JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
A distinção entre natureza e pessoa.
Esta
distinção aparece mais clara ao considerar os indivíduos racionais ou pessoas
possuidoras de uma determinada natureza. Com efeito, comprovamos que existem
muitos sujeitos ou indivíduos diferentes (p. ex. os homens) que possuem a mesma
natureza (a condição humana).
A
distinção entre uma natureza e a própria pessoa que a possui é uma distinção
entre uma parte e o todo, entre a parte que lhe dá o modo de ser e o todo que
existe realmente: p. ex. Pedro tem realmente uma natureza humana como algo
próprio, e, além disso, possui outros elementos individuais exclusivos dele,
não comuns a outros homens; Pedro é a pessoa, o todo, e a natureza é uma parte
dele que o especifica.
b) A união absolutamente misteriosa e singular das
duas naturezas em Cristo é hipostática, na pessoa.
Já vimos
que Cristo não é um ser «só em algum sentido», com a unidade moral, extrínseca
o acidental que pode existir entre dois sujeitos ou indivíduos subsistentes, um
divino e outro humano, que formem uma comunhão de vida e de acção, como
sustentava Nestório. Mas, por outro lado, essa unidade, real e ontológica, que
afirmamos em Cristo, tampouco é segundo a natureza: não existe uma só natureza
composta pela divina e a humana, como afirmava Eutiques.
A união
das duas naturezas em Cristo é uma união
hipostática ou na pessoa. Nosso Senhor «ainda que seja Deus e homem, não
são dois Cristos, mas um só Cristo (…) um absolutamente (…) na unidade da
pessoa»[i].
O Verbo, ao assumir a natureza humana de Maria Virgem, fê-la realmente sua, e
começou a ser homem no tempo, sem deixar de ser o mesmo que era desde a
eternidade. De modo que, depois da Encarnação, o Filho de Deus subsiste em duas
naturezas: é Deus e também é homem.
Esta
união é completamente misteriosa, não
tem semelhança com nenhuma outra, e conhecemo-la unicamente pela fé. Os
exemplos que se empregaram na catequese para ilustrar este mistério são simples
analogias que servem só em parte, mas que distam dele noutros aspectos. O símil
mais utilizado pela Tradição é a união da alma e do corpo [1]: a união
de duas substâncias que formam no nosso caso uma só pessoa, e nisto serve de
exemplo para a união da divindade e humanidade em Cristo. Mas não serve como
exemplo noutros aspectos: p. ex. enquanto a alma e o corpo são duas substâncias
incompletas, e este não é o caso da divindade nem da humanidade de Cristo; nem
tampouco enquanto a união do corpo e alma se constitui uma só natureza.
c) A natureza humana de Cristo é íntegra e
perfeita, mas não é uma pessoa humana, nem é um sujeito diferente do Verbo
O Filho
de Deus assumiu uma verdadeira e perfeita natureza humana individual, composta
de corpo e alma, e é em verdadeiramente homem. Daí surgiu que alguns conceberam
a natureza humana de Cristo como um sujeito humano diferente da pessoa do
Verbo, ainda que não o chamassem «pessoa», mas só «hypóstasis».
Contra
estes, o quinto concílio ecuménico, II de Constantinopla, no ano 553 «confessou
a propósito de Cristo: ‘Não há mais que uma só hypóstasis (ou pessoa), que é
Nosso Senhor Jesus Cristo, uno da Trindade’ [2].
Portanto, tudo na humanidade de Jesus Cristo deve ser atribuído à sua pessoa
divina como seu próprio sujeito [3], não
somente os milagres mas também os sofrimentos [4] e a
própria morte: ‘O que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é
verdadeiro Deus, Senhor da glória e uno da santíssima Trindade’ [5]»[ii][6].
A natureza humana de Jesus Cristo, ainda que real,
criada, individual e concreta, não é uma hypóstasis ou uma pessoa humana, pois
não é um subsistente, não é um todo completo em si mesmo que exista
independentemente do outro, já que pertence propriamente ao Verbo que a
assumiu, e foi levada de forma inefável à união do ser pessoal do Filho de Deus
que pré-existia à união. De modo que o Filho de Deus, uno da santíssima
Trindade, é o único subsistente, sujeito ou pessoa, na sua natureza divina e na
sua natureza humana.
Afirmar
que a humanidade de Cristo não é pessoa humana não significa diminuir ou tirar
algo da verdadeira e real índole humana de Nosso Senhor, já que essa natureza á
completa e perfeita, e não lhe falta nada que seja próprio dela. E tampouco
rebaixa a condição e dignidade da sua humanidade o facto de não existir por si
mesma e não constituir uma pessoa humana, mas sim, pelo contrário, «a natureza
humana é em Cristo mais digna que em nós, porque no nosso caso ao existir por
si tem a suam própria personalidade, todavia em Cristo existe a pessoa do
Verbo»[7].
d) A pessoa de Jesus Cristo é divina, eterna e
imutável na sua Encarnação e não formada pela união das naturezas: é pessoa do
Filho de Deus
Já
sabemos que só se encarnou a segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de
Deus, como nos ensina a revelação e a fé da Igreja: as três pessoas divinas
fizeram que a natureza humana se unisse á pessoa singular do Filho de Deus [8].
A
Encarnação não supôs mudança alguma no Filho de Deus, que é imutável, como
tampouco o supôs a criação. Somente se dá a mudança na natureza humana:
inovação que consiste no facto de começar a existir elevada inefavelmente à
união pessoal com o Verbo. A pessoa divina não adquiriu nenhuma perfeição nova,
porque possui todas as perfeições da natureza humana, contidas de forma muito
mais excelente na sua natureza divina.
A fé
ensina-nos que a pessoa de Cristo é a pessoa eterna do Filho Unigénito de Deus.
E o Verbo, desde antes dos séculos, tem o seu ser pessoal por geração eterna de
Deus Pai. Portanto, a pessoa de Cristo
não é causada pela união das duas naturezas, mas sim é eterna. Cristo não
«é» ou existe pela sua natureza humana, mas sim que por ela «é homem». A pessoa
de Cristo, depois da Encarnação, subsiste sem mudança alguma nas duas
naturezas, mas não é formada por composição ou pela união de ambas.
Como
consequência, a filiação de Jesus no que respeita a seu Pai não é adoptiva como
a dos outros homens, mas si que é Filho de Deus por natureza, o Unigénito, o
próprio Filho do Pai, pois d’Ele recebeu o seu ser pessoal por geração eterna.[9]
(Tradução por AMA)
[1] Cf. Símbolo Quicumque, DS, 76: «Como a alma racional e o corpo formam um só
homem; assim, Cristo é um, sendo Deus e homem».
[9] Cf. DS, 595; 611;
619; 852. Entenderemos melhor esta verdade se tivermos presente que a filiação é uma relação de uma pessoa no
que respeita a outra que a engendrou e lhe comunicou a sua natureza específica.
Assim, a Filiação Divina adoptiva é e relação do homem que recebeu a vida
divina participada, a graça, respeitante a Deus que lha comunicou. Esta
filiação adoptiva «não é uma qualidade sobrenatural» recebida de Deus que
transforme o homem fazendo-o divino por participação, como o é a graça santificante,
mas a subsequente «relação» da pessoa
que essa vida sobrenatural respeitante a Deus.
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