30/10/2020

Leitura espiritual Outubro 30

 

Cartas de São Paulo

 

Carta aos Hebreus 6

 

1 Por isso, deixando de parte os ensinamentos elementares sobre Cristo, elevemo-nos a coisas mais completas, sem lançar de novo os fundamentos da conversão das obras mortas, da fé em Deus, 2 da doutrina do baptismo, da imposição das mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. 3 É isso que faremos, se Deus o permitir. 4 É impossível, com efeito, que aqueles que uma vez foram iluminados, que provaram o dom celeste, que se tornaram participantes do Espírito Santo, 5 que provaram a boa palavra de Deus e as maravilhas do mundo futuro, 6 e que, no entanto, caíram, é impossível que sejam de novo renovados, levados à conversão, pois por si mesmos crucificam de novo o Filho de Deus e expõem-no ao escárnio. 7 Na verdade, a terra que absorve a chuva que cai muitas vezes sobre ela, e produz plantas úteis para aqueles que a cultivam, recebe a bênção de Deus; 8 mas, se produz espinhos e cardos, não tem valor e está próxima da maldição: acabará por ser queimada. 9 Quanto a vós, amados irmãos, e apesar de falarmos deste modo, estamos convencidos que existem em vós coisas melhores, que conduzem à salvação. 10 De facto, Deus não é injusto, para esquecer as vossas obras e o amor que mostrastes pelo seu nome, pondo-vos ao serviço dos santos e servindo-os ainda agora. 11 Desejamos, porém, que cada um de vós mostre o mesmo zelo para a plena realização da sua esperança até ao fim, 12 de modo que não vos torneis preguiçosos, mas imiteis aqueles que, pela fé e pela perseverança, se tornam herdeiros das promessas.

 

Promessa e juramento de Deus –

13 Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha ninguém maior por quem jurar, jurou por si mesmo, 14 dizendo: Na verdade, Eu te abençoarei e multiplicarei a tua descendência. 15 E assim, Abraão, tendo esperado com paciência, alcançou a promessa. 16 Ora, os homens juram por alguém maior do que eles, e o juramento é para eles uma garantia que põe fim a toda a controvérsia. 17 Por isso, querendo Deus mostrar mais claramente aos herdeiros da promessa que a sua decisão era imutável, interveio com um juramento, 18 para que, graças a duas acções imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, encontrássemos grande estímulo, nós os que procurámos refúgio nele, agarrando-nos à esperança proposta. 19 Nessa esperança temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu 20 onde Jesus entrou como nosso precursor, tornando-se Sumo Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

 

 

Cristo que passa

 

102

         

Cristo vive.

Esta é a grande verdade que enche de conteúdo a nossa fé.

Jesus, que morreu na cruz, ressuscitou; triunfou da morte, do poder das trevas, da dor e da angústia.

Não temais - foi com esta invocação que um anjo saudou as mulheres que iam ao sepulcro.

«Não temais. Procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado. Ressuscitou; não está aqui».

Haec est dies quam fecit Dominus, exultemus et laetemur in ea - este é o dia que O Senhor fez; alegremo-nos.

 

O tempo pascal é tempo de alegria, de uma alegria que não se limita a esta época do ano litúrgico, mas mora sempre no coração dos cristãos.

Porque Cristo vive.

Cristo não é uma figura que passou, que existiu em certo tempo e que se foi embora, deixando-nos uma recordação e um exemplo maravilhosos.

Não.

Cristo vive.

Jesus é Emanuel: Deus connosco.

A Sua Ressurreição revela-nos que Deus não abandona os Seus.

«Pode a mulher esquecer o fruto do seu seio e não se compadecer do filho das suas entranhas? Pois ainda que ela se esquecesse, eu não me esquecerei de ti», havia-nos Ele prometido.

E cumpriu a promessa.

Deus continua a ter as Suas delícias entre os filhos dos homens.

Cristo vive na sua Igreja. «Digo-vos a verdade: convém-vos que Eu vá; porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se Eu for, enviar-vo-Lo-ei».

Esses eram os desígnios de Deus: Jesus morrendo na Cruz, dava-nos o Espírito de Verdade e de Vida.

Cristo permanece na Sua Igreja: nos seus sacramentos, na sua liturgia, na sua pregação, em toda a sua actividade.

 

De modo especial, Cristo continua presente entre nós nessa entrega diária que é a Sagrada Eucaristia.

Por isso a Missa é o centro e a raiz da vida cristã.

Em todas as Missas está sempre presente o Cristo total, Cabeça e Corpo.

Per Ipsum, et cum Ipso, et in Ipso.

Porque Cristo é o Caminho, o Mediador.

N’Ele tudo encontramos; fora d'Ele a nossa vida torna-se vazia. Em Jesus Cristo, e instruídos por Ele, atrevemo-nos a dizer - audemus dicere - Pater noster, Pai nosso.

Atrevemo-nos a chamar Pai ao Senhor dos Céus e da Terra.

 

A presença de Jesus vivo na Sagrada Hóstia é a garantia, a raiz e a consumação da Sua presença no Mundo.

 

103

        

Cristo vive no cristão.

A fé diz-nos que o homem, em estado de graça, está endeusado. Somos homens e mulheres; não anjos.

Seres de carne e osso, com coração e paixões, com tristezas e alegrias; mas a divinização envolve o homem todo, como antecipação da ressurreição gloriosa.

Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram. Porque, assim como por um homem veio a morte, também veio por um homem a ressurreição.

Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também em Cristo todos são vivificados.

 

A vida de Cristo é vida nossa, segundo o que prometera aos Seus Apóstolos no dia da última Ceia: «Todo aquele que me ama observará os meus mandamentos, e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele morada».

O cristão, portanto, deve viver segundo a vida de Cristo, tornando seus os sentimentos de Cristo de tal modo que possa exclamar com São Paulo: “Non vivo ego, vivit vero in me Christus; não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim”.

 

104 

       

Jesus Cristo, fundamento da vida cristã

 

Quis recordar, embora brevemente, alguns dos aspectos do viver actual de Cristo - Iesus Christus heri et hodie; ipse et in saecula; Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem e hoje, e por toda a eternidade - porque aí está o fundamento de toda a vida cristã.

Se olharmos ao nosso redor e considerarmos o decurso da história da Humanidade, observaremos progressos, avanços: a Ciência deu ao homem uma consciência maior do seu poder; a Técnica domina a Natureza melhor do que em épocas passadas; e permite à Humanidade sonhar com um nível mais alto de cultura, de vida material, de unidade.

 

Talvez alguns se sintam levados a matizar este quadro, recordando que os homens padecem agora injustiças e guerras maiores ainda do que as passadas.

E não lhes falta razão.

Mas, por cima dessas considerações, prefiro recordar que, no domínio religioso, o homem continua a ser homem e Deus continua a ser Deus.

Neste campo, o cume do progresso já se deu; é Cristo, alfa e ómega, princípio e fim.

 

No terreno espiritual não há nenhuma nova época a que chegar.

Já tudo se deu em Cristo, que morreu e ressuscitou, e vive, e permanece para sempre.

Mas é preciso unirmo-nos a Ele pela fé, deixando que a Sua vida se manifeste em nós, de maneira que se possa dizer que cada cristão é, não já alter Christus, mas ipse Christus, o próprio Cristo.

 

105

         

Instaurare omnia in Christo, é o lema que São Paulo dá aos cristãos de Éfeso: “dar forma a tudo segundo o espírito de Jesus; colocar Cristo na entranha de todas as coisas: Si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum: quando Eu for levantado sobre a terra, tudo atrairei a mim”.

Cristo, com a Sua Encarnação, com a Sua vida de trabalho em Nazaré, com a Sua pregação e os Seus milagres por terras da Judeia e da Galileia, com a Sua morte na Cruz, com a Sua Ressurreição, É o centro da Criação, Primogénito e Senhor de toda a criatura.

 

A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras.

O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da Terra.

A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe.

Encomenda a outros o ministério sacerdotal.

À grande maioria, o Senhor quere-a no mundo, no meio das ocupações terrenas.

Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da montanha.

 

Gosto de recordar a este propósito o episódio da conversa de Cristo com os discípulos de Emaús.

Jesus caminha junto daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, de modo que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra nos seus corações, comunica-lhes algo da vida que Nele habita.

Quando, ao chegar àquela aldeia, Jesus faz menção de seguir para diante, os dois discípulos retêm-No e quase O forçam a ficar com eles.

Reconhecem-No depois ao partir o pão: - Exclamam «O Senhor, esteve connosco! Então disseram um para o outro: Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração dentro de nós enquanto nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras»?

Cada cristão deve tornar Cristo presente entre os homens; deve viver de tal maneira que todos com quem contacte sintam o bonus odor Christi, o bom odor de Cristo, deve actuar de forma que, através das acções do discípulo, se possa descobrir o rosto do Mestre.

 

106   

     

O cristão sabe que está enxertado em Cristo pelo Baptismo; habilitado a lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a actuar no mundo pela participação que tem na função real, profética e sacerdotal de Cristo; feito uma só coisa com Cristo pela Eucaristia, Sacramento da unidade e do amor.

Por isso, tal como Cristo, há-de viver voltado para os outros homens, olhando com amor para todos e cada um dos que o rodeiam, para a Humanidade inteira.

 

A fé leva-nos a reconhecer Cristo como Deus, a vê-Lo como nosso Salvador, a identificarmo-nos com Ele, actuando como Ele actuou.

O Ressuscitado, depois de arrancar das suas dúvidas o Apóstolo Tomé, mostrando-lhe as chagas, exclama: «Bem-aventurados os que, sem Me verem, acreditaram».

Comenta São Gregório Magno: Aqui fala-se de nós de um modo particular, porque nós possuímos espiritualmente Aquele a Quem corporalmente não vimos”.

Fala-se de nós, mas com a condição de que as nossas acções se conformem à nossa fé.

Não crê verdadeiramente senão quem, no seu actuar, põe em prática o que crê.

Por isso, a propósito daqueles que da fé não possuem mais do que as palavras, diz São Paulo: “professam conhecer Deus mas negam-no com as obras”.

 

Não é possível separar em Cristo o ser de Deus-Homem e a Sua função de Redentor.

 O Verbo fez-Se carne e veio à Terra ut omnes homines salvi fiant, para salvar todos os homens. Com todas as nossas misérias e limitações pessoais, nós somos outros Cristos, o próprio Cristo, e somos também chamados a servir todos os homens.

 

É necessário que ressoe uma e outra vez aquele mandamento que continuará a ser novo através dos séculos: escreve São João: “Caríssimos não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo, que recebestes desde o princípio. Este mandamento antigo é a palavra divina que ouvistes. E, no entanto, falo-vos de um mandamento novo, que é verdadeiro n'Ele mesmo e em vós porque as trevas já passaram e já resplandece a verdadeira luz. Quem diz que está na luz e aborrece o seu irmão, ainda está nas trevas. Quem ama o seu irmão permanece na luz e nele não há ocasião de queda. Nosso Senhor veio trazer a paz, a boa nova, a vida a todos os homens.

Não só aos ricos, nem só aos pobres; não só aos sábios, nem só à gente simples; a todos; aos irmãos, pois somos irmãos, já que somos filhos de um mesmo Pai, Deus.

Não há, portanto, mais do que uma raça: a raça dos filhos de Deus. Não há mais que uma cor: a cor dos filhos de Deus.

E não há senão uma língua: a que nos fala ao coração e à inteligência, sem ruído de palavras, mas dando-nos a conhecer Deus e fazendo que nos amemos uns aos outros”.

 

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