30/07/2020

Leitura espiritual



1 «Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. 2 Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. 3 Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado. 4 Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. 5 Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem. 7 Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos acontecerá. 8 Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos.» 9 «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. 10 Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. 11 Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. 12 É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. 13 Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. 14 Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. 15 Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. 16 Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. 17 É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.» 18 «Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19 Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20 Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21 Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou. 22 Se Eu não tivesse vindo e não lhes tivesse dirigido a palavra, não teriam culpa, mas, agora, não têm escusa do seu pecado. 23 Quem me odeia a mim odeia também o meu Pai. 24 Se, diante deles, Eu não tivesse realizado obras que ninguém mais realizou, não teriam culpa; mas agora, apesar de as verem, continuam a odiar-me a mim e ao meu Pai. 25 Tinha, porém, de se cumprir a palavra que ficou escrita na sua Lei: Odiaram-me sem razão.» 26 «Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que Eu vos hei-de enviar da parte do Pai, Ele dará testemunho a meu favor. 27 E vós também haveis de dar testemunho, porque estais comigo desde o princípio.»

Comentários:

         Todos compreendem estas imagens usadas por Cristo. Não e necessário ser agricultor para saber que um ramo qualquer separado do tronco não serve para nada e acaba por secar. E, a razão porque tal acontece é compreendida por todos: o ramo vive enquanto recebe a seiva que corre no tronco. Separados de Cristo, a Sua Palavra, que é a seiva que alimenta a vida, deixa de correr em nós, alimentar a nossa alma e, o resultado é o mesmo, mortos espiritualmente, não servimos para nada. O que se pode concluir, sem esforço, é que a nossa união com Deus é vital para a nossa própria sobrevivência.
Unidos a Ele, viveremos uma vida com sentido e com proveito donde que, o contrário, isto é, separados d’Ele, acabamos por morrer por não ter qualquer préstimo.
         Pela segunda vez este ano a Liturgia apresenta este trecho de São João e, parece-me que a razão se compreende com facilidade: A Igreja quer chamar-nos a atenção para a necessidade de uma constante revisão de vida, para um exame cuidado e sério do nosso comportamento como cristãos. O que temos que conservar e desenvolver e o que não interessa e convém deixar.
         Este Mandamento – o Mandamento Novo – é, digamos assim, a razão da vinda do Senhor à terra. Ao mandar-nos ter o amor como motivo e razão da nossa vida, mais não faz que confirmar que, sem o AMOR, não é possível fazer parte da família divina como filhos de Deus. Mais: sem amor, nem sequer seremos considerados como amigos - o que já seria muito – mas servos que não têm nem escolha ou outra vontade que as do seu Senhor. Amando, deveras, alcançaremos essa dignidade extraordinária de amigos escolhidos, um a um, pelo próprio Jesus Cristo. Poderá haver quem não goste desta palavra – servo! – uns, porque acham, e com alguma razão, que é de certo modo pejorativa e, outros, porque parece estar em contradição com a própria liberdade que o nosso Criador nos outorgou. Mas, de facto, nem uns nem outros veem como devem ver: Em primeiro lugar, qualquer um de nós pode considerar-se servo de alguém, seja o patrão para o qual trabalha, seja a própria profissão que escolheu e que o obriga a cumprir com os princípios de ética e outros dessa mesma profissão; Depois porque a liberdade que disfrutamos não a conquistámos, por assim dizer, foi-nos dada sem nenhuma contribuição da nossa parte. Mas, então, pode aduzir-se, nunca se é inteiramente livre! É verdade, a nossa liberdade, que tanto prezamos, permite-nos fazer o que bem entendermos, mas, naturalmente que ela só existirá se as nossas escolhas forem acertadas quando não acabamos por ser servos – melhor dito – escravos dos nossos defeitos, tendências e vícios.
         É bem de ver que podar as videiras é uma tarefa absolutamente necessária para não só manter a saúde e o vigor das plantas, como para garantir frutos abundantes e de bom calibre. Abandonada, a videira continuará a dar frutos mas, em pouco tempo, este tornam-se enfezados e sem qualquer préstimo e a própria videira crescerá sem forma, num emaranhado de ramos e folhas que acabarão por abafar as outras plantas que estiverem próximo. Assim connosco, os cristãos, temos de "podar" quanto não presta ou está a mais na nossa vida, mantendo o vigor e a saúde da nossa alma para que as obras sejam boas, dêem os frutos que O Senhor legitimamente espera colher. Por vezes pode custar esse corte, essa "limpeza" desses inúmeros "ramos" que são os desejos de ter, os atilhos que nos prendem a coisas supérfluas, o lastro que vamos acumulando que nos pesa e tolhe. Mas vale a pena! As importantes declarações de Jesus unem indissoluvelmente o amor e a alegria. Não é possível existir uma sem o outro e compreende-se bem porquê: A alegria que o amor – verdadeiro, sincero, total – produz no ser humano, é de tal forma visível, palpável, que não há quem se atreva a negá-lo. O inverso, infelizmente, é bem verdadeiro, sem amor o homem vive mergulhado na tristeza e não é, de modo nenhum, e um ser completo porque Deus criou-nos para amar. Há quem aduza que todos os amores humanos por honestos, verdadeiros, puros, que possam existir não se podem comparar com o Amor de Deus porque Ele É O Amor! Mas Cristo diz o contrário, que o amor é só um, o que vale, o que interessa: O Amor do Pai pelo Filho e, sendo assim, é este Amor que devemos perseguir com afinco para atingirmos aquela alegria de Cristo, sumo bem e consolação. Por isso mesmo nos diz categoricamente: «o que vos mando: que vos ameis uns aos outros». Amar como Jesus pede é possível? Temos de convir que sim ou ele não o teria pedido. Aliás, faz mais que um pedido, dá uma instrução, uma regra. Sem amor, que interessa a vida? Como são possíveis as boas obras? Quem ama está por natureza definitivamente empenhado no que ama. É o que mais quer, o que mais entranhadamente deseja porque o tem como um autêntico bem que não pode desperdiçar. Não tenhamos medo do amor e de o demonstrar com palavras e com obras.
          Alegria, alegria... É principal característica dos filhos de Deus porque a alegria nasce do amor e os filhos de Deus são reconhecidos exactamente pelo amor que os une entre si, a todos os homens, a Deus. Tudo começa na extraordinária noite do nascimento de Cristo em que os Anjos do Céu anunciam aos pastores de Belém «uma grande alegria». Esta alegria incomensurável perdurará para sempre até ao final dos tempos e, depois, continua no Céu no gozo da presença de Deus.
Qual é o “motor” da alegria? O amor! Alguém que ama – verdadeiramente ama – tem de ser uma pessoa alegre porque não há forma de se poder amar como convém – isto é, totalmente – sem essa alegria que vem de dentro, do mais fundo do coração. E isto - perdoe-se-me – não é poesia, mas uma realidade. Jesus Cristo declara-se alegre, totalmente alegre, o que é natural porque o Seu Amor é total, não tem nem condições nem limites.
         O Senhor confirma aos Seus Apóstolos, para que não lhes restem quaisquer dúvidas, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade dará testemunho, confirmará por assim dizer, quanto Ele lhes disse e ensinou. E o mesmo Espírito Santo lhes dará as luzes que possam necessitar para compreender o que ouviram. Só agora, o Senhor lhes diz isto porque, como disse e é absolutamente lógico, tudo ouviram directamente da Sua boca enquanto esteve com eles Talvez que o maior bem que nos foi alcançado por Jesus Cristo seja o ter-nos retirado do mundo, isto é, pertencendo ao mundo sem ser mundanos. Isto significa que a podemos viver perfeitamente a nossa vida espiritual que é, no fim e ao cabo, a nossa íntima relação com Deus, vivendo onde temos de viver nos ambientes e circunstâncias que cabem a cada um. Não precisamos retirar-nos para viver uma intensa vida de piedade, de amorosa " ligação " com a prática da nossa fé, ser santos. Santos no meio do mundo! Esta maravilhosa realidade foi-nos dada por Jesus que, sem qualquer mérito da nossa parte, nos proporciona quanto precisamos para a atingir.
         Jesus Cristo que É a VERDADE, não podia enganar-nos, com promessas, “futuros cor-de-rosa”, vidas cheias de bons momentos e futuros risonhos. Bem ao contrário, diz sem rebuços tudo quanto irá acontecer aos que decidirem segui-Lo e espalhar o Reino de Deus pela terra. Não só no futuro imediato, mas ao longo de todos os tempos, como bem vemos agora. Não parece apelativo este convite a segui-Lo, mas, a verdade, é que não faltaram – nem faltarão nunca – quem se decida por esse caminho e, o que parece ser um contra-senso é na verdade, uma escolha de extraordinária eficácia. Ninguém gosta de sofrer, mas, se for preciso passar dificuldades, amarguras, maus tratos e, até sacrificar a própria vida pela “causa” Divina haverá sempre quem escolha esse caminho porque sabe que, o prémio vale bem tudo isso. O que o Senhor tem reservado para quem O segue é um bem incomensuravelmente maior que qualquer contratempo, dificuldade ou obstáculo. E, com Ele, depositando n’Ele inteira confiança que nunca nos faltará com o Seu auxílio, vale bem a pena percorrer esse caminho.
         Na verdade, quando Deus "decidiu" salvar a humanidade, recuperando os filhos perdidos pelo pecado de Adão, fá-lo para sempre. Não admira, o homem está feito para a eternidade. Primeiro Deus Pai envia os profetas e estabelece alianças com o povo escolhido; logo Deus Filho toma a forma humana gerado no seio puríssimo da Santíssima Virgem e vive entre os homens, fisicamente, durante trinta e três anos, entregando o penhor dessa vida eterna, ensinando os meios para a conquistar, depositando nas mãos de Pedro à chaves do Reino de Deus e, depois, já legitimados como autênticos filhos de Deus, vem Deus Espírito Santo para confirmar na fé, consolidar a esperança e fortalecer o amor e, finalmente, ficar connosco até ao final dos tempos assistindo-nos com os Seus Dons inefáveis. Temos forçosamente de concluir que Deus não nos abandona nunca e que o Seu gozo e alegria é que vivamos esta vida terrena de tal forma que possamos merecer gozar a Sua presença por toda a eternidade.
         Jesus sublinha uma vez mais que sem Ele nada podemos fazer. E como proceder? Estando unidos a Ele. Não há outro processo ou alternativa. Unidos a Cristo como os ramos à videira podemos tudo mesmo o que aparentemente é impossível. Jesus dá este exemplo muito gráfico da videira e dos sarmentos para ”reforçar” a absoluta necessidade que temos de estar unidos a Ele, o que temos a ganhar e o que perderemos se o não estivermos. O que andam a fazer no monte as ovelhas sem pastor? Andam perdidas e sem rumo em busca das melhores pastagens que, sem a ajuda do pastor, serão muito difíceis de encontrar. Andarão perdidas e sem rumo podendo precipitar-se num barranco que não adivinham ou entrar no território perigoso do lobo que está sempre à espreita. Sim! Unidos a Cristo com firmeza e determinação e, sobretudo, com toda a confiança na Sua pronta e eficaz assistência em caso de necessidade. Todos entendemos bem estas imagens de que o Senhor se serve para nossa doutrina. Podemos não ser “agricultores experimentados”, mas sabemos o suficiente para compreender que um ramo só pode produzir frutos se estiver ligado ao tronco. O nosso “tronco” é Jesus Cristo, que mergulhado na nossa humanidade por vontade própria – por Amor – nos garante a seiva, o alimento necessário para que não só vivamos, mas, sobretudo, para que frutifiquemos. E… que frutos são esses? Nada mais que as boas obras que praticamos e, estas, não são outra coisa que o cumprimento da Vontade de Deus. São João, com o estilo que lhe é próprio, reproduz as palavras de Jesus Cristo que nos parece estar a ouvir o Senhor a explicar-nos com singela simplicidade o que significa ser cristão: [1] ESTAR UNIDO A CRISTO! Evidentemente que sabemos muito bem que somos cristãos pela força da graça infundida no Baptismo mas, do que falamos é viver como cristãos e tal não é possível sem essa união íntima, sólida, constante como os sarmentos em relação à vide. Então, compreendemos bem, que tal como a vide só está “completa” com os sarmentos a ela unidos, também nós só estaremos “completos” se unidos a Cristo. Sem esta união somos incapazes de dar qualquer fruto aproveitável porque, de facto, Quem os produz é o Próprio Cristo por nosso intermédio, como instrumentos Seus para espalhar por toda a parte o Seu Reino de Paz e Amor.
         As palavras de Cristo segundo Ele próprio são «espírito e vida» e, segundo o príncipe dos Apóstolos são «palavras de vida eterna». As duas afirmações completam-se admiravelmente não sendo necessárias mais explicações. Ouvindo Cristo, guardando as suas palavras temos quanto precisamos para viver esta vida de forma a ganhar a vida eterna. Há algo neste trecho de São João: «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós» que é tão sério e importante que não podemos deixar de reflectir detidamente. O amor que Cristo nos tem é igual ao amor que Deus Pai tem por Deus Filho?! Então… é um amor imenso, sem medida nem comparação possível. Vemos as “consequências” desse amor: dar a vida por nós! O Senhor quase que resume todas as Suas recomendações numa única: «É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros». Esforçar-se por cumprir este mandato é, pois, o segredo da nossa salvação.
         A Sagrada Liturgia vai, ao longo do tempo pascal, percorrendo, entre outros, o Capítulo 15 do Evangelho escrito por São João. Percebemos que esta insistência se deve ao desejo de que gravemos bem no nosso espírito Quem é de facto Jesus Cristo e – com palavras humanas – a estrutura da Sua doutrina. Insiste, sobretudo, no amor, ou melhor, no AMOR com letra grande, porque, de facto, a Sua vinda a este mundo assumindo uma identidade humana igual a nós em tudo excepto no pecado, se deve a uma “missão” de amor que terminará no Sacrifício da Cruz como a prova maior e mais completa desse mesmo AMOR. Não podemos, nós os homens, viver sem amor e, há que primeiro amar com toda a nossa alma e todas as nossas capacidades a Deus Nosso Senhor e, depois, como bem sabemos, os outros – todos – por amor de Deus. Nunca o esqueçamos: Nós somos a prova viva do Amor de Deus!
              Nós que ouvimos a Palavra de Deus e que tentamos pô-la em prática somos, para Jesus Cristo iguais à Sua Santíssima Mãe? Assusta um pouco esta afirmação do Senhor, mas na verdade temos de reconhecer que é muito lógica. Quem primeiro pós em prática a Palavra que ouviu do Anjo? Foi Maria Santíssima donde que imitando-a merecermos tão grande honra.
     Este tempo que vivemos é o tempo do Espírito Santo. O que sabemos e intuímos é a Ele que o devemos. Presente na nossa vida diária vai concedendo na medida em que precisamos e Lhe pedimos os Dons de cujos frutos vivemos. Sem eles ficaríamos absolutamente impedidos de fazer algo bom é meritório

       





[1] São João é o único Evangelista que relata esta parábola da videira.

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