AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VI
ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS.
Quando a morte crava o seu aguilhão.
Às vezes, a vida familiar
vê-se desafiada pela morte de um ente querido. Não podemos deixar de oferecer a
luz da fé para acompanhar as famílias que sofrem em tais momentos.[i]
Abandonar uma família
atribulada por uma morte seria uma falta de misericórdia, seria perder uma
oportunidade pastoral, e tal atitude pode fechar-nos as portas para qualquer
eventual acção evangelizadora.
Compreendo a angústia de
quem perdeu uma pessoa muito amada, um cônjuge com quem se partilhou tantas
coisas. O próprio Jesus Se comoveu e chorou no velório dum amigo[ii].
E como não compreender o
lamento de quem perdeu um filho? Com efeito, «é como se o tempo parasse: abre-se
um abismo que engole o passado e também o futuro. (...) E às vezes chega-se até
a dar a culpa a Deus! Quantas pessoas – compreendo-as – se chateiam com Deus».
«A viuvez é uma
experiência particularmente difícil (...). Alguns, quando têm de viver esta experiência,
mostram que sabem fazer convergir as suas energias para uma dedicação ainda
maior aos filhos e netos, encontrando nesta experiência de amor uma nova missão
educativa. (...) Aqueles que já não podem contar com a presença de familiares a
quem se dedicar e de quem receber carinho e proximidade, a comunidade cristã
deve sustentá-los com particular atenção e disponibilidade, sobretudo se vivem
em condições de indigência».
Em geral, o luto pelos
falecidos pode durar bastante tempo e, quando um pastor quer acompanhar este
percurso, deve adaptar-se às necessidades de cada uma das suas fases. Todo o percurso
é atravessado por interrogativos sobre as causas da morte, o que poderia ter
sido feito, o que uma pessoa vive nos momentos anteriores à morte... Com um
caminho sincero e paciente de oração e libertação interior, volta a paz. No
luto, há momentos em que é preciso ajudar a descobrir que, embora tenhamos perdido
um ente querido, existe ainda uma missão a cumprir e não nos faz bem querer
prolongar a tristeza, como se isto fosse uma homenagem.
A pessoa amada não precisa
da nossa tristeza, nem retém lisonjeiro que arruinemos a nossa vida. E também
não é a melhor expressão de amor lembrá-la e nomeá-la a cada momento, porque
significa estar preso a um passado que já não existe, em vez de amar a pessoa
real que agora se encontra no Além.
A sua presença física já
não é possível; é verdade que a morte é algo de poderoso, mas «forte como a
morte é o amor»[iii].
O amor possui uma intuição
que lhe permite escutar sem sons e ver no invisível. Isto não é imaginar o ente
querido como era, mas poder aceitá-lo transformado, como é agora. Jesus ressuscitado,
quando a sua amiga Maria Madalena quis abraçá-Lo intensamente, pediu-lhe que
não O tocasse[iv] para a levar a um encontro diferente.
Consola-nos saber que não
se verifica a destruição total dos que morrem, e a fé assegura-nos que o
Ressuscitado nunca nos abandonará. Podemos, assim, impedir que a morte «envenene
a nossa vida, torne vãos os nossos afectos e nos faça cair no vazio mais escuro».
A Bíblia fala de um Deus
que nos criou por amor, e fez-nos de uma maneira tal que a nossa vida não
termina com a morte[v]. São Paulo fala-nos dum encontro com Cristo
imediatamente depois da morte: «tenho o
desejo de partir e estar com Cristo»[vi]. Com Ele, espera-nos depois da morte aquilo que Deus
preparou para aqueles que O amam[vii].
De forma muito bela, assim
se exprime o prefácio da Missa dos Defuntos: «Se a certeza da morte nos
entristece, conforta-nos a promessa da imortalidade. Para os que crêem em Vós,
Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma».
Com efeito, «os nossos
entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos
que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus».
Uma maneira de
comunicarmos com os seres queridos que morreram é rezar por eles.
Diz a Bíblia que «rezar pelos mortos» é «santo e piedoso»[viii]. Rezar por eles «pode não só ajudá-los, mas também
tornar mais eficaz a sua intercessão em nosso favor».[ix]
O Apocalipse apresenta os
mártires a interceder pelos que sofrem injustiça na terra[x], solidários com este mundo em caminho. Alguns Santos,
antes de morrer, consolavam os seus entes queridos, prometendo-lhes que
estariam perto ajudando-os.
Santa Teresa de Lisieux
sentia vontade de continuar, do Céu, a fazer bem. E São Domingos afirmava que
«seria mais útil, depois de morto (...), mais poderoso para obter graças».
São laços de amor, porque
«de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com
os irmãos que adormeceram na paz de Cristo; mas (...) é reforçada pela comunicação
dos bens espirituais».
Se aceitarmos a morte,
podemos preparar-nos para ela.
O caminho é crescer no
amor para com aqueles que caminham connosco, até ao dia em que «não haverá mais
morte, nem luto, nem pranto, nem dor»[xi].
Deste modo
preparar-nos-emos também pera reencontrar os nossos entes queridos que
morreram.
Assim, nesta linha[xii], é significativo o testemunho das carmelitas de que
Santa Teresa prometera que a sua partida deste mundo havia de ser «como uma
chuva de rosas»[xiii], [xiv] como Jesus entregou o filho que tinha morrido à sua
mãe[xv], de forma semelhante procederá connosco.
Não gastemos energias,
detendo-nos anos e anos no passado.
Quanto melhor vivermos
nesta terra, tanto maior felicidade poderemos partilhar com os nossos entes
queridos no céu.
Quanto mais conseguirmos
amadurecer e crescer, tanto mais poderemos levar-lhes coisas belas para o
banquete celeste.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] Relatio Finalis
2015, 76; cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de
reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais (3 de Junho de
2003), 4. 279 Relatio Finalis 2015, 80. 280 Cf. ibid., 20.
[ix] Francisco, Catequese
(17 de Junho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
18/VI/2015), 16. 284 Ibidem. 285 Cf. Catecismo da Igreja Católica, 958.
[xii] Cf. «Últimos
colóquios: “Caderno Amarelo” da Madre Inês» (17 de Julho de 1897): Opere
complete (Cidade do Vaticano 1997), 1028.
[xiv] Jordão de Saxónia,
Libellus de principiis Ordinis predicatorum, 93: Monumenta Historica Sancti
Patris Nostri Dominici, XVI, (Roma 1935), 69. 289 Cf. Catecismo da Igreja Católica,
957. 290 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm sobre a Igreja Lumen gentium, 49
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