(Cfr. Lc 8, 49-56)
Dentro da casa de
Jairo, a mesma multidão de pessoas que choram, gritam e se arrepelam num
alarido ensurdecedor, impedindo a passagem.
«Mas Ele fá-los sair a todos, toma consigo o
pai e a mãe e os que trazia consigo, entra onde jazia a criança».
Agora, nesta
divisão da casa, há um silêncio que contrasta com o alarido exterior. Sobre a
janela estreita a luz do dia é coada por uma cortina. Mal se distinguem, nas
sombras as formas da jovem deitada sobre a cama.
O seu rosto
transmite uma serenidade que só a morte tranquila pode conferir. A sua
juventude é bem patente nas feições delicadas, no cabelo bem arranjado, nas
mãos firmes que agora descansam, inertes, sobre o seu peito.
A mãe e o pai
contendo os soluços deixam-se cair de
joelhos aos pés do leito, entrelaçando as mãos num gesto de amor solidário em
hora tão triste.
Os seus olhos,
húmidos das lágrimas mal contidas, procuram avidamente o olhar de Cristo que Se
debruça agora sobre a jovem.
Com um gesto de
carinho afasta do jovem rosto um caracol do cabelo que, rebelde, insistira
cobrir a jovem fronte. Jesus, também tem os olhos húmidos porque Se enternece
sobremaneira com esta figurinha frágil de jovem mulher que, agora, jaz ali, à
Sua frente, na imobilidade da morte.
Os discípulos estão
mudos, também, porque sabem por experiência, que está prestes a acontecer algo
extraordinário. Conhecem bem aquela expressão no rosto do Mestre.
A expressão de
ternura, de pena, de doce recriminação.
Lentamente, também
eles se ajoelham porque se dão conta que o momento é de profunda seriedade e
que, realmente, Deus está ali naquele quarto, câmara mortuária da jovem filha
de Jairo.
Como que suspenso
no ar, há um clima de mistério e profunda elevação.
Os raios da luz do
Sol que a cortina deixa passar, iluminam os rostos estáticos dos presentes, num
jogo de luz e sombras que tudo transformam num quadro quase irreal.
Sente-se uma tensão
que vibra no mais íntimo de cada um, fazendo sentir-se como que diminuindo cada
vez mais até se assumir num minúsculo ponto
sem entidade nem referência espacial.
É uma atmosfera tão
irreal e etérea, mas ao mesmo tempo tão concreta e palpável, que todos se
sentem confusos e expectantes, expostos e permeáveis, inseguros e confundidos.
É neste ambiente
que se dão conta que O Mestre Se inclina uma vez mais sobre o leito, que toma
delicadamente a mão da menina e, numa voz profunda e tranquila, diz
imperiosamente:
«Talitha kum!»
A voz de comando de Jesus, não admite
discussão.
«A menina pôs-se logo em pé e começou a
andar, pois tinha doze anos».
No espaço de poucos
dias, seguindo a cronologia do Evangelho de São Lucas, Jesus ressuscita dois
jovens.
Ao filho da viúva
de Naín também ordenara sem titubeios:
«Adolescens, tibi dico, surge!»
A este, refere-se
como “rapaz”, aquela como “menina”. A ambos manda que se levantem; àquele do
catafalco onde seguia cadáver, a esta da cama onde a morte a colhera.
A um e a outro foi
como se dissesse,
‘Não quero que continues
deitado como se estivesses a dormir, quero-te de pé, desperto na tua juventude
para viveres a vida que está à tua frente. Deitado dorme-se; de pé vive-se’.
(AMA, reflexões).
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