Amigos
de Deus
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Uma
das suas primeiras manifestações concretiza-se em iniciar a alma nos caminhos
da humildade.
Quando
sinceramente nos consideramos nada; quando compreendemos que, se não
tivéssemos o auxílio divino, a mais débil e fraca das criaturas seria melhor do
que nós; quando nos vemos capazes de todos os erros e de todos os horrores;
quando nos reconhecemos pecadores, embora lutemos com empenho por nos
afastarmos de tantas infidelidades, como havemos de pensar mal dos outros?
Como
se poderá alimentar no coração o fanatismo, a intolerância, o orgulho?
A
humildade leva-nos pela mão a tratar o próximo da melhor forma: compreender a
todos, conviver com todos, desculpar a todos; não criar divisões nem barreiras;
comportarmo-nos - sempre! - como instrumentos de unidade.
Não
é em vão que existe no fundo do homem uma forte aspiração à paz, à união com os
seus semelhantes e ao respeito mútuo pelos direitos da pessoa, de modo que tal
aspiração se transforme em fraternidade.
Isto
reflecte uma nota característica do que há de mais valioso na condição humana:
se todos somos filhos de Deus, a fraternidade nem se reduz a uma figura de
retórica, nem consiste num ideal ilusório, pois surge como meta difícil, mas
real.
Perante
os cínicos, os cépticos, os insensíveis, os que fizeram da sua cobardia um modo
de pensar, nós, os cristãos, havemos de demonstrar que esse carinho é possível.
Existem
talvez muitas dificuldades para nos comportarmos deste modo, pois o homem foi
criado livre e tem a possibilidade de se levantar inútil e amargamente contra
Deus; mas esse caminho é possível e é real, porque tal conduta nasce
necessariamente como consequência do amor de Deus e do amor a Deus.
Se
tu e eu quisermos, Jesus Cristo também o quer.
Então
compreenderemos, em toda a sua profundidade e com toda a sua fecundidade, a
dor, o sacrifício, a entrega desinteressada na convivência diária com os
outros.
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O exercício da caridade
Pecaria
por ingenuidade quem imaginasse que as exigências da caridade cristã se
cumprem facilmente.
É
bem diferente o que nos diz a experiência, quer no âmbito das ocupações
habituais dos homens, quer, por desgraça, no âmbito da Igreja.
Se
o amor não nos obrigasse a calar, cada um de nós teria muito que contar de
divisões, de ataques, de injustiças, de murmurações e de insídias.
Temos
de o admitir com simplicidade, para tratar de aplicar, pela parte que nos
corresponde, o remédio oportuno, que se há-de traduzir num esforço pessoal por
não ferir, por não maltratar, por corrigir sem deixar ninguém esmagado.
Não
são problemas de hoje.
Poucos
anos depois da Ascensão de Cristo aos céus, quando ainda andavam de um lugar
para outro todos os Apóstolos e era geral um admirável fervor de fé e de
esperança, já muitos, no entanto, começavam a desencaminhar-se e a não viver a
caridade do Mestre.
Havendo
entre vós rivalidades e discórdias - escreve S. Paulo aos de Corinto - não é
notório que sois carnais e procedeis como homens? Porque, quando um diz: eu sou
de Paulo, e outro: eu sou de Apolo, não estais a mostrar que ainda sois homens
carnais que não compreendem que Cristo veio para superar todas essas divisões?
Quem
é Apolo?
Quem
é Paulo?
Ministros
daquele em quem vós crestes e isso segundo a medida que o Senhor concedeu a
cada um.
O
Apóstolo não rejeita a diversidade: cada um tem de Deus o seu próprio dom; um
de um modo e outro de outro.
Mas
essas diferenças têm de estar ao serviço do bem da Igreja.
Sinto-me
inclinado agora a pedir ao Senhor - se quiserdes unir-vos a esta minha oração -
que não permita que na sua Igreja a falta de amor semeie joio nas almas.
A
caridade é o sal do apostolado dos cristãos; se perde o sabor, como poderemos
apresentar-nos ao mundo e explicar, de cabeça erguida, que aqui está Cristo?
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Portanto,
repito-vos com S. Paulo: ainda que eu falasse as línguas dos homens e a
linguagem dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que ressoa ou
como o címbalo que tine.
E
ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e
possuísse toda a ciência, e tivesse toda a fé, de modo a mover montanhas, se
não tiver caridade, não sou nada.
E
ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres e entregasse
o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, nada me aproveita .
Perante
estas palavras do Apóstolo dos gentios, não faltam os que se assemelham àqueles
discípulos de Cristo, que, ao anunciar-lhes Nosso Senhor o Sacramento da sua
Carne e do seu Sangue, comentaram:
-
É dura esta doutrina; quem a pode escutar?
É dura, sim. Porque a caridade que o Apóstolo
descreve não se limita à filantropia, ao humanitarismo ou à natural comiseração
pelo sofrimento alheio; exige a prática da virtude teologal do amor a Deus e do
amor, por Deus, aos outros.
Por
isso, a caridade nunca deixará de existir, ao passo que as profecias
terminarão, as línguas cessarão e a ciência acabará...
Agora
permanecem estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade; mas, das três,
a caridade é a mais excelente.
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O único caminho
Já
nos convencemos de que a caridade nada tem a ver com essa caricatura que às
vezes se tem pretendido traçar da virtude central da vida cristã.
Mas
perguntamos agora: porque se exige pregá-la constantemente? Será uma espécie de
tema obrigatório, mas com poucas possibilidades de se manifestar em factos
concretos?
Olhando
à nossa volta, talvez descobríssemos razões para pensar que a caridade é
realmente uma virtude ilusória.
Mas
considerando as coisas com sentido sobrenatural, descobrirás também a raiz
dessa esterilidade, que se cifra numa ausência de convívio intenso e contínuo,
de tu a tu, com Nosso Senhor Jesus Cristo, e no desconhecimento da acção do
Espírito Santo na alma, cujo primeiro fruto é precisamente a caridade.
Recolhendo
um conselho do Apóstolo - levai uns as cargas dos outros e assim cumprireis a
lei de Cristo - acrescenta um Padre da Igreja: amando a Cristo, suportaremos
facilmente a fraqueza dos outros, mesmo a daquele a quem ainda não amamos,
porque não tem boas obras.
Por
aí se eleva o caminho que nos faz crescer na caridade.
Enganar-nos-íamos
se imaginássemos que primeiro temos de nos exercitar em actividades
humanitárias, em trabalhos de assistência, excluindo o amor do Senhor.
Não
descuidemos Cristo por causa do próximo que está enfermo, uma vez que devemos
amar o enfermo por causa de Cristo.
Olhai
constantemente para Jesus, que, sem deixar de ser Deus, se humilhou tomando a
forma de servo para nos poder servir, porque só nessa mesma direcção se abrem
os afãs por que vale a pena lutar.
O
amor procura a união, a identificação com a pessoa amada; e, ao unirmo-nos com
Cristo, atrair-nos-á a ânsia de secundar a sua vida de entrega, de amor sem
medida, de sacrifício até à morte.
Cristo
coloca-nos perante o dilema definitivo: ou consumirmos a existência de uma
forma egoísta e solitária ou dedicarmo-nos com todas as forças a uma tarefa de
serviço.
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Vamos
pedir agora ao Senhor, para terminar este tempo de conversa com Ele, que nos
conceda poder repetir com S. Paulo que triunfamos por virtude daquele que nos
amou.
Pelo
qual estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem o
que há de mais alto, nem de mais profundo, nem qualquer outra criatura poderá
jamais separar-nos do amor de Deus que está em Jesus Cristo Nosso Senhor.
Este
amor também a Escritura o canta com palavras inflamadas: as águas copiosas não
puderam extinguir a caridade, nem os rios afogá-la.
Este
amor encheu sempre o Coração de Santa Maria, ao ponto de enriquecê-la com
entranhas de Mãe para toda a humanidade.
Em
Nossa Senhora o amor a Deus confunde-se com a solicitude por todos os seus
filhos.
O
seu Coração dulcíssimo teve de sofrer muito, atento aos mínimos pormenores -
não têm vinho - ao presenciar aquela crueldade colectiva, aquele encarniçamento
dos verdugos, que foi a Paixão e Morte de Jesus.
Mas
Maria não fala.
Como
o seu Filho, ama, cala e perdoa. Essa é a força do amor.
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Sempre
que sentimos no nosso coração desejos de melhorar, de responder mais
generosamente ao Senhor, e procuramos um guia, um norte claro para a nossa
existência cristã, o Espírito Santo traz à nossa memória as palavras do
Evangelho: importa orar sempre e não cessar de o fazer.
A
oração é o fundamento de todo o trabalho sobrenatural; com a oração somos
omnipotentes; se prescindíssemos deste recurso, nada conseguiríamos.
Eu
gostaria que hoje, na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da
necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas no meio do mundo e do
trabalho, com uma conversa contínua com o nosso Deus, a qual não deve esmorecer
ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, este é o
único caminho.
(cont)
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