Mesmo
o pecado mortal, que converte a alma num repugnante cadáver da Graça, é menos
perigoso do que o desalento que acaba por minar a alegria do recomeçar
constante nos nossos passos da vida interior.
O
pecado para os filhos de Deus, para as almas que habitualmente vivem em graça,
é um passo em falso, uma queda que as faz levantar com presteza para continuar
o caminho da santidade. Pelo contrário, o desalento é um inimigo formidável,
que paralisa toda a vibração.
É
característico dos espíritos velhos, desses homens «experientes», que em nada
vêm o remédio, nem para a sua vida, nem para a do mundo. Temperamentos
adocicados e brandos, que necessitam de uma mão férrea que os empurre na
ascensão da vida.
Começaram-na
porventura com brio; mas uma queda, e outra, e outra...apagaram a luz que os
guiava. Na sua vida, só contam experiências negativas, impotência,
esterilidade, pequenos fracassos, tentações, descorçoamento. Em tudo vêm
impossíveis.
Falta-Lhes
a visão cristã da vida: a fé e o sacrifício; e, por isso, todo o trabalho
heróico se lhes torna impossível de realizar.
O
desalento introduz-se na vida interior quando as almas, levadas ao começo pela
consolação do sentimentalismo, sentem que se apaga a chama da devoção sensível
sem falsas apreciações, erros funestos da inteligência o que impede progresso
interior. A suavidade de que se cercava a presença de Deus nos começos -
pequenos presentes que Deus faz a quem Lhe apraz e porque Lhe apraz, e que nada
revelam acerca do progresso de uma alma - dever tornar-se uma «presença» de
vontade, que pede esforços e estratagemas humanos para se ter Cristo diante dos
olhos.
E
não sabem fazer isso por erro de formação.
Abomina
tu essas devoçõezinhas sentimentalóides, pela falsidade que encerram. Doutro
modo, expões-te a avançar muito lentamente nessa vida cristã, viril, que deves percorrer
a ritmo acelerado. Olha que na vida interior não é possível estagnar: ou se
avança ou se retrocede o Amor não admite equilíbrios.
Não
podes cansar-te! O desalento da tua alma deve-se a que manténs na tua vida
interior a mesma frivolidade que te consome nas obras humanas. Não andes só à
superfície; penetra, aprofunda na tua alma com a oração e com o sacrifício, e
esquece os sentimentalismos.
Toda
a noite se tinham afadigado os companheiros de Pedro, tentando pescar nas águas
de Genesaré, e nada tinham conseguido. Mas logo que chegam a terra, antes de
serem vencidos pelo cansaço e pelo desânimo, começam a lavar e a remendar
aquelas redes vazias, preparando a pesca da noite seguinte. Assim são os homens
da Esperança.
Remam
com esforço contra a corrente, bendizendo a Deus quando o Céu os favorece, e
sem se desalentarem quando se encapelam as ondas do mar.
Que
pena ver tantas almas generosas com sede e nostalgia das alturas, mas
descoroçoadas e abatidas pelo desalento!
Nessas
inteligências falta um valor divino que nas coisas humanas é absolutamente
necessário: a vida de fé, uma fé sacrificada.
Se
falta a fé, em quem poderemos confiar?
Vive
a virtude da firmeza, que é a seiva e a vitalidade de todos os teus actos, e
curar-se-á a anemia do teu espírito.
Arranca
da terra a tua alma - com confiança na bondade divina - esse espantalho, esse
fantasma que te assusta e te detém, esse desalento pessimista que te faz levar
uma vida de animal burguês.
Com
insistência sussurra ele aos teus ouvidos: não vês que não podes? Que isso não
é para ti? Não ouves falar de santidade e de heroísmo? De ambição e de guerras?
Sê
viril na tua reacção. Olha para Cristo e escuta João e Tiago: «Possumus!» E
pela primeira vez, sentirás que em ti reverdeje outra virtude luminosa: a
juventude.
(JESUS URTEAGA, O Valor Divino do
Humano, Éfeso, 1ª ed., Lisboa 1988, nr. 126)
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