Aprender a render o
juízo
Há momentos
especialmente propícios para renovar os desejos de humildade. Por exemplo,
quando se é promovido ou se começa a ter um trabalho com certa visibilidade
pública. Então é a altura de se tomarem decisões que mostrem um modo cristão de
trabalhar: assumir essa posição como uma oportunidade que Deus nos dá para
servir ainda mais; recusar qualquer vantagem pessoal desnecessária;
intensificar a nossa atenção para com os mais débeis, sem cair na tentação de
os esquecer, agora que nos damos com pessoas às que antes não conseguíamos
aceder. Também é o momento de dar exemplo nos êxitos e honras inerentes a esse
cargo ou trabalho, de tirar importância aos aplausos que costuma receber quem
manda e, por outro lado, mostrar abertura às críticas, que costumam ficar mais
veladas e que têm indícios de verdade. São muitas as possíveis manifestações da
simplicidade no trabalho: rir-nos de nós próprios quando nos surpreendemos, por
exemplo, procurando ver se ficámos na fotografia ou se fomos citados num texto;
superar a tendência para deixarmos em tudo a nossa assinatura, ou amplificar um
problema quando ninguém nos pediu conselho para o resolver, como se fosse
precisa a nossa opinião em todas as circunstâncias...
No ambiente
profissional, familiar, até recreativo, organizam-se reuniões onde se trocam
pontos de vista, talvez opostos. Somos pessoas que pretendem que os outros se
submetam ao nosso modo de pensar? O que devia ser, o que devia ter sido feito...
A tendência excessiva para insistir no ponto de vista pessoal pode denotar
rigidez mental. É evidente que ceder não é uma coisa automática, mas em todo o
caso, muitas vezes, demonstra que foram captadas as diferentes situações.
Aproveitar as ocasiões para render o próprio juízo é agradável aos olhos de
Deus (Cf. (São
Josemaria, Caminho, 177). Com frase lapidar, Bento XVI comentava numa ocasião a triste volta que
deu Tertuliano nos últimos anos da sua vida: Quando se vê apenas o próprio
pensamento na sua grandeza, no final é precisamente esta grandeza que se perde
(Papa Bento XVI,
Audiência, 30-V-2007).
Alguma vez teremos
de ouvir pessoas mais jovens, com menos experiência, mas que talvez tenham mais
dotes de inteligência ou de coração, ou tenham funções às quais assiste a graça
de Deus. Certamente, ninguém gosta de passar por tolo, ou por ser pessoa sem
coração, mas se nos preocupar demasiado o que os outros pensam de nós, pode
significar que nos falta humildade. A vida de Jesus, o Filho de Deus, é uma
lição infinita para qualquer cristão investido de uma responsabilidade que a
sociedade considera elevada. As aclamações de Jerusalém não fizeram esquecer ao
Rei dos Reis que outros iriam crucificá-lo e que era também o Servo sofredor (cf. Jo 12, 12-19).
O rei São Luís
aconselhava o seu filho que, se algum dia chegasse a ser rei, não defendesse
com vivacidade a sua opinião nas reuniões do conselho real, sem antes ouvir os
outros: os membros do teu conselho poderiam ter medo de contradizer-te,
coisa que não convém desejar (São Luís de França, Testamento espiritual ao seu filho, futuro Filipe III,
em Acta Sanctorum Augustii 5 (1868), 546). É muito salutar aprender a não opinar com
superficialidade, sobretudo quando não se tem a responsabilidade última e não se
conhecem os fundamentos de um assunto, para além de se carecer da graça de
estado e dos dados que talvez possua quem está constituído em autoridade. Por
outro lado, tão importante como a ponderação e a reflexão é a disposição para
render o juízo de forma nobre e magnanimamente. Às vezes é preciso exercer a
prudência de ouvir os conselheiros e mudar de parecer, e nisso se manifesta
como a humildade e o senso comum engrandecem a pessoa e a tornam eficaz. A
prudência no juízo é favorecida pelo trabalho em equipa: fazer equipa, juntar
esforços, elaborar uma ideia e chegar a uma decisão com os outros: isso tudo é
também um exercício de humildade e inteligência.
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