25/03/2020

Leitura espiritual

Fulton Sheen
Pensamentos para a vida diária 

Felicidade 1

Capítulo I

A felicidade consistirá na Riqueza?

A felicidade é a ambição de todo o ser humano. A busca da felicidade é uma prova da nossa imperfeição.
É, como disse Pascal: «A felicidade é o objectivo de todos os homens sem excepção sejam quais forem os meios que empreguem, todos têm em vista a mesma aspiração.»

Embora procuremos a felicidade através de outros seres humanos, a verdade é que a consideramos um bem exclusivamente nosso.

O facto de nos sentirmos felizes quando obtemos algo que desejámos, ou de nos sentirmos felizes com a privação do que ambicionámos, prova que a felicidade está ligada aos objectivos dos nossos desejos ou intentos.

Por essa razão, no fundo da actividade de cada ser humano há sempre prazer e alegria ou tristeza e dor, exactamente como no fim de toda a vida humana está o céu ou o inferno.

A felicidade consistirá na abundância das riquezas?

Há, realmente, várias vantagens em ser rico. Heródoto afirmava que a fortuna permitia ao homem satisfazer as suas paixões.

E, no entanto, as riquezas não podem constituir felicidade, porquanto representam apenas uma forma de a alcançar e não são parte essencial do nosso ser. Deus Nosso Senhor exprimiu isto mesmo quando disse: «a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens».[1]
Se colocarmos uma moeda à frente dos olhos, deixaremos de ver o Sol. A falta de bens materiais não é fatalmente a causa da infelicidade. Há mais divórcios e mais miséria íntima entre os ricos que entre os pobres: «O freio de ouro não torna melhor o cavalo».

A abundância de riquezas tem a particularidade de tornar os homens mais ambiciosos. É como disse Jefferson: «Ainda não vi que a honestidade dos homens aumentasse com a sua fortuna».
Seja qual for a riqueza que possua, o homem abastado detesta perder o que tem, exactamente como detestaria que lhe arrancassem um só cabelo, muito embora tivesse uma cabeleira abundante.
Este espírito de cobiça endurece a alma e suscitou este aviso de Deus Nosso Senhor: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu.».[2]

Há um paradoxo peculiar ao homem rico: quanto mais ambicioso for, mais pobre se sente, porque deseja sempre algo mais.
As almas consagradas, que fizeram voto de pobreza, são mais ricas que todos os ricos, pois que, não ambicionando coisa alguma, na realidade tudo possuem.

Em qualquer caso, como é louco todo aquele que faz consistir a felicidade naquilo que algum dia há-de deixar!

Se as riquezas são de facto nossas, porque é que não as levamos connosco?
As únicas coisas que levaremos connosco na hora da nossa morte serão as mesmas que conservaríamos após um naufrágio.

Shakespeare disse «Se tu és rico, és pobre, pois à semelhança do burro que leva sobre o lombo pesadas barras de ouro, também tu vergas ao peso das tuas riquezas, mas ao cabo de breve jornada, a morte despojar-te-á da carga»

No dia derradeiro, os parentes e amigos, reunidos em volta do leito de morte do homem rico, perguntam: ‘quanto deixou?’ pois onde houver um testamento há, quase sempre, litígio.
Quanto aos Anjos, esses, perguntarão: ‘que bens que trará com ele?’.

«A propriedade de um homem muito abastado produziu uma excelente colheita, e ele, preocupado, dizia para consigo: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei-de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’ Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».[3]

Capítulo II

Felicidade 2

A felicidade consistirá na glória, na fama e nas honras?


Reputação e honrarias são provas de superioridade e de importância, mas, não constituem felicidade.
Encarar honrarias como objectivo de vida é tornar a nossa felicidade dependente dos outros, quando a felicidade deve ser algo que ninguém possa arrebatar-nos.
Além disso, se as horas são o ideal da vida, então a desonra é o único pecado.

Os homens dos nossos dias não procuram a honra baseada na virtude, mas sim na reputação, que é, avaliada mais em extensão do que em profundidade.
Reputação é apenas popularidade e desvanece-se como a brisa. É preciso gozá-la enquanto sopra. Podemos compará-la a uma bola que os homens impelem enquanto rola, e deixam de o fazer quando pára.

A grandeza de uma época avalia-se pelos homens que no seu decorrer desfrutaram renome e fama.
A mocidade dos nossos tempos não corre perigo à conta do seu amor aos prazeres, mas sim pelo culto que presta aos falsos heróis.
Muitos homens afamados da nossa época serão evocados no próximo século como testemunho da inferioridade mental do século XX.

Todo o que desfrute consideração do mundo, se for de facto sincero consigo próprio, sabe que não é completamente merecedor desse conceito.
O mundo fala de nós, ora para dizer coisas demasiado boas para serem verdadeiras, ou demasiado más para que possa dar-se-lhes crédito.

Charles Lamb [4] diz, a propósito: «Há muitos que me consideram um homem bom. Quão facilmente se adquire essa fama! Sei coisas a meu respeito que fariam com que os meus amigos fugissem como de uma praga!».

São Filipe de Néri, ao ver um condenado caminhar para o cadafalso, exclamou: «Aquele poderia ser Filipe de Néri, se não fosse a graça de Deus!».

Quão instável é a felicidade baseada na consideração dos homens!
Quantos se elevam às alturas como foguetões, para se despenharem no solo como simples destroços!
O aplauso é fácil e contagioso. Basta que dois ou três comecem a bater palmas, para que a assistência em peso os imite.

É como disse Shakespeare: «A glória assemelha-se a um círculo na água, que não cessa de se alargar, mais e mais, até que, à força de se largar, acaba por se desvanecer.»[5]

O indivíduo verdadeiramente feliz não se importa realmente com aquilo que os homens possam pensar a seu respeito., pois que a verdadeira glória reside no julgamento de Deus e não do julgamento dos homens.

São Paulo disse: «Pouco importa ser julgado pelo tribunal dos homens».[6]

As reputações mais duradouras são aquelas que se firmam após a morte, quando o falso brilho dos ouropéis da vanglória se extinguiu.
A glória Lincoln foi póstuma.
A glória de Cristo veio a pós a Sua crucifixão.

É d’Ele que nos vem este aviso: «Ai daquele de quem todos os homens dizem bem!»[7].

As palavras mais veementes que saíram dos lábios divinos foram aquelas que Jesus pronunciou contra os conquistadores da popularidade, que procuravam a todo o custo ver o seu nome apregoado nas praças públicas, tal como os seus semelhantes dos nossos dias o querem ver impresso nos jornais.

«Tudo quanto fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. É com essa intenção que exibem sentimentos religiosos, cobiçam os lugares de honra nos banquetes e nas sinagogas e as saudações na praça pública»[8].

Fulton J. Sheen, Thoughts for dayly living, (tradução por AMA)


Nota: Todas as notas de rodapé são da responsabilidade de AMA
[1] Cfr. Lc 12, 13-21
[2] Cfr. Mt 19, 24
[3] Cfr. Lc 12, 13-21
[4] Charles Lamb foi um escritor e literato inglês, mais conhecido por seu Essays of Elia e o livro infantil Contos de Shakespeare, que ele produziu com sua irmã, Mary Lamb.
[5] Henrique VI – Parte 1 - Acto I – Cena II: Joana
[6] 1 Cor. Iv, 3.
[7] Cfr. Mt 23, 5 e ss.
[8] Ibid

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