30/05/2019

Leitura espiritual


COMPÊNDIO 
DA DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA



CAPÍTULO IV

OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

I. SIGNIFICADO E UNIDADE DOS PRINCÍPIOS

160 Os princípios permanentes da doutrina social da Igreja constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social católico: trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana ― já tratado no capítulo anterior ― no qual todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm fundamento, do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade. Estes princípios, expressões da verdade inteira sobre o homem conhecida através da razão e da fé, promanam «do encontro da mensagem evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor com os problemas que emanam da vida da sociedade». A Igreja, no curso da história e à luz do Espírito, reflectindo sapientemente no seio da própria tradição de fé, pode dar-lhes fundamentação e configuração cada vez mais acuradas, individualizando-os progressivamente no esforço de responder com coerência às exigências dos tempos e aos contínuos progressos da vida social.

161 Estes princípios têm um carácter geral e fundamental, pois que se referem à realidade social no seu conjunto: das relações interpessoais, caracterizadas pela proximidade e por serem imediatas, às mediadas pela política, pela economia e pelo direito; das relações entre indivíduos ou grupos às relações entre os povos e as nações. Pela sua permanência no tempo e universalidade de significado, a Igreja os indica como primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenómenos sociais, necessários porque deles se podem apreender os critérios de discernimento e de orientação do agir social, em todos os âmbitos.

162 Os princípios da doutrina social devem ser apreciados na sua unidade, conexão e articulação. Uma tal exigência tem suas raízes no significado que a Igreja mesma atribui à própria doutrina social; «corpus» doutrinal unitário que interpreta de modo orgânico as realidade sociais. A atenção a cada princípio na sua especificidade não deve levar ao seu emprego parcial e errado, como acontece quando evocado de modo desarticulado e desconexo em relação aos demais. O aprofundamento teórico e a própria aplicação, ainda que somente de um dos princípios sociais, fazem vir à tona com clareza a reciprocidade, a complementaridade, os nexos que os estruturam. Estes eixos fundamentais da doutrina da Igreja representam, além disso, bem mais do que um património permanente de reflexão que, diga-se a propósito, é parte essencial da mensagem cristã, pois indicam todos os caminhos possíveis para edificar uma vida social verdadeira, boa, autenticamente renovada.

163 Os princípios da vida social, no seu conjunto, constituem aquela primeira articulação da verdade da sociedade, pela qual cada consciência é interpelada e convidada a interagir com todas as demais, na liberdade, em plena co-responsabilidade com todos e em relação a todos. À questão da verdade e do sentido do viver social, com efeito, o homem não se pode furtar, pois a sociedade não é uma realidade estranha ao seu mesmo existir.

Estes princípios têm um significado profundamente moral porque remetem aos fundamentos últimos e ordenadores da vida social. Para compreendê-los plenamente, é preciso agir na sua direcção, na via do desenvolvimento por eles indicado para uma vida digna do homem. A exigência moral ínsita nos grandes princípios sociais concerne quer ao agir pessoal dos indivíduos, enquanto primeiros e insubstituíveis sujeitos da vida social em todos os níveis, quer, ao mesmo tempo, às instituições, representadas por leis, normas de consuetudinárias e estruturas civis, dada a sua capacidade de influenciar e condicionar as opções de muitos e por muito tempo. Os princípios recordam, com efeito, que a sociedade historicamente existente promana do entrelace das liberdades de todas as pessoas que nela interagem, contribuindo, mediante as suas opções, para edificá-la ou para empobrecê-la.

II. O PRINCÍPIO DO BEM COMUM

a) Significado e principais implicações

164 Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes de tudo, o princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno sentido. Segundo uma primeira e vasta acepção, por bem comum se entende: «o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição».

O bem comum não consiste na simples soma dos bens particulares de cada sujeito do corpo social. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivisível e porque somente juntos é possível alcançá-lo, aumentá-lo e conservá-lo, também em vista do futuro. Assim como o agir moral do indivíduo se realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança a plenitude realizando o bem comum. O bem comum pode ser entendido como a dimensão social e comunitária do bem moral.

165 Uma sociedade que, em todos os níveis, quer intencionalmente estar ao serviço do ser humano é a que se propõe como meta prioritária o bem comum, enquanto bem de todos os homens e do homem todo. A pessoa não pode encontrar plena realização somente em si mesma, prescindindo do seu ser «com» e «pelos» outros. Essa verdade impõe-lhe não uma simples convivência nos vários níveis da vida social e relacional, mas a procura incansável, de modo prático e não só ideal, do bem ou do sentido e da verdade que se podem encontrar nas formas de vida social existentes. Nenhuma forma expressiva da sociabilidade — da família ao grupo social intermédio, à associação, à empresa de carácter económico, à cidade, à região, ao Estado, até à comunidade dos povos e das nações — pode evitar a interrogação sobre o próprio bem comum, que é constitutivo do seu significado e autêntica razão de ser da sua própria subsistência.

b) A responsabilidade de todos pelo bem comum

166 As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada época e estão estreitamente conexas com o respeito e com a promoção integral da pessoa e dos seus direitos fundamentais. Essas exigências referem-se, antes de mais, ao empenho pela paz, à organização dos poderes do Estado, a uma sólida ordem jurídica, à salvaguarda do ambiente, à prestação dos serviços essenciais às pessoas, alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação, morada, trabalho, educação e acesso à cultura, saúde, transportes, livre circulação das informações e tutela da liberdade religiosa. Não se há de olvidar o aporte que cada nação tem o dever de dar para uma verdadeira cooperação internacional, em vista do bem comum da humanidade inteira, inclusive para as gerações futuras.

167. O bem comum empenha todos os membros da sociedade: ninguém está escusado de colaborar, de acordo com as próprias possibilidades, na sua procura e no seu desenvolvimento. O bem comum exige ser servido plenamente, não segundo visões redutivas subordinadas às vantagens de parte que se podem tirar, mas com base em uma lógica que tende à mais ampla responsabilização. O bem comum correspondente às mais elevadas inclinações do homem, mas é um bem árduo de alcançar, porque exige a capacidade e a procura constante do bem de outrem como se fosse próprio.

Todos têm também o direito de fruir das condições de vida social criadas pelos resultados da consecução do bem comum. Soa ainda actual o ensinamento de Pio XI: «Deve procurar-se que a repartição dos bens criados, a qual não há quem não reconheça ser hoje causa de gravíssimos inconvenientes pelo contraste estridente que há entre os poucos ultra-ricos e a multidão inumerável dos indigentes, seja reconduzida à conformidade com as normas do bem comum e da justiça social».

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