 13 No entanto, ninguém falava dele abertamente, por medo dos judeus.

 

Jesus ensina no templo

14 Já a festa ia a meio, quando Jesus subiu ao templo e se pôs a ensinar. 15 Os judeus assombravam-se e diziam: ‘Como é que este é letrado, se não estudou?’ 16 Então, Jesus respondeu-lhes, dizendo: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. 17 Se alguém está disposto a fazer a vontade dele, é capaz de ajuizar se a doutrina procede de Deus, ou se Eu falo por minha conta. 18 Quem fala por sua conta procura a sua glória pessoal; mas, quem procura a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro e nele não há impostura. 19 Porventura Moisés não vos deu a Lei? No entanto, nenhum de vós cumpre a Lei. Porque me quereis matar? 20 Respondeu aquela gente: ‘Tu tens o demónio. Quem é que te quer matar?’ 21 Jesus replicou-lhes: Eu realizei uma única obra e todos estão assombrados. 22 Porque Moisés vos deu a lei da circuncisão - não é que ela venha de Moisés, mas dos Patriarcas - circuncidais um homem mesmo ao sábado. 23 Se um homem recebe a circuncisão ao sábado, para não ser violada a Lei de Moisés, podereis indignar-vos comigo por ter curado completamente um homem ao sábado? 24 Não julgueis pelas aparências; julgai com um juízo recto.

 


Cristo que passa

 

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Permiti-me narrar um facto da minha vida pessoal, ocorrido já há muitos anos.

Certo dia, um amigo de bom coração, mas que não tinha fé, disse-me, indicando um mapa-mundi:

- Ora veja, de norte a sul e de leste a oeste.

- Que queres que eu veja?

- O fracasso de Cristo.

Tantos séculos a procurar meter na vida dos homens a Sua doutrina, e veja os resultados.

Num primeiro momento, enchi-me de tristeza: é uma grande dor, efectivamente, considerar que são muitos os que ainda não conhecem O Senhor e que, entre aqueles que O conhecem, são muitos também os que vivem como se O não conhecessem.

 

Mas essa impressão durou apenas um instante, para logo dar lugar ao amor e à acção de graças, porque Jesus quis que cada um dos homens fosse cooperador livre da Sua obra redentora.

Cristo não fracassou: a Sua doutrina está continuamente a fecundar o Mundo.

A redenção realizada por Ele é suficiente e superabundante.

Deus não quer escravos, mas sim filhos e, portanto, respeita a nossa liberdade.

A salvação continua e nós participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo as palavras fortes de São Paulo – “cumpramos na nossa carne, na nossa vida, o que falta à Sua Paixão, pro Corpore eius, quod est Ecclesia, em benefício do seu corpo, que é a Igreja”.

 

Vale a pena jogar a vida, entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à confiança que Deus deposita em nós.

Vale a pena, acima de tudo, que nos decidamos a tomar a sério a nossa fé cristã.

Quando recitamos o Credo, professamos crer em Deus Pai Todo-Poderoso, em Seu Filho Jesus Cristo que morreu e foi ressuscitado, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida.

Confessamos que a Igreja una, santa, católica e apostólica, é o corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo.

Alegramo-nos com a remissão dos nossos pecados e com a esperança da futura ressurreição.

Mas, essas verdades penetrarão até ao fundo do coração ou ficarão apenas nos lábios?

A mensagem divina de vitória, alegria e paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do modo de pensar, de reagir e de viver de todo o cristão.

 

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Força de Deus e fraqueza humana

 

Non est abbreviata manus Domini, a mão de Deus não diminuiu; Deus não é menos poderoso hoje do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro o Seu amor pelos homens.

A nossa fé ensina-nos que a criação inteira, o movimento da Terra e dos astros, as acções rectas das criaturas e tudo quando há de positivo no decurso da História, tudo, numa palavra, veio de Deus e a Deus se ordena.

 

A acção do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer os Seus planos e porque o pecado do Homem turva e obscurece os dons divinos.

Mas a Fé recorda-nos que o Senhor age constantemente:

Ele é que nos criou e nos conserva no ser; Ele, com a Sua graça, conduz a criação inteira para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

 

Por isso, a Tradição cristã resumiu a atitude que devemos adoptar para com o Espírito Santo num só conceito: docilidade.

Sermos sensíveis àquilo que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões que faz nascer nos nossos corações...

O Espírito Santo realiza no Mundo as obras de Deus. Como diz o hino litúrgico, é dador das graças, luz dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto.

Sem a Sua ajuda nada há no homem que seja inocente e valioso, pois é Ele que lava o que está sujo, que cura o que está doente, que aquece o que está frio, que corrige o extraviado, que conduz os homens ao porto da salvação e do gozo eterno.

 

Mas esta nossa fé no Espírito Santo deve ser plena e completa. Não é uma crença vaga na Sua presença no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que quis vincular a Sua força de um modo especial.

Anunciou Jesus: «Quando vier o Espírito de Verdade Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará».

O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo, para operar em nós a santificação que Ele nos mereceu para nós na Terra.

 

É por isso que não pode haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo.

Não é coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não ama a Igreja, quem não tem confiança nela, quem se compraz apenas em mostrar as deficiências e limitações dos que a representam, quem a julga por fora e é incapaz de se sentir seu filho.

 

E sou levado a considerar até que ponto será extraordinariamente importante e abundantíssima a acção do Divino Paráclito enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário, quando celebra a Santa Missa nos nossos altares.

 

131

        

Nós, os cristãos, trazemos em vasos de barro os grandes tesouros da graça:

Deus confiou os Seus dons à frágil e débil liberdade humana e, embora a Sua força certamente nos assista, a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso orgulho repelem-na por vezes e levam-nos a cair em pecado.

Em muitas ocasiões, de há mais de um quarto de século para cá, ao recitar o Credo e ao afirmar a minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, costumo acrescentar: apesar dos pesares.

Quando alguma vez me acontece comentar este costume e alguém me pergunta a que quero referir-me, respondo: aos teus pecados e aos meus.

 

Tudo isto é certo, mas não autoriza de maneira nenhuma a julgar a Igreja por critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas ao maior ou menor valor de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é ficar à superfície.

O mais importante na Igreja não é ver como correspondemos nós, os homens, mas sim o que Deus realiza.

A Igreja é isto mesmo: Cristo presente entre nós; Deus que vem até à humanidade para a salvar, chamando-nos com a sua revelação, santificando-nos com a Sua graça, sustentando-nos com a Sua ajuda constante, nos pequenos e grandes combates da vida de todos os dias.

 

Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um está obrigado a desconfiar pessoalmente de si mesmo e a concluir cada um dos seus dias com um mea culpa, com um acto de contrição profundo e sincero. Mas não temos o direito de duvidar de Deus.

E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvífica da sua pregação e dos seus sacramentos, é duvidar do próprio Deus; é não acreditar plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo.

 

Escreve São João Crisóstomo: “Antes de Cristo ser crucificado, - - não havia nenhuma reconciliação. E, enquanto não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito Santo”.

A ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina.

Agora que O vês enviado em plenitude, não duvides da reconciliação. Mas, se perguntarem: onde está agora O Espírito Santo?

Falar da Sua presença quando se davam milagres, quando eram ressuscitados os mortos e curados os leprosos, era possível; mas como saber, agora, que está deveras presente?

Não vos preocupeis. Hei-de demonstrar-vos que o Espírito Santo está também agora entre nós...

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois ninguém pode invocar Jesus como Senhor senão no Espírito Santo(I Cor. 12,3).

 

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança, porque ao rezar dizemos Pai Nosso, que estais nos Céus (Mat. 6,9).

Se não existisse o Espírito Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. Como sabemos isso?

É porque o Apóstolo nos ensina: “E, porque somos filhos, Deus mandou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba Pai(Gal, 4,6).

 

Portanto, quando invocares Deus Pai, recorda-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover a tua alma, te deu essa oração.

Se não existisse o Espírito Santo, não haveria na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de ciência, pois está escrito: “Porque... a um é dada pelo Espírito a palavra da sabedoria(I Cor, 12, 8)...

Se o Espírito Santo não estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas, se a Igreja existe, é certo que o Espírito Santo não falta”.

 

Acima das deficiências e limitações humanas, repito, a Igreja é isto: sinal e, de certo modo - não no sentido estrito em que dogmaticamente se definiu a essência dos sete sacramentos da Nova Aliança - o sacramento universal da presença de Deus no Mundo.

Ser cristão é ter sido regenerado por Deus e enviado aos homens para lhes anunciar a salvação. Se tivéssemos fé firme e viva e déssemos a conhecer Cristo com audácia, veríamos que ante os nossos olhos se realizariam milagres como os da era apostólica.

 

Porque a verdade é que também agora se dá vista aos cegos, que tinham perdido a capacidade de olhar para o Céu e de contemplar as maravilhas de Deus; também agora se dá liberdade a coxos e entrevados, que se encontravam tolhidos pelas próprias paixões e cujo coração já não sabia amar; também agora se dá ouvido aos surdos, que não desejavam o conhecimento de Deus, e se consegue que falem os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar as suas derrotas; também agora se ressuscitam mortos, em que o pecado destruíra a vida.

Mais uma vez se verifica que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes.

E, como os primeiros fiéis cristãos, também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e a sua acção na inteligência e na vontade das suas criaturas.

 

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Dar a conhecer a Cristo

 

Todos os acontecimentos da vida - os de cada existência individual e, de algum modo, os das grandes encruzilhadas da História - vejo-os como outros tantos chamamentos que Deus faz aos homens para olharem de frente a verdade e como ocasiões oferecidas a nós, cristãos, para anunciarmos com as nossas obras e as nossas palavras, auxiliados pela graça, o Espírito a que pertencemos.

 

Cada geração de cristãos deve redimir e santificar o seu tempo: para tanto, precisa de compreender e de compartilhar os anseios dos homens, seus iguais, a fim de lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como corresponder à acção do Espírito Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino.

A nós, cristãos, compete anunciar nestes dias, ao mundo a que pertencemos e em que vivemos, a antiga e sempre nova mensagem do Evangelho.

 

Não é verdade que toda a gente de hoje - assim, em geral ou em bloco - esteja fechada ou permaneça indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o ser do Homem.

Não é certo que os homens do nosso tempo se ocupem só das coisas da Terra e se desinteressem de olhar para o Céu.

Embora não faltem ideologias - e pessoas para as sustentarem - que estão fechadas, na nossa época não há apenas atitudes rasteiras, mas também altos ideais; não há apenas cobardia, mas heroísmo, e ao lado das desilusões permanecem grandes aspirações.

Há pessoas que sonham com um mundo novo, mais justo e mais humano, enquanto outras, talvez decepcionadas diante do fracasso dos seus primeiros ideais, se refugiam no egoísmo de buscarem a sua própria tranquilidade ou de se deixarem ficar mergulhadas no erro.

 

A todos os homens e todas as mulheres, estejam onde estiverem, em momentos de exaltação ou de crise ou de derrota, devemos fazer chegar o anúncio solene e claro de São Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: “Jesus é a pedra angular, o Redentor, tudo da nossa vida, pois fora d'Ele não foi dado outro nome, aos homens, debaixo do céu, pelo qual possamos ser salvos”.

 

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