DA DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA
CAPÍTULO
IV
OS
PRINCÍPIOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
I.
SIGNIFICADO E UNIDADE DOS PRINCÍPIOS
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Os princípios permanentes da doutrina social da Igreja constituem os
verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social católico: trata-se do
princípio da dignidade da pessoa humana ― já tratado no capítulo anterior ― no
qual todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm
fundamento, do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade. Estes
princípios, expressões da verdade inteira sobre o homem conhecida através da razão
e da fé, promanam «do encontro da mensagem evangélica e de suas exigências,
resumidas no mandamento supremo do amor com os problemas que emanam da vida da
sociedade». A Igreja, no curso da história e à luz do Espírito, reflectindo
sapientemente no seio da própria tradição de fé, pode dar-lhes fundamentação e
configuração cada vez mais acuradas, individualizando-os progressivamente no
esforço de responder com coerência às exigências dos tempos e aos contínuos
progressos da vida social.
161
Estes princípios têm um carácter geral e fundamental, pois que se referem à
realidade social no seu conjunto: das relações interpessoais, caracterizadas
pela proximidade e por serem imediatas, às mediadas pela política, pela
economia e pelo direito; das relações entre indivíduos ou grupos às relações
entre os povos e as nações. Pela sua permanência no tempo e universalidade de
significado, a Igreja os indica como primeiro e fundamental parâmetro de
referência para a interpretação e o exame dos fenómenos sociais, necessários
porque deles se podem apreender os critérios de discernimento e de orientação
do agir social, em todos os âmbitos.
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Os princípios da doutrina social devem ser apreciados na sua unidade, conexão e
articulação. Uma tal exigência tem suas raízes no significado que a Igreja
mesma atribui à própria doutrina social; «corpus» doutrinal unitário que
interpreta de modo orgânico as realidade sociais. A atenção a cada
princípio na sua especificidade não deve levar ao seu emprego parcial e errado,
como acontece quando evocado de modo desarticulado e desconexo em relação aos
demais. O aprofundamento teórico e a própria aplicação, ainda que somente de um
dos princípios sociais, fazem vir à tona com clareza a reciprocidade, a
complementaridade, os nexos que os estruturam. Estes eixos fundamentais da
doutrina da Igreja representam, além disso, bem mais do que um património
permanente de reflexão que, diga-se a propósito, é parte essencial da mensagem
cristã, pois indicam todos os caminhos possíveis para edificar uma vida social
verdadeira, boa, autenticamente renovada.
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Os princípios da vida social, no seu conjunto, constituem aquela primeira
articulação da verdade da sociedade, pela qual cada consciência é interpelada e
convidada a interagir com todas as demais, na liberdade, em plena
co-responsabilidade com todos e em relação a todos. À questão da verdade e do
sentido do viver social, com efeito, o homem não se pode furtar, pois a
sociedade não é uma realidade estranha ao seu mesmo existir.
Estes
princípios têm um significado profundamente moral porque remetem aos
fundamentos últimos e ordenadores da vida social. Para compreendê-los
plenamente, é preciso agir na sua direcção, na via do desenvolvimento por eles
indicado para uma vida digna do homem. A exigência moral ínsita nos grandes
princípios sociais concerne quer ao agir pessoal dos indivíduos, enquanto
primeiros e insubstituíveis sujeitos da vida social em todos os níveis, quer,
ao mesmo tempo, às instituições, representadas por leis, normas de
consuetudinárias e estruturas civis, dada a sua capacidade de influenciar e
condicionar as opções de muitos e por muito tempo. Os princípios recordam, com
efeito, que a sociedade historicamente existente promana do entrelace das
liberdades de todas as pessoas que nela interagem, contribuindo, mediante as
suas opções, para edificá-la ou para empobrecê-la.
II.
O PRINCÍPIO DO BEM COMUM
a)
Significado e principais implicações
164
Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes de tudo, o
princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto da vida social
para encontrar pleno sentido. Segundo uma primeira e vasta acepção, por bem
comum se entende: «o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto
aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a
própria perfeição».
O
bem comum não consiste na simples soma dos bens particulares de cada sujeito do
corpo social. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque
indivisível e porque somente juntos é possível alcançá-lo, aumentá-lo e
conservá-lo, também em vista do futuro. Assim como o agir moral do indivíduo se
realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança a plenitude realizando o
bem comum. O bem comum pode ser entendido como a dimensão social e comunitária
do bem moral.
165
Uma sociedade que, em todos os níveis, quer intencionalmente estar ao serviço
do ser humano é a que se propõe como meta prioritária o bem comum, enquanto bem
de todos os homens e do homem todo. A pessoa não pode encontrar plena
realização somente em si mesma, prescindindo do seu ser «com» e «pelos» outros.
Essa verdade impõe-lhe não uma simples convivência nos vários níveis da vida
social e relacional, mas a procura incansável, de modo prático e não só ideal,
do bem ou do sentido e da verdade que se podem encontrar nas formas de vida
social existentes. Nenhuma forma expressiva da sociabilidade — da família ao
grupo social intermédio, à associação, à empresa de carácter económico, à
cidade, à região, ao Estado, até à comunidade dos povos e das nações — pode
evitar a interrogação sobre o próprio bem comum, que é constitutivo do seu
significado e autêntica razão de ser da sua própria subsistência.
b)
A responsabilidade de todos pelo bem comum
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As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada época e estão
estreitamente conexas com o respeito e com a promoção integral da pessoa e dos
seus direitos fundamentais. Essas exigências referem-se, antes de mais, ao
empenho pela paz, à organização dos poderes do Estado, a uma sólida ordem
jurídica, à salvaguarda do ambiente, à prestação dos serviços essenciais às pessoas,
alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação, morada,
trabalho, educação e acesso à cultura, saúde, transportes, livre circulação das
informações e tutela da liberdade religiosa. Não se há de olvidar o aporte
que cada nação tem o dever de dar para uma verdadeira cooperação internacional,
em vista do bem comum da humanidade inteira, inclusive para as gerações
futuras.
167.
O bem comum empenha todos os membros da sociedade: ninguém está escusado de
colaborar, de acordo com as próprias possibilidades, na sua procura e no seu
desenvolvimento. O bem comum exige ser servido plenamente, não segundo
visões redutivas subordinadas às vantagens de parte que se podem tirar, mas com
base em uma lógica que tende à mais ampla responsabilização. O bem comum
correspondente às mais elevadas inclinações do homem, mas é um bem árduo
de alcançar, porque exige a capacidade e a procura constante do bem de outrem
como se fosse próprio.
Todos
têm também o direito de fruir das condições de vida social criadas pelos
resultados da consecução do bem comum. Soa ainda actual o ensinamento de Pio
XI: «Deve procurar-se que a repartição dos bens criados, a qual não há quem não
reconheça ser hoje causa de gravíssimos inconvenientes pelo contraste
estridente que há entre os poucos ultra-ricos e a multidão inumerável dos
indigentes, seja reconduzida à conformidade com as normas do bem comum e da
justiça social».
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