Capítulo V
PERCURSOS DE JUVENTUDE
134.
Como se vive a juventude, quando nos deixamos iluminar e transformar pelo
grande anúncio do Evangelho?
Trata-se
duma pergunta importante que nos devemos colocar, pois a juventude não é motivo
de que possamos vangloriar-nos, mas um dom de Deus: «ser jovem é uma graça, uma
ventura»[1].
É
um dom que podemos malbaratar inutilmente ou recebê-lo agradecidos e vivê-lo em
plenitude.
135.
Deus é o autor da juventude e age em cada jovem.
A
juventude é um tempo abençoado para o jovem e uma bênção para a Igreja e o
mundo.
É
uma alegria, uma canção de esperança e uma beatitude.
Apreciar
a juventude significa considerar este período da vida como um momento precioso,
e não como uma fase de passagem onde os jovens se sentem empurrados para a
idade adulta.
Tempo de sonhos e
opções
136.
No tempo de Jesus, a saída da infância era uma passagem vital muito esperada,
que se festejava e vivia intensamente.
Assim,
quando Jesus devolveu a vida a uma «menina» (Mc 5, 39), fê-la avançar um passo, fê-la
crescer e tornar-se «moça» (Mc 5, 41).
Ao
mesmo tempo que lhe dizia «moça, levanta-te!» (talitá kum), tornou-a
mais responsável da sua vida abrindo-lhe as portas da juventude.
137.
«Como fase do desenvolvimento da personalidade, a juventude está marcada por
sonhos que se vão formando, relações que adquirem consistência sempre maior e
equilíbrio, tentativas e experiências, opções que constroem gradualmente um
projecto de vida.
Nesta
época da vida, os jovens são chamados a lançar-se para diante, mas sem cortar
com as raízes, a construir autonomia mas não sozinhos»[2].
138.
O amor de Deus e a nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não
nos pedem para restringir os nossos horizontes.
Pelo
contrário, esse amor instiga-nos, estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor
e mais bela.
A
palavra «inquietude» resume muitas das aspirações do coração dos jovens.
Como
dizia São Paulo VI, «precisamente nas insatisfações que vos atormentam (…) há
um elemento de luz»[3].
A
inquietude insatisfeita juntamente com a admiração pelas novidades que assomam
ao horizonte abrem caminho à ousadia que os impele a tomar a sua vida nas
próprias mãos e a tornar-se responsáveis por uma missão.
Esta
sã inquietude, que surge especialmente na juventude, continua a ser a
característica de qualquer coração que permanece jovem, disponível, aberto.
A
verdadeira paz interior convive com esta profunda insatisfação. Dizia Santo
Agostinho:
139.
Algum tempo atrás, um amigo perguntou-me o que vejo quando penso num jovem.
A
minha resposta foi que «vejo um jovem ou uma jovem à procura do seu próprio
caminho, que quer voar com os pés, que assoma ao mundo e fixa o horizonte com
olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões.
O
jovem caminha com dois pés como os adultos, mas, ao contrário dos adultos que
os mantêm paralelos, aquele coloca um atrás do outro, pronto a arrancar, a
partir.
Sempre
a olhar para diante.
Falar
de jovens significa falar de promessas, significa falar de alegria. Os jovens
têm tanta força, são capazes de olhar com tanta esperança!
Um
jovem é uma promessa de vida, que traz em si um certo grau de tenacidade; tem
um grau suficiente de insensatez para poder enganar-se a si mesmo e uma
capacidade suficiente para curar a decepção que daí pode derivar»[5].
140.
Alguns jovens talvez rejeitem esta fase da vida, porque gostariam de continuar
a ser crianças, ou desejam «um prolongamento indefinido da adolescência e o adiamento
das decisões; o medo do definitivo gera, assim, uma espécie de paralisia
decisória.
Mas
a juventude não pode permanecer um tempo suspenso: é a idade das opções,
consistindo nisto mesmo o seu encanto e a sua tarefa maior.
Os
jovens tomam decisões nas áreas profissional, social e política, e outras ainda
mais radicais que determinarão a fisionomia da sua existência»[6].
E
tomam decisões também a propósito do amor, com a escolha do seu par e na opção
de ter os primeiros filhos.
Aprofundaremos
estes temas nos últimos capítulos, dedicados à vocação pessoal e ao seu
discernimento.
141.
Mas, contra os sonhos que inspiram as decisões, há sempre «a ameaça da
lamentação, da resignação.
Estas
deixemo-las aos que seguem a “deusa lamentação”!
(...)
[Esta] é um engano: faz com que te encaminhes pela estrada errada.
Quando
tudo parece estar parado e estagnado, quando os problemas pessoais nos
preocupam, as dificuldades sociais não encontram as devidas respostas, não é
bom dar-se por vencido.
O
caminho é Jesus: façamo-l'O subir para o nosso barco e façamo-nos ao largo com
Ele.
Ele
é o Senhor!
Ele
muda a perspectiva da vida.
A
fé em Jesus conduz-nos a uma esperança que vai mais além, a uma certeza fundada
não só nas nossas qualidades e habilidades, mas na Palavra de Deus, no convite
que vem d’Ele.
Sem
fazer demasiados cálculos humanos nem se preocupar com verificar se a realidade
que vos circunda coincide com as vossas certezas, fazei-vos ao largo, saí de
vós mesmos»[7].
142.
Devemos perseverar no caminho dos sonhos.
Para
isso, é preciso ter cuidado com uma tentação que muitas vezes nos engana: a
ansiedade.
Pode
tornar-se uma grande inimiga, quando leva a render-nos, porque descobrimos que
os resultados não são imediatos.
Os
sonhos mais belos conquistam-se com esperança, paciência e determinação,
renunciando às pressas.
Ao
mesmo tempo, é preciso não se deixar bloquear pela insegurança: não se deve ter
medo de arriscar e cometer erros; devemos, sim, ter medo de viver paralisados,
como mortos ainda em vida, sujeitos que não vivem porque não querem arriscar,
não perseveram nos seus compromissos ou têm medo de errar.
Ainda
que erres, poderás sempre levantar a cabeça e voltar a começar, porque ninguém
tem o direito de te roubar a esperança.
143.
Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não fiqueis observando a
vida da sacada.
Não
confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante dum
monitor.
E
tão-pouco vos reduzais ao triste espectáculo dum veículo abandonado.
Não
sejais carros estacionados, mas deixai brotar os sonhos e tomai decisões.
Ainda
que vos enganeis, arriscai.
Não
sobrevivais com a alma anestesiada, nem olheis o mundo como se fôsseis
turistas.
Fazei-vos
ouvir!
Lançai
fora os medos que vos paralisam, para não vos tornardes jovens mumificados.
Vivei!
Entregai-vos
ao melhor da vida!
Abri
as portas da gaiola e saí a voar!
Por
favor, não vos aposenteis antes do tempo.
A vontade de viver
e experimentar
144.
Esta projecção para o futuro, que se sonha, não significa que os jovens estejam
totalmente lançados para diante, pois simultaneamente há neles um forte desejo
de viver o presente, aproveitar ao máximo as possibilidades que esta vida lhes
oferece. Este mundo está repleto de beleza!
Como
se pode desprezar os dons de Deus?
145.
Ao contrário do que muitos pensam, o Senhor não quer atenuar esta vontade de
viver.
Faz-nos
bem lembrar o que ensinava um sábio do Antigo Testamento: «Meu filho, se tens
com quê, trata-te bem. (…) Não te prives da felicidade presente» (Sir
14, 11.14).
O
verdadeiro Deus, Aquele que te ama, quer-te feliz.
Por
isso, na Bíblia, encontramos também este conselho dirigido aos jovens: «Jovem,
regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. (...)
Lança fora do teu coração a tristeza» (Ecl 11,
9.10).
Porque
é «Deus que nos dá tudo com abundância para nosso usufruto» (1
Tim 6, 17).
146.
Como poderá dizer-se agradecido a Deus quem não é capaz de usufruir dos seus
pequenos presentes de cada dia, quem não sabe parar diante das coisas simples e
agradáveis que encontra a cada passo?
Com
efeito, «não há pior do que aquele que é avaro para si mesmo» (Sir
14, 6).
Não
se trata de ser insaciáveis, sempre obcecados por prazeres sem fim; antes pelo
contrário, pois isso impedir-te-á de viver o presente. Trata-se de saber abrir
os olhos e parar a fim de viver plenamente e com gratidão cada um dos pequenos
presentes da vida.
147.
A Palavra de Deus convida-te claramente a viver o presente, e não só a preparar
o amanhã:
«Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois
o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema»
(Mt 6, 34).
Isto,
porém, não significa abandonar-se a uma libertinagem irresponsável que nos
deixa vazios e sempre insatisfeitos, mas convida-nos a viver plenamente o
presente, usando as nossas energias para fazer coisas boas, cultivando a
fraternidade, seguindo Jesus e apreciando cada pequena alegria da vida como um
presente do amor de Deus.
148.
A propósito, quero lembrar que o cardeal Francisco Xavier Nguyên van Thuân,
quando foi preso num campo de concentração, não quis que os seus dias
consistissem apenas em aguardar, esperar um futuro.
Escolheu
«viver o momento presente, cumulando-o de amor»; e a maneira como o realizava
era esta:
«Aproveito
as oportunidades que me surgem cada dia para realizar acções ordinárias de
maneira extraordinária»[8].
Enquanto
lutas para realizar os teus sonhos, vive plenamente o dia de hoje, numa entrega
total e cheia de amor em cada momento.
A
verdade é que este dia da tua juventude pode ser o último, e por isso vale a
pena vivê-lo com toda a garra e profundidade possíveis.
149.
Isto é válido também para os momentos difíceis, que devem ser vividos
profundamente para conseguir aprender a sua mensagem. Como ensinam os bispos
suíços, «Ele está lá no lugar onde pensávamos que nos tinha abandonado e que já
não havia possibilidade alguma de salvação.
É
um paradoxo, mas o sofrimento, as trevas tornaram-se, para muitos cristãos,
(...) lugares de encontro com Deus»[9].
Além
disso, o desejo de viver e fazer novas experiências tem a ver especialmente com
muitos jovens em condições de deficiência física, psíquica e sensorial.
Embora
nem sempre possam fazer as mesmas experiências dos coetâneos, possuem recursos
surpreendentes, inimagináveis que às vezes superam os recursos comuns.
O
Senhor Jesus cumula-os de outros dons, que a comunidade é chamada a valorizar,
para que possam descobrir o seu projecto de amor para cada um deles.
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1]
São Paulo VI, Alocução na Beatificação de Núncio Sulprizio (1
de Dezembro de 1963): AAS 56 (1964), 28.
[3]
Homilia na Eucaristia com os jovens (Sidney 2 de Dezembro de
1970): AAS 63 (1971), 64.
[4]
Confissões, I, 1, 1: PL 32, 661.
[5]
Francisco, Deus é jovem. Uma conversa com Tomás Leoncini (Cidade
do Vaticano 2018), 16-17.
[6]
DF 68.
[7]
Francisco, Discurso aos jovens (Cagliari 22 de Setembro de
2013): AAS105 (2013), 904-905.
[8]
Cinco pães e dois peixes: um jubiloso testemunho de fé, a partir do
sofrimento na prisão(México 1999), 21.
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