Capítulo II
JESUS CRISTO SEMPRE JOVEM
A sua juventude
ilumina-nos
30.
Estes aspectos da vida de Jesus podem servir de inspiração a todo o jovem que
cresce e se prepara para cumprir a sua missão. Isto implica amadurecer na
relação com o Pai, na consciência de ser um dos membros da família e da aldeia,
e na disponibilidade para ser cumulado do Espírito e guiado no cumprimento da
missão que Deus lhe confia, a sua vocação. Nada disto deveria ser ignorado na
pastoral juvenil, para não criar projectos que isolem os jovens da família e do
mundo, ou que os transformem numa minoria selecta e preservada de todo o
contágio. Precisamos, sim, de projectos que os fortaleçam, acompanhem e lancem
para o encontro com os outros, o serviço generoso, a missão.
31.
Não é de longe nem de fora que Jesus vos ilumina, a vós jovens, mas a partir da
própria juventude que partilha convosco. É muito importante contemplar o Jesus
jovem que os Evangelhos nos mostram, porque foi verdadeiramente um de vós e,
n’Ele, é possível reconhecer muitos traços dos corações jovens. Vemo-lo, por
exemplo, nas seguintes características: «Jesus teve uma confiança incondicional
no Pai, cuidou da amizade com os seus discípulos e, até nos momentos de crise,
permaneceu fiel a eles. Manifestou uma profunda compaixão pelos mais fracos,
especialmente os pobres, os doentes, os pecadores e os excluídos. Teve a
coragem de enfrentar as autoridades religiosas e políticas do seu tempo; viveu
a experiência de Se sentir incompreendido e descartado; experimentou o medo do
sofrimento e conheceu a fragilidade da Paixão; dirigiu o seu olhar para o
futuro, colocando-Se nas mãos seguras do Pai e confiando na força do Espírito.
Em Jesus, todos os jovens se podem rever»[1].
32.
Por outro lado, Jesus ressuscitou e quer fazer-nos participantes da novidade da
sua ressurreição. Ele é a verdadeira juventude dum mundo envelhecido, e é
também a juventude dum universo que espera, entre «dores de parto» (Rm 8,
22), ser revestido com a sua luz e com a sua vida. Junto d’Ele, podemos beber
da verdadeira fonte que mantém vivos os nossos sonhos, projectos e grandes
ideais, lançando-nos no anúncio da vida que vale a pena viver. Em dois detalhes
interessantes do Evangelho de Marcos, podemos notar a chamada à verdadeira
juventude dos ressuscitados: na paixão do Senhor, aparece um jovem medroso que
procurava seguir Jesus, mas fugiu nu (cf. 14, 51-52), um jovem que não teve a
força de arriscar tudo para seguir o Senhor; enquanto, junto do túmulo vazio,
vemos um jovem «vestido com uma túnica branca» (16, 5), que convidava a vencer
o medo e anunciava a alegria da ressurreição (cf. 16, 6-7).
33.
O Senhor chama-nos a acender estrelas na noite de outros jovens; convida-nos a
olhar os verdadeiros astros, ou seja, aqueles sinais tão variados que Ele nos
dá para não ficarmos parados, mas imitarmos o semeador que observava as
estrelas para poder lavrar o campo. Deus acende estrelas para nós, a fim de
podermos continuar a caminhar: «Às estrelas que brilham alegremente nos seus
postos, Ele chama-as e elas respondem» (Br 3, 34-35). Mas o próprio
Cristo é, para nós, a grande luz de esperança e guia na nossa noite, pois Ele é
«a brilhante estrela da manhã» (Ap 22, 16).
A juventude da
Igreja
34.
Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração. Assim, uma
instituição antiga como é a Igreja pode renovar-se e voltar a ser jovem em cada
uma das várias fases da sua longa história. Com efeito, nos seus momentos mais
dramáticos, sente a chamada a retornar ao essencial do primeiro amor. Ao
recordar esta verdade, o Concílio Vaticano II afirmava que, «rica de um longo
passado sempre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os
destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do mundo».
Nela, é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o amigo dos jovens»[2].
Uma Igreja que se
deixa renovar
35.
Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la,
ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre de
outra tentação: acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe
oferece, acreditar que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se
com os outros.
Não!
É jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de
Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em cada
dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua fonte.
36.
Certamente nós, membros da Igreja, não precisamos parecer sujeitos estranhos.
Todos nos devem sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que «tinham a
simpatia de todo o povo» (At 2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13).
Ao
mesmo tempo, porém, devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros
sonhos que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do
serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação,
da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade
social.
37.
A Igreja de Cristo pode sempre cair na tentação de perder o entusiasmo, porque
deixa de escutar o apelo do Senhor ao risco da fé, a dar tudo sem medir os
perigos, e volta a procurar falsas seguranças mundanas. São precisamente os
jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar,
não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal,
estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar
com humildade. Os jovens podem conferir à Igreja a beleza da juventude, quando
estimulam a capacidade «de se alegrar com o que começa, de se dar sem nada
exigir, de se renovar e de partir para novas conquistas»[3].
38.
Quantos de nós já não são jovens precisam de ocasiões em que tenham próxima a
voz e o estímulo dos jovens, e «a proximidade cria as condições para que a Igreja
seja espaço de diálogo e testemunho de fraternidade que fascina»[4].
Precisamos
criar mais espaços onde ressoe a voz dos jovens: «A escuta torna possível um
intercâmbio de dons, num contexto de empatia. (…) Ao mesmo tempo, estabelece as
condições para um anúncio do Evangelho que alcance verdadeiramente, de modo
incisivo e fecundo, o coração»[5].
Uma Igreja atenta
aos sinais dos tempos
39.
«Enquanto Deus, a religião e a Igreja não passam de palavras vazias para
numerosos jovens, os mesmos mostram-se sensíveis à figura de Jesus, quando ela
é apresentada de modo atraente e eficaz»[6].
Por
isso é necessário que a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si mesma,
mas procure sobretudo reflectir Jesus Cristo. Isto implica reconhecer
humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para isso, precisa
recolher também a visão e mesmo as críticas dos jovens.
40.
No Sínodo, reconheceu-se que «um número consistente de jovens, pelos motivos
mais variados, nada pede à Igreja, porque não a consideram significativa para a
sua existência. Aliás, alguns pedem-lhe expressamente para ser deixados em paz,
uma vez que sentem a sua presença como importuna e até mesmo irritante. Muitas
vezes este pedido não nasce dum desprezo acrítico e impulsivo, mas mergulha as raízes
mesmo em razões sérias e respeitáveis: os escândalos sexuais e económicos; a
falta de preparação dos ministros ordenados, que não sabem reconhecer de
maneira adequada a sensibilidade dos jovens; pouco cuidado na preparação da
homilia e na apresentação da Palavra de Deus; o papel passivo atribuído aos
jovens no seio da comunidade cristã; a dificuldade da Igreja de dar razão das
suas posições doutrinais e éticas perante a sociedade actual»[7].
41.
Embora haja jovens a quem agrada ver uma Igreja que se manifesta humildemente
segura dos seus dons e também capaz de exercer uma crítica leal e fraterna,
outros jovens reclamam uma Igreja que escute mais, que não passe o tempo a
condenar o mundo. Não querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco
desejam que esteja sempre em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam.
Para ser credível aos olhos dos jovens, precisa às vezes de recuperar a
humildade e simplesmente ouvir, reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz
que a pode ajudar a descobrir melhor o Evangelho. Uma Igreja na defensiva, que
perde a humildade, que deixa de escutar, que não permite ser questionada, perde
a juventude e transforma-se num museu. Como poderá uma Igreja assim receber os
sonhos dos jovens? Embora possua a verdade do Evangelho, isto não significa que
a tenha compreendido plenamente; antes, deve crescer sempre na compreensão
deste tesouro inesgotável[8].
42.
Por exemplo, uma Igreja demasiado temerosa e estruturada pode ser
constantemente crítica de todos os discursos sobre a defesa dos direitos das
mulheres, e apontar constantemente os riscos e os possíveis erros dessas
reclamações. Ao passo que uma Igreja viva pode reagir prestando atenção às
legítimas reivindicações das mulheres, que pedem maior justiça e igualdade;
pode repassar a história e reconhecer uma longa trama de autoritarismo por
parte dos homens, de sujeição, de várias formas de escravidão, abusos e
violência machista. Com este olhar, poderá fazer suas aquelas reclamações de
direitos e dará, convictamente, a sua contribuição para uma maior reciprocidade
entre homens e mulheres, embora não concorde com tudo o que propõem alguns
grupos feministas. Nesta linha, o Sínodo quis renovar o empenho da Igreja
«contra toda a discriminação e violência com base no sexo»[9].
Esta
é a reacção duma Igreja que se mantém jovem e se deixa interpelar e estimular
pela sensibilidade dos jovens.
Franciscus
Revisão
da versão portuguesa por AMA
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