Capítulo III
VÓS SOIS O AGORA DE DEUS
Desejos, feridas e
buscas
81.
Os jovens reconhecem que o corpo e a sexualidade são essenciais para a sua vida
e para o crescimento da sua identidade.
Mas,
num mundo que destaca excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa
relação com o próprio corpo e viver serenamente as relações afectivas.
Por
esta e outras razões, a moral sexual é frequentemente «causa de incompreensão e
afastamento da Igreja, pois é sentida como um espaço de julgamento e
condenação».
Ao
mesmo tempo, os jovens expressam de maneira explícita o desejo de se confrontar
sobre «as questões relativas à diferença entre identidade masculina e feminina,
à reciprocidade entre homens e mulheres, e à homossexualidade»[1].
82.
No nosso tempo, «os progressos da ciência e das tecnologias biomédicas incidem
fortemente na percepção do corpo, induzindo a pensar que se pode modificar sem
limites.
A
capacidade de intervir no DNA, a possibilidade de inserir elementos artificiais
no organismo (cyborg) e o desenvolvimento das neurociências constituem
um grande recurso, mas ao mesmo tempo levantam questões antropológicas e
éticas»[2].
Podem
levar-nos a esquecer que a vida é um dom, que somos seres criados e limitados,
podendo facilmente ser instrumentalizados por quem detém o poder tecnológico[3].
«Além
disso, em alguns contextos juvenis, difunde-se a atracção por comportamentos de
risco como instrumento para se explorar a si mesmo, procurar emoções fortes e obter
reconhecimento. (…)
Estes
fenómenos, a que estão expostas as novas gerações, constituem um obstáculo para
o amadurecimento sereno»[4].
83.
Nos jovens, encontramos também, gravados na alma, os golpes recebidos, os
fracassos, as recordações tristes.
Muitas
vezes «são as feridas das derrotas da sua própria história, dos desejos
frustrados, das discriminações e injustiças sofridas, de não se ter sentido
amado ou reconhecido».
Além
disso, temos «as feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentido de culpa
por ter errado»[5].
Jesus
faz-Se presente nestas cruzes dos jovens, para lhes oferecer a sua amizade, o
seu alívio, a sua companhia que cura, e a Igreja quer ser instrumento d’Ele
neste percurso rumo à cura interior e à paz do coração.
84.
Em alguns jovens, reconhecemos um desejo de Deus, embora não possua todos os
contornos do Deus revelado.
Noutros,
podemos vislumbrar um sonho de fraternidade, o que já não é pouco. Em muitos,
existe um desejo real de desenvolver as capacidades de que são dotados para
oferecerem algo ao mundo.
Em
alguns, vemos uma sensibilidade artística especial, ou uma busca de harmonia
com a natureza.
Em
outros, pode haver uma grande necessidade de comunicação.
Em
muitos deles, encontramos o desejo profundo de uma vida diferente.
Trata-se
de verdadeiros pontos de partida, energias interiores que aguardam,
disponíveis, uma palavra de estímulo, luz e encorajamento.
85.
O Sínodo tratou de maneira especial três temas de grande importância, cujas conclusões
desejo acolher textualmente, embora nos exijam ainda avançar numa análise mais
ampla e desenvolver uma capacidade de resposta mais adequada e eficaz.
O ambiente digital
86.
«O ambiente digital caracteriza o mundo actual. Grandes extensões da humanidade
vivem mergulhadas nele de maneira ordinária e contínua. Já não se trata apenas
de “usar” instrumentos de comunicação, mas de viver numa cultura amplamente
digitalizada que tem impactos muito profundos na noção de tempo e espaço, na
percepção de si mesmo, dos outros e do mundo, na maneira de comunicar,
aprender, obter informações, entrar em relação com os outros.
Uma
abordagem da realidade, que tende a privilegiar a imagem relativamente à escuta
e à leitura, influencia o modo de aprender e o desenvolvimento do sentido
crítico»[6].
87.
A internet e as redes sociais geraram uma nova maneira de comunicar e criar
vínculos, sendo «uma “praça” onde os jovens passam muito tempo e se encontram
facilmente, embora nem todos tenham acesso igual, particularmente em algumas
regiões do mundo. Em todo o caso, constituem uma oportunidade extraordinária de
diálogo, encontro e intercâmbio entre as pessoas, bem como de acesso à
informação e ao saber. Além disso, o mundo digital é um contexto de
participação sociopolítica e de cidadania activa, podendo facilitar a
circulação duma informação independente capaz de tutelar eficazmente as pessoas
mais vulneráveis, revelando as violações dos seus direitos.
Em
muitos países, a web e as redes sociais já constituem um lugar indispensável
para se alcançar e envolver os jovens nas próprias iniciativas e actividades
pastorais»[7].
88.
Mas, para entender este fenómeno na sua totalidade, é preciso reconhecer que
possui - como toda a realidade humana - limites e deficiências. Não é salutar
confundir a comunicação com o simples contacto virtual.
De
facto, «o ambiente digital é também um território de solidão, manipulação,
exploração e violência, até ao caso extremo da dark web.
Os
meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e
perda progressiva de contacto com a realidade concreta, dificultando o
desenvolvimento de relações interpessoais autênticas.
Difundem-se
novas formas de violência através das redes sociais, como o cyberbullying;
a web é também um canal de difusão da pornografia e de exploração de
pessoas para fins sexuais ou através do jogo de azar»[8].
89.
Não se deve esquecer que «há interesses económicos gigantescos que operam no
mundo digital, capazes de realizar formas de controlo que são tão subtis quanto
invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo
democrático.
O
funcionamento de muitas plataformas acaba frequentemente por favorecer o
encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as
diferenças.
Estes
circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas,
fomentando preconceitos e ódio.
A
proliferação das notícias falsas é expressão duma cultura que perdeu o sentido
da verdade e sujeita os factos a interesses particulares.
A
reputação das pessoas é comprometida através de processos sumários on-line.
90.
Em um documento preparado por trezentos jovens de todo o mundo antes do Sínodo,
indicava-se que «as relações on-line podem tornar-se desumanas.
Os
espaços digitais não nos deixam ver a vulnerabilidade do outro e dificultam a
reflexão pessoal.
Problemas
como a pornografia distorcem a percepção que o jovem tem da sexualidade humana.
A
tecnologia usada desta maneira cria uma realidade paralela ilusória que ignora
a dignidade humana»[10].
A
imersão no mundo virtual favoreceu uma espécie de «migração digital», isto é,
um distanciamento da família, dos valores culturais e religiosos, que leva
muitas pessoas para um mundo de solidão e auto-invenção chegando ao ponto de
sentir a falta de raízes, embora fisicamente permaneçam no mesmo lugar.
A
vida nova e transbordante dos jovens, que impele a buscar a afirmação da
própria personalidade, enfrenta actualmente um novo desafio: interagir com um
mundo real e virtual no qual se entra sozinho como num continente desconhecido.
Os
jovens de hoje são os primeiros a fazer esta síntese entre o pessoal, o
específico de cada cultura e o global. Mas isto requer que eles consigam passar
do contacto virtual a uma comunicação boa e saudável.
Franciscus
Revisão
da versão portuguesa por AMA
Notas:
[10] Documento da Reunião Pré-sinodal de preparação para a XV
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (Roma 24 de Março de 2018), I,
4.
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