08/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens

Capítulo II

JESUS CRISTO SEMPRE JOVEM

A sua juventude ilumina-nos

30. Estes aspectos da vida de Jesus podem servir de inspiração a todo o jovem que cresce e se prepara para cumprir a sua missão. Isto implica amadurecer na relação com o Pai, na consciência de ser um dos membros da família e da aldeia, e na disponibilidade para ser cumulado do Espírito e guiado no cumprimento da missão que Deus lhe confia, a sua vocação. Nada disto deveria ser ignorado na pastoral juvenil, para não criar projectos que isolem os jovens da família e do mundo, ou que os transformem numa minoria selecta e preservada de todo o contágio. Precisamos, sim, de projectos que os fortaleçam, acompanhem e lancem para o encontro com os outros, o serviço generoso, a missão.

31. Não é de longe nem de fora que Jesus vos ilumina, a vós jovens, mas a partir da própria juventude que partilha convosco. É muito importante contemplar o Jesus jovem que os Evangelhos nos mostram, porque foi verdadeiramente um de vós e, n’Ele, é possível reconhecer muitos traços dos corações jovens. Vemo-lo, por exemplo, nas seguintes características: «Jesus teve uma confiança incondicional no Pai, cuidou da amizade com os seus discípulos e, até nos momentos de crise, permaneceu fiel a eles. Manifestou uma profunda compaixão pelos mais fracos, especialmente os pobres, os doentes, os pecadores e os excluídos. Teve a coragem de enfrentar as autoridades religiosas e políticas do seu tempo; viveu a experiência de Se sentir incompreendido e descartado; experimentou o medo do sofrimento e conheceu a fragilidade da Paixão; dirigiu o seu olhar para o futuro, colocando-Se nas mãos seguras do Pai e confiando na força do Espírito. Em Jesus, todos os jovens se podem rever»[1].

32. Por outro lado, Jesus ressuscitou e quer fazer-nos participantes da novidade da sua ressurreição. Ele é a verdadeira juventude dum mundo envelhecido, e é também a juventude dum universo que espera, entre «dores de parto» (Rm 8, 22), ser revestido com a sua luz e com a sua vida. Junto d’Ele, podemos beber da verdadeira fonte que mantém vivos os nossos sonhos, projectos e grandes ideais, lançando-nos no anúncio da vida que vale a pena viver. Em dois detalhes interessantes do Evangelho de Marcos, podemos notar a chamada à verdadeira juventude dos ressuscitados: na paixão do Senhor, aparece um jovem medroso que procurava seguir Jesus, mas fugiu nu (cf. 14, 51-52), um jovem que não teve a força de arriscar tudo para seguir o Senhor; enquanto, junto do túmulo vazio, vemos um jovem «vestido com uma túnica branca» (16, 5), que convidava a vencer o medo e anunciava a alegria da ressurreição (cf. 16, 6-7).

33. O Senhor chama-nos a acender estrelas na noite de outros jovens; convida-nos a olhar os verdadeiros astros, ou seja, aqueles sinais tão variados que Ele nos dá para não ficarmos parados, mas imitarmos o semeador que observava as estrelas para poder lavrar o campo. Deus acende estrelas para nós, a fim de podermos continuar a caminhar: «Às estrelas que brilham alegremente nos seus postos, Ele chama-as e elas respondem» (Br 3, 34-35). Mas o próprio Cristo é, para nós, a grande luz de esperança e guia na nossa noite, pois Ele é «a brilhante estrela da manhã» (Ap 22, 16).

A juventude da Igreja

34. Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração. Assim, uma instituição antiga como é a Igreja pode renovar-se e voltar a ser jovem em cada uma das várias fases da sua longa história. Com efeito, nos seus momentos mais dramáticos, sente a chamada a retornar ao essencial do primeiro amor. Ao recordar esta verdade, o Concílio Vaticano II afirmava que, «rica de um longo passado sempre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do mundo». Nela, é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o amigo dos jovens»[2].

Uma Igreja que se deixa renovar

35. Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre de outra tentação: acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros.
Não! É jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em cada dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua fonte.

36. Certamente nós, membros da Igreja, não precisamos parecer sujeitos estranhos. Todos nos devem sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que «tinham a simpatia de todo o povo» (At 2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13).
Ao mesmo tempo, porém, devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social.

37. A Igreja de Cristo pode sempre cair na tentação de perder o entusiasmo, porque deixa de escutar o apelo do Senhor ao risco da fé, a dar tudo sem medir os perigos, e volta a procurar falsas seguranças mundanas. São precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar com humildade. Os jovens podem conferir à Igreja a beleza da juventude, quando estimulam a capacidade «de se alegrar com o que começa, de se dar sem nada exigir, de se renovar e de partir para novas conquistas»[3].

38. Quantos de nós já não são jovens precisam de ocasiões em que tenham próxima a voz e o estímulo dos jovens, e «a proximidade cria as condições para que a Igreja seja espaço de diálogo e testemunho de fraternidade que fascina»[4].

Precisamos criar mais espaços onde ressoe a voz dos jovens: «A escuta torna possível um intercâmbio de dons, num contexto de empatia. (…) Ao mesmo tempo, estabelece as condições para um anúncio do Evangelho que alcance verdadeiramente, de modo incisivo e fecundo, o coração»[5].

Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos

39. «Enquanto Deus, a religião e a Igreja não passam de palavras vazias para numerosos jovens, os mesmos mostram-se sensíveis à figura de Jesus, quando ela é apresentada de modo atraente e eficaz»[6].

Por isso é necessário que a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si mesma, mas procure sobretudo reflectir Jesus Cristo. Isto implica reconhecer humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para isso, precisa recolher também a visão e mesmo as críticas dos jovens.

40. No Sínodo, reconheceu-se que «um número consistente de jovens, pelos motivos mais variados, nada pede à Igreja, porque não a consideram significativa para a sua existência. Aliás, alguns pedem-lhe expressamente para ser deixados em paz, uma vez que sentem a sua presença como importuna e até mesmo irritante. Muitas vezes este pedido não nasce dum desprezo acrítico e impulsivo, mas mergulha as raízes mesmo em razões sérias e respeitáveis: os escândalos sexuais e económicos; a falta de preparação dos ministros ordenados, que não sabem reconhecer de maneira adequada a sensibilidade dos jovens; pouco cuidado na preparação da homilia e na apresentação da Palavra de Deus; o papel passivo atribuído aos jovens no seio da comunidade cristã; a dificuldade da Igreja de dar razão das suas posições doutrinais e éticas perante a sociedade actual»[7].

41. Embora haja jovens a quem agrada ver uma Igreja que se manifesta humildemente segura dos seus dons e também capaz de exercer uma crítica leal e fraterna, outros jovens reclamam uma Igreja que escute mais, que não passe o tempo a condenar o mundo. Não querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco desejam que esteja sempre em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam. Para ser credível aos olhos dos jovens, precisa às vezes de recuperar a humildade e simplesmente ouvir, reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz que a pode ajudar a descobrir melhor o Evangelho. Uma Igreja na defensiva, que perde a humildade, que deixa de escutar, que não permite ser questionada, perde a juventude e transforma-se num museu. Como poderá uma Igreja assim receber os sonhos dos jovens? Embora possua a verdade do Evangelho, isto não significa que a tenha compreendido plenamente; antes, deve crescer sempre na compreensão deste tesouro inesgotável[8].

42. Por exemplo, uma Igreja demasiado temerosa e estruturada pode ser constantemente crítica de todos os discursos sobre a defesa dos direitos das mulheres, e apontar constantemente os riscos e os possíveis erros dessas reclamações. Ao passo que uma Igreja viva pode reagir prestando atenção às legítimas reivindicações das mulheres, que pedem maior justiça e igualdade; pode repassar a história e reconhecer uma longa trama de autoritarismo por parte dos homens, de sujeição, de várias formas de escravidão, abusos e violência machista. Com este olhar, poderá fazer suas aquelas reclamações de direitos e dará, convictamente, a sua contribuição para uma maior reciprocidade entre homens e mulheres, embora não concorde com tudo o que propõem alguns grupos feministas. Nesta linha, o Sínodo quis renovar o empenho da Igreja «contra toda a discriminação e violência com base no sexo»[9].

Esta é a reacção duma Igreja que se mantém jovem e se deixa interpelar e estimular pela sensibilidade dos jovens.

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA



[1] DF 63.
[2] Mensagem à humanidade: aos jovens (8 de Dezembro de 1965): AAS 58 (1966), 18.
[3] Ibidemo. c., 18.
[4] DF 1.
[5] Ibid., 8.
[6] Ibid.,50.
[7] Ibid., 53.
[8] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 8.
[9] DF 150.

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