HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
IV
NASCIMENTO
E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO
DO
CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
1) Albores do culto ao sagrado coração na
devoção às chagas sacrossantas da paixão
46.
À vossa consideração, veneráveis irmãos, e à do povo cristão quisemos expor em
suas linhas gerais a íntima natureza e as perenes riquezas do culto ao Coração
Sacratíssimo de Jesus, atendo-nos à doutrina da revelação divina como à sua
fonte primária.
Estamos
persuadidos de que estas nossas reflexões, ditadas pelo próprio ensinamento do
Evangelho, mostraram claramente como, em substância, este culto não é outra
coisa senão o culto ao amor divino e humano do Verbo encarnado, e também o
culto àquele amor com que o Pai e o Espírito Santo amam os homens pecadores.
Porque,
como observa o Doutor angélico, a caridade das três Pessoas divinas é o
princípio da redenção humana nisto que inundando copiosamente a vontade humana
de Jesus Cristo e o seu coração adorável, com a mesma caridade o induziu a
derramar o seu sangue para nos resgatar da servidão do pecado:
47.
Aliás, é persuasão nossa que o culto tributado ao amor de Deus e de Jesus
Cristo para com o género humano, através do símbolo augusto do coração
transfixado do Redentor, nunca esteve completamente ausente da piedade dos
fiéis, embora a sua manifestação clara e a sua admirável difusão em toda a
Igreja se haja realizado em tempos não muito distantes de nós, sobretudo depois
que o próprio Senhor revelou este divino mistério a alguns de seus filhos após
havê-los cumulado com abundância de dons sobrenaturais, e os elegeu para seus
mensageiros e arautos.
48.
De facto, sempre houve almas especialmente consagradas a Deus que,
inspirando-se nos exemplos da excelsa Mãe de Deus, dos apóstolos e de insignes
padres da Igreja, tributaram culto de adoração, de acção de graças e de amor à
humanidade santíssima de Cristo, e de modo especial às feridas abertas no Seu
corpo pelos tormentos da paixão salvadora.
49.
Aliás, como não reconhecer nas próprias palavras:
"Senhor meu e Deus meu"[3],
pronunciadas pelo apóstolo Tomé e reveladoras da sua súbita transformação de
incrédulo em fiel, uma clara profissão de fé, de adoração e de amor, que da
humanidade chagada do Salvador se elevava até a majestade da Pessoa divina?
50.
Mas, ainda que o coração ferido do Redentor tenha sempre levado os homens a
venerarem o Seu infinito amor a tempos sempre tiveram valor as palavras do
profeta Zacarias que o evangelista João aplicou a Jesus crucificado:
"Verão a quem traspassaram"[4],
todavia cumpre reconhecer que só gradualmente esse coração chegou a ser objecto
de culto especial, como imagem do amor humano e divino do Verbo encarnado.
2)Princípio e progresso do
culto ao Sagrado Coração na Idade Média e nos séculos seguintes
51.
Querendo agora indicar somente as etapas gloriosas percorridas por este culto
na história da piedade cristã, mister é recordar, antes de tudo, os nomes de
alguns daqueles que bem podem ser considerados os porta-estandartes desta
devoção, a qual, em forma privada e de modo gradual, se foi difundindo cada vez
mais nos institutos religiosos.
Assim,
por exemplo, distinguiram-se por haver estabelecido e promovido cada vez mais
este culto ao Coração Sacratíssimo de Jesus:
São
Boaventura, Santo Alberto Magno, Santa Gertrudes, Santa Catarina de Sena, Beato
Henrique Suso, São Pedro Canísio e São Francisco de Sales.
A
São João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do Sagrado Coração
de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito de muitos
bispos de França, a 20 de Outubro de 1672.
Mas
entre todos os promotores desta excelsa devoção merece lugar especial Santa
Margarida Maria Alacoque, que, com a ajuda do seu director espiritual, o Beato
Cláudio de la Colombière, e com o seu ardente zelo, conseguiu, não sem
admiração dos féis, que este culto adquirisse um grande desenvolvimento e,
revestido das características do amor e da reparação, se distinguisse das
demais formas da piedade cristã.[5]
52.
Basta essa evocação daquela época em que se propagou o culto do coração de
Jesus para nos convencermos plenamente de que o seu admirável desenvolvimento
se deve principalmente ao facto de se achar ele em tudo conforme com a índole
da religião cristã, que é religião de amor. Por conseguinte, não se pode dizer
nem que este culto deve a sua origem a revelações privadas, nem que apareceu de
improviso na Igreja, mas sim que brotou espontaneamente da fé viva, da piedade
fervorosa de almas prediletas para com a pessoa adorável do Redentor e para com
aquelas suas gloriosas feridas, testemunhos do Seu amor imenso que intimamente
comovem os corações. Evidente é, portanto, que as revelações com que foi
favorecida Santa Margarida Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina
católica. A importância delas consiste em que – ao mostrar o Senhor o seu
coração sacratíssimo – de modo extraordinário e singular quis atrair a
consideração dos homens para a contemplação e a veneração do amor misericordioso
de Deus para com o género humano. De fato, mediante manifestação tão
excepcional, Jesus Cristo expressamente e repetidas vezes indicou o seu coração
como símbolo com que estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu
amor; e ao mesmo tempo constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça
para as necessidades da Igreja nos tempos modernos.
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
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