Capítulo VI
AMOR
ME, EU, TU
Tal como uma semente germina e cresce até ser árvore, assim também o fim da vida intelectual e espiritual do homem é expandir-se até abranger o amor de todos os seus semelhantes.
Nesta expansão observam-se três fases:
A primeira fase, que é a da infância, caracteriza-se pelo emprego quase incessante da palavra “me”.
‘Dá-me’. ‘Não me tires’. ‘Tirou-me a minha boneca’.
Repare-se a frequência com que uma criancinha fecha o pequeno punho, símbolo físico do seu incipiente critério de identificar tudo com o seu ‘me’ em miniatura.
Depois, começa a descortinar razões e aquela infantilidade emocional vai-se diluindo, não completamente, mas até certo ponto.
A forma pronominal ’me’ transforma-se em ‘eu’, a posse material das coisas evolui para sensação de domínio mental ou intelectual, a ideia de posse transforma-se em orgulho.
Do orgulho derivam a vanglória, o egoísmo, a agressividade, o ciúme, a vaidade!
´Fui eu quem fez isto’, ‘fui eu quem inventou aquilo’, ’fui eu quem ganhou o prémio no colégio’, ‘sou eu o mais forte da minha classe’.
Os ‘eus’ sucedem-se quase ininterruptamente na boca dos rapazes, como acontece em todas as mentalidades pouco desenvolvidas.
Esse egocentrismo pode estar habilmente disfarçado, umas vezes sob a máscara do exagero aparentemente propositado, outras sob o manto de modéstia excessiva, e, até, do próprio ridículo.
‘Aprendi toda a gramática em duas semanas’.
Traduzido, porém, quer insinuar: ‘Calculem o que eu saberia de gramática se, em vez de apenas duas semanas, tivesse levado três!’.
Este egocentrismo, por vezes, chega ao ponto de magoar os outros pela sua excessiva pedantearia.
Franz Werfel, numa arguta passagem da sua autobiografia, escreve:
“Tenho visto muitas variedades de arrogância, em mim mesmo e nos outros. Porém, no meu tempo de rapaz, eu próprio dei exemplo dessas mesmas variedades, devo confessar, por experiência própria, que não existe arrogância mais irritante, mais insolente, mais cáustica, mais diabólica do que a dos “pseudo-ultra-avançados” em questões de arte e literatura, os intelectuais do radicalismo, a imparem com a vã pretensão de serem profundos, tenebrosos e subtis, e com o propósito consciente de humilhar os outros”.
A terceira fase, que é a do início da maturidade e do princípio da eliminação do egocentrismo, caracteriza-se pela evolução do ‘eu’ para o ‘tu’, isto é pelo alvorecer do sentimento, pelo amor ao próximo.
Começa-se então a descobrir que esse ‘tu’ é alguém com mérito, alguém em quem se espelha o reflexo da Divindade, alguém que é portador dos direitos inalienáveis e imprescindíveis que são o alicerce de toda a democracia verdadeira, alguém dotado de predicados e aspirações que fazem dele um filho de Deus.
O ‘próximo’ não é, necessariamente, aquele que habita na casa ao lado.
Esse vizinho de paredes meias pode ser um inimigo, sem por isso deixar de morar ali tão perto.
Não! O Vizinho é a pessoa desconhecida, imprevista e misteriosa com quem podemos cruzar-nos a cada instante, com quem podemos encontrar-nos, quer em termos amigáveis quer hostis.
O vizinho tanto pode ser alguém de quem gostamos, como alguém com quem quase embirremos, mas será sempre alguém que devemos amar, em obediência ao preceito que nos manda «amar o próximo como a nós mesmos». [1]
Ter-se-á atingido a maturidade espiritual quando tivermos aprendido a amar cada ‘tu’ com quem nos deparamos, com um amor quanto possível tão semelhante ao que dedicamos a nós próprios, perdoando-lhes quando nos ofenderem, felicitando-os quando procederam bem, desculpando-os da mesma forma com encontramos desculpa para nós mesmos.
Evidente que, para tal, não é necessário passarmos o tempo perguntando a nós mesmos se amamos o nosso próximo.
O que importa é que, chegada a ocasião, saibamos proceder consoante esse amor se impõe.
Aprendemos a andar, andando, e a nadar, nadando.
Portanto, aprendemos a mar, amando.
Se praticarmos uma boa acção a favor de alguém de quem não gostamos, sentiremos no íntimo do coração tal contentamento que até esse sentimento diminuirá.
Porém, se lhe pregarmos alguma partida traiçoeira, descobriremos que o nosso malquerer aumentou.
Fazer bem aos outros faz com que os outros nos pareçam bons e dignos de amor.
E, se o são não forem, suponhamos piamente que o são, e tanto bastará para que assim no-lo pareçam.
Fulton J. Sheen, Thoughts for dayly living, (tradução por AMA)
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