Capítulo VII
A PASTORAL DOS JOVENS
Ambientes adequados
216.
Em todas as nossas instituições, devemos desenvolver e reforçar muito mais a
nossa capacidade de recepção cordial, porque muitos dos jovens que chegam
encontram-se numa situação profunda de orfandade.
E
não me refiro a certos conflitos familiares, mas a uma experiência que atinge
igualmente crianças, jovens e adultos, mães, pais e filhos.
Para
muitos órfãos e órfãs, nossos contemporâneos - talvez para nós mesmos -,
comunidades como a paróquia e a escola deveriam oferecer percursos de amor
gratuito e promoção, de afirmação e crescimento.
Hoje,
muitos jovens sentem-se filhos do fracasso, porque os sonhos de seus pais e
avós acabaram queimados na fogueira da injustiça, da violência social, do
«salve-se quem puder». Quanto desenraizamento!
Se
os jovens cresceram num mundo de cinzas, não é fácil para eles sustentar o fogo
de grandes ilusões e projectos.
Se
cresceram num deserto vazio de sentido, como poderão ter vontade de se
sacrificar para semear?
A
experiência de descontinuidade, desenraizamento e queda das certezas basilares,
favorecida pela cultura mediática actual, provoca esta sensação de profunda
orfandade à qual devemos responder, criando espaços fraternos e atraentes onde
haja um sentido para viver.
217.
Criar «lar» é, em última análise, «criar família; é aprender a sentir-se unido
aos outros, sem olhar a vínculos utilitaristas ou funcionais, unidos de modo a
sentir a vida um pouco mais humana.
Criar
lares, “casas de comunhão”, é permitir que a profecia encarne e torne as nossas
horas e dias menos rudes, menos indiferentes e anónimos. É criar laços que se
constroem com gestos simples, diários e que todos podemos realizar.
Como
todos sabemos muito bem, um lar precisa da colaboração de todos.
Ninguém
pode ficar indiferente ou alheado, porque cada qual é uma pedra necessária na
sua construção.
Isto
implica pedir ao Senhor que nos conceda a graça de aprender a ter paciência,
aprender a perdoar-nos; aprender cada dia a recomeçar.
E
quantas vezes temos de perdoar e recomeçar?
Setenta
vezes sete, todas as vezes que for necessário.
Criar
laços fortes requer a confiança, que se alimenta diariamente de paciência e
perdão.
Deste
modo se concretiza o milagre de experimentar que, aqui, se nasce de novo; aqui
todos nascemos de novo, porque sentimos a eficácia da carícia de Deus que nos
permite sonhar o mundo mais humano e, consequentemente, mais divino»[1].
218.
Neste contexto, é preciso oferecer lugares apropriados aos jovens, nas nossas
instituições: lugares que eles possam gerir a seu gosto, com a possibilidade de
entrar e sair livremente, lugares que os acolham e onde lhes seja possível
encontrar-se, espontânea e confiadamente, com outros jovens tanto nos momentos
de sofrimento ou de chatice como quando desejam festejar as suas alegrias.
Algo
do género foi realizado por alguns oratórios e outros centros juvenis, que em
muitos casos são o ambiente onde os jovens vivem experiências de amizade e
namoro, onde se encontram e podem compartilhar música, actividades recreativas,
desporto e também a reflexão e a oração com pequenos subsídios e várias
propostas.
Assim
abre caminho aquele indispensável anúncio de pessoa a pessoa, que não pode ser
substituído por nenhum recurso ou estratégia pastoral.
219.
«A amizade e o intercâmbio, frequentemente mesmo em grupos mais ou menos
estruturados, possibilitam reforçar competências sociais e relacionais num
contexto onde não se sentem avaliados nem julgados.
A
experiência de grupo constitui também um grande recurso para a partilha da fé e
a ajuda mútua no testemunho.
Os
jovens são capazes de guiar outros jovens, vivendo um verdadeiro apostolado no
meio dos seus próprios amigos»[2].
220.
Isso não significa que se isolem e percam todo o contacto com as comunidades
paroquiais, os movimentos e outras instituições eclesiais.
Mas
os jovens inserir-se-ão melhor em comunidades abertas, vivas na fé, desejosas
de irradiar Jesus Cristo, alegres, livres, fraternas e comprometidas.
Tais
comunidades podem ser os canais que os levam a sentir que é possível cultivar
relações preciosas.
A pastoral das
instituições educacionais
221.
A escola é, sem dúvida, uma plataforma para nos aproximarmos das crianças e dos
jovens.
Trata-se
de um lugar privilegiado de promoção da pessoa; e, por isso, a comunidade cristã
sempre lhe dedicou grande atenção, quer formando professores e directores, quer
instituindo escolas próprias, de todo o género e grau.
Neste
campo, o Espírito tem suscitado inúmeros carismas e testemunhos de santidade.
Contudo
a escola precisa duma urgente autocrítica; basta olhar os resultados da
pastoral de muitas instituições educacionais: uma pastoral concentrada na
instrução religiosa que, frequentemente, se mostra incapaz de suscitar
experiências de fé duradouras.
Além
disso, existem algumas escolas católicas que parecem organizadas apenas para
conservar a situação presente.
A
fobia da mudança torna-as incapazes de suportar a incerteza, impelindo-as a
retrair-se perante os perigos, reais ou imaginários, que toda a mudança
acarreta consigo.
A
escola transformada num «bunker», que protege dos erros «de fora»: tal é a
caricatura desta tendência.
Esta
imagem reflecte de maneira chocante aquilo que experimentam inúmeros jovens na
hora da sua saída de alguns estabelecimentos de ensino: um desfasamento
insanável entre o que lhes ensinaram e o mundo onde lhes cabe viver.
As
próprias propostas religiosas e morais recebidas não os prepararam para
confrontá-las com um mundo que as ridiculariza, e não aprenderam formas de
rezar e viver a fé que se possam facilmente sustentar no meio do ritmo desta
sociedade.
Na
realidade, uma das maiores alegrias de um educador é ver um aluno constituir-se
como uma pessoa forte, integrada, protagonista e capaz de se doar.
222.
A escola católica continua a ser essencial como espaço de evangelização dos
jovens.
É
importante ter presente alguns critérios inspiradores, indicados na
Constituição Apostólica Veritatis gaudium em ordem a uma renovação e
relançamento das escolas e universidades «em saída» missionária, tais como a
experiência do querigma, o diálogo a todos os níveis, a interdisciplinaridade e
a transdisciplinaridade, a promoção da cultura do encontro, a necessidade
urgente de «criar rede» e a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade
descarta e abandona[3]; e também a capacidade de integrar
os saberes da cabeça, do coração e das mãos.
223.
Além disso, não podemos separar a formação espiritual da formação cultural.
A
Igreja sempre quis desenvolver, em prol dos jovens, espaços para a melhor
cultura; e não deve desistir de o fazer, porque os jovens têm direito a ela.
E,
«sobretudo hoje, direito à cultura significa tutelar a sabedoria, ou seja, um
saber humano e humanizador.
Demasiadas
vezes vivemos condicionados por modelos de vida banais e efémeros, que
estimulam a perseguir o sucesso a baixo preço, desacreditando o sacrifício,
inculcando a ideia de que o estudo não serve, se não leva imediatamente a algo
de concreto. Mas não! O estudo serve para se questionar, para não se deixar
anestesiar pela banalidade, para procurar um sentido na vida.
Deve
ser reclamado o direito a não fazer prevalecer as muitas sereias que hoje
afastam desta busca.
Ulisses,
para não ceder ao canto das sereias, que encantavam os marinheiros e os faziam
espatifar-se contra os rochedos, amarrou-se ao mastro da nau e fechou os
ouvidos dos companheiros de viagem.
Ao
contrário, Orfeu, para contrastar o canto das sereias, fez algo diferente:
entoou uma melodia mais bonita, que encantou as sereias.
Eis
a vossa tarefa: responder aos estribilhos paralisantes do consumismo cultural
com escolhas dinâmicas e fortes, com a investigação, o conhecimento e a
partilha»[4].
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] Francisco, Discurso
na visita à Casa-família «O Bom Samaritano»(Panamá, 27 de Janeiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019),
11-12.
[4] Francisco, Discurso
no encontro com os estudantes e o mundo académico (Bolonha 1 de
Outubro de 2017): AAS 109 (2017), 1115.
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