Capítulo VII
A PASTORAL DOS JOVENS
Diferentes áreas de
desenvolvimento pastoral
224.
Muitos jovens são capazes de aprender a amar o silêncio e a intimidade com
Deus.
Aumentou
também o número dos grupos que se reúnem para adorar o Santíssimo Sacramento e
rezar com a Palavra de Deus.
Não
se subestimem os jovens como se fossem incapazes de abrir-se a propostas
contemplativas; basta encontrar os estilos e modalidades adequados para os
ajudar a entrar nesta experiência de tão alto valor.
É
importante valorizar os momentos mais fortes do Ano Litúrgico, particularmente
a Semana Santa, Pentecostes e o Natal.
Prezam
muito também outros encontros de festa, que quebram a rotina e ajudam a experimentar
a alegria da fé.
225.
Uma oportunidade privilegiada para o crescimento e para a abertura ao dom
divino da fé e da caridade é o serviço: muitos jovens sentem-se atraídos pela
possibilidade de ajudar os outros, especialmente as crianças e os pobres.
Frequentemente,
este serviço é o primeiro passo para descobrir ou redescobrir a vida cristã e
eclesial.
Muitos
jovens cansam-se dos nossos programas de formação doutrinal, e mesmo
espiritual, e às vezes reclamam a possibilidade de ser mais protagonistas em
actividades que façam algo pelas pessoas.
226.
Não podemos esquecer as expressões artísticas, como o teatro, a pintura e
outras.
«De
importância muito peculiar se reveste a música, que representa um verdadeiro e
próprio ambiente onde os jovens estão constantemente imersos, bem como uma
cultura e uma linguagem capazes de suscitar emoções e moldar a identidade.
A
linguagem musical constitui também um recurso pastoral, que interpela de modo
particular a liturgia e a sua renovação»[2].
O
canto pode ser um grande estímulo no percurso dos jovens.
Dizia
Santo Agostinho:
«Canta, mas caminha; cantando, alivia a
fadiga, mas não te dês à preguiça; canta e caminha. (...) Tu, se progrides,
caminhas. Mas progride no bem, progride na verdadeira fé, progride na vida
santa. Canta e caminha»[3].
227.
«Igualmente significativa é a relevância que assume entre os jovens a prática
desportiva, cujas potencialidades em chave educacional e formativa a Igreja não
deve subestimar, mantendo uma presença sólida dentro dela.
O
mundo do desporto precisa de ser ajudado a superar as ambiguidades que o
permeiam, como a mitificação dos campeões, a submissão a lógicas comerciais e a
ideologia do sucesso a todo o custo»[4].
Na
base da experiência desportiva, «está a alegria: a felicidade de se mover, a
alegria de estar juntos, o júbilo pela vida e pelas dádivas que o Criador
concede todos os dias»[5].
Aliás
houve Padres da Igreja que tomaram o exemplo das práticas desportivas para
convidar os jovens a crescer na fortaleza e dominar o torpor ou a comodidade;
assim São Basílio Magno, dirigindo-se aos jovens, tomava o exemplo do esforço
que requer o desporto e assim inculcava neles a capacidade de se sacrificarem
para crescer nas virtudes:
«Depois
de se terem imposto milhares e milhares de sacrifícios para aumentar por todos
os meios a sua força física, suando nos fatigantes exercícios de ginástica
(...) e - para não me alongar nas minhas palavras - levando uma existência tal
que a sua vida antes da competição é apenas uma preparação para a mesma, (...)
lançam mão de todos os seus recursos físicos e psíquicos simplesmente para
ganhar uma coroa. (…) E nós, que aguardamos na outra vida prémios tão maravilhosos
que nenhuma língua pode descrever dignamente, pensamos porventura alcançá-los
transcorrendo a vida por entre comodidades e na acídia?»[6]
228.
Em muitos adolescentes e jovens, desperta especial atracção o contacto com a
criação, sendo sensíveis à salvaguarda do meio ambiente, como no caso dos
escoteiros e outros grupos que organizam dias de contacto com a natureza,
acampamentos, caminhadas, expedições e campanhas ambientais.
No
espírito de São Francisco de Assis, são experiências que podem traçar um
caminho para se introduzir na escola da fraternidade universal e na oração
contemplativa.
229.
Estas e outras distintas possibilidades que se abrem à evangelização dos jovens
não devem fazer-nos esquecer que, para além das mudanças na história e da
sensibilidade dos jovens, há dons de Deus que são sempre actuais e contêm uma
força que transcende todos os tempos e circunstâncias: a Palavra do Senhor
sempre viva e eficaz, a presença de Cristo na Eucaristia que nos alimenta e o
Sacramento do Perdão que nos liberta e fortalece.
Podemos
também mencionar a inesgotável riqueza espiritual que a Igreja conserva no
testemunho dos seus Santos e no ensinamento dos grandes mestres espirituais.
Embora tenhamos de respeitar as várias etapas e precisemos por vezes esperar
com paciência o momento certo, não podemos deixar de convidar os jovens para
estas fontes de vida nova; não temos o direito de os privar de tanto bem.
Uma pastoral
juvenil popular
230.
Além da habitual acção pastoral que realizam as paróquias e os movimentos,
segundo determinados esquemas, é muito importante dar espaço a uma «pastoral
juvenil popular», que tem estilo, tempos, ritmo e metodologia diferentes.
É
uma pastoral mais ampla e flexível que estimula, nos distintos lugares onde se
movem concretamente os jovens, as lideranças naturais e os carismas que o
Espírito Santo já semeou entre eles.
Trata-se,
antes de mais nada, de não colocar tantos obstáculos, normas, controles e
enquadramentos obrigatórios aos jovens fiéis que são líderes naturais nos bairros
e nos diferentes ambientes.
Devemos
limitar-nos a acompanhá-los e a estimulá-los, confiando um pouco mais na
fantasia do Espírito Santo que age como quer.
231.
Falamos de líderes realmente «populares», não elitistas ou fechados em pequenos
grupos de eleitos.
Para
serem capazes de animar uma pastoral popular no mundo dos jovens, precisam de
«aprender a sondar os sentimentos do povo, a fazer-se seus porta-vozes e a
trabalhar pela sua promoção»[7].
Quando
falamos de «povo», não se deve entender tanto as estruturas da sociedade ou da
Igreja, como sobretudo o conjunto de pessoas que não caminham como indivíduos,
mas como o tecido duma comunidade de todos e para todos, que não pode permitir
que os mais pobres e frágeis fiquem para trás: «O povo deseja que todos
participem dos bens comuns e, por isso, aceita adaptar-se ao passo dos últimos
para chegarem todos juntos»[8].
Portanto,
os líderes populares são aqueles que têm a capacidade de integrar a todos,
incluindo na marcha juvenil os mais pobres, frágeis, limitados e feridos.
Não
lhes causam repugnância nem metem medo os jovens chagados e crucificados.
232.
Na mesma linha, especialmente com os jovens que não cresceram em famílias ou
instituições cristãs e estão num caminho de lento amadurecimento, devemos estimular
o bem possível[9].
Cristo
advertiu-nos para não pretendermos que tudo seja apenas trigo (cf. Mt 13,
24-30).
Às
vezes, por pretender uma pastoral juvenil asséptica, pura, caracterizada por
ideias abstractas, afastada do mundo e preservada de toda a mancha, reduzimos o
Evangelho a uma proposta insípida, incompreensível, distante, separada das
culturas juvenis e adaptada só a uma elite juvenil cristã que se sente
diferente, mas na verdade flutua num isolamento sem vida nem fecundidade.
Assim,
juntamente com as ervas daninhas que rejeitamos, arrancamos ou sufocamos
milhares de rebentos, que procuram crescer no meio das limitações.
233.
Em vez de «sufocá-los com um conjunto de regras que dão uma imagem redutora e
moralista do cristianismo, somos chamados a investir na sua audácia,
educando-os para assumir as suas responsabilidades, certos de que também o
erro, os fracassos e a crise são experiências que podem revigorar a sua
humanidade»[10].
234.
No Sínodo, exortou-se a construir uma pastoral juvenil capaz de criar espaços
inclusivos, onde haja lugar para todo o tipo de jovens e onde se manifeste,
realmente, que somos uma Igreja com as portas abertas.
Não
é necessário sequer que uma pessoa aceite completamente todos os ensinamentos
da Igreja para poder participar em alguns dos nossos espaços dedicados aos
jovens.
Basta
uma atitude aberta para com todos os que tenham o desejo e a disposição de se
deixar encontrar pela verdade revelada por Deus.
Algumas
propostas pastorais podem supor um caminho já percorrido na fé, mas precisamos
duma pastoral juvenil popular que abra as portas e dê espaço a todos e cada um
com as suas dúvidas, traumas, problemas e a sua busca de identidade, com os
seus erros, as suas histórias, as suas experiências do pecado e todas as suas
dificuldades.
235.
Deve haver espaço também para «todos aqueles que têm outras visões da vida,
professam outras crenças ou se declaram alheios ao horizonte religioso.
Todos
os jovens, sem excluir nenhum, estão no coração de Deus e, consequentemente,
também no coração da Igreja.
Francamente,
porém, temos de reconhecer que nem sempre esta afirmação que ressoa nos nossos
lábios encontra real expressão na nossa acção pastoral: muitas vezes ficamos
fechados nos nossos ambientes, onde a voz dos outros não chega, ou dedicamo-nos
a actividades menos exigentes e mais gratificantes, sufocando aquela sã inquietação
pastoral que nos faz sair das nossas supostas seguranças. E todavia o Evangelho
pede-nos para ousar e queremos fazê-lo sem presunção nem proselitismo,
testemunhando o amor do Senhor e estendendo a mão a todos os jovens do mundo
inteiro»[11].
236.
A pastoral juvenil, quando deixa de ser elitista e aceita ser «popular», é um
processo lento, respeitoso, paciente, confiante, incansável, compassivo.
No
Sínodo, foi proposto o exemplo dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,
13-35), que pode ser
também modelo do que acontece na pastoral juvenil.
237.
«Jesus caminha com os dois discípulos que, incapazes de entender o sentido do
que Lhe acontecera, se retiram de Jerusalém e da comunidade.
Para
estar na sua companhia, percorre a estrada com eles.
Interroga-os
e escuta pacientemente a sua versão dos factos, para os ajudar a reconhecer
o que estão vivendo.
Depois,
com afecto e energia, anuncia-lhes a Palavra, levando-os a interpretar à
luz das Escrituras os factos que viveram.
Aceita
o convite para ficar com eles ao cair da tarde: entra na sua noite.
Enquanto
O escutam, abrasa-se o coração deles e ilumina-se a mente; na fracção do pão,
abrem-se os seus olhos.
E
são eles mesmos a decidir pôr-se de novo a caminho, sem demora mas em
sentido inverso, para regressar à comunidade e compartilhar a experiência do
encontro com Jesus ressuscitado»[12].
238.
As várias manifestações de piedade popular, especialmente as peregrinações,
atraem jovens que não se inserem facilmente nas estruturas eclesiais e são uma
expressão concreta da confiança em Deus.
Estas
formas de busca de Deus, presentes particularmente nos jovens mais pobres mas
também nos outros sectores da sociedade, não devem ser desprezadas, mas
encorajadas e estimuladas.
Porque
a piedade popular «é uma maneira legítima de viver a fé»[13]
e é «expressão da actividade missionária espontânea do povo de Deus»[14].
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] DF 51.
[2] Ibid., 47.
[3] Sermão 256,
3: PL 38, 1193.
[4] DF 47.
[5] Francisco, Discurso
a uma Delegação de «Special Olympics International » (16
de Fevereiro de 2017): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
23/II/2017), 7.
[6] Carta aos jovens,
VIII, 11-12: PG 31, 580.
[7] Conferência
Episcopal Argentina, Declaração de São Miguel (Buenos Aires
1969), X, 1.
[8] Rafael Tello, A
nova evangelização, Tomo II, Anexos I e II (Buenos Aires 2013), 111.
[9] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013),
44-45: AAS 105 (2013), 1038-1039.
[10] DF70.
[11] Ibid., 117.
[12] Ibid., 4.
[13] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 124: AAS 105
(2013), 1072.
[14] Ibid., 122: o. c., 1071.
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