AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VI
ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS.
Guiar os noivos no caminho de preparação para o matrimónio.
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A preparação da celebração.
A preparação próxima do
matrimónio tende a concentrar-se nos convites, na roupa, na festa com os seus
inumeráveis detalhes que consomem tanto os recursos económicos como as energias
e a alegria. Os noivos chegam desfalecidos e exaustos ao casamento, em vez de
dedicarem o melhor das suas forças a preparar-se como casal para o grande passo
que, juntos, vão dar. Esta mesma mentalidade subjaz também à decisão dalgumas
uniões de facto que nunca mais chegam ao matrimónio, porque pensam nas elevadas
despesas da festa, em vez de darem prioridade ao amor mútuo e à sua
formalização diante dos outros.
Queridos noivos, tende a
coragem de ser diferentes, não vos deixeis devorar pela sociedade do consumo e
da aparência. O que importa é o amor que vos une, fortalecido e santificado
pela graça. Vós sois capazes de optar por uma festa austera e simples, para colocar
o amor acima de tudo. Os agentes pastorais e toda a comunidade podem ajudar
para que esta prioridade se torne a norma e não a excepção.
Na preparação mais
imediata, é importante esclarecer os noivos para viverem com grande
profundidade a celebração litúrgica, ajudando-os a compreender e viver o
significado de cada gesto. Lembremo-nos de que um compromisso tão grande como
este expresso no consentimento matrimonial e a união dos corpos que consuma o
matrimónio, quando se trata de dois baptizados, só podem ser interpretados como
sinais do amor do Filho de Deus feito carne e unido com a sua Igreja em aliança
de amor. Nos baptizados, as palavras e os gestos transformam-se numa linguagem
que manifesta a fé. O corpo, com os significados que Deus lhe quis infundir ao
criá-lo, «transforma-se na linguagem dos
ministros do sacramento, conscientes de que, no pacto conjugal, se manifesta e
realiza o mistério».
Às vezes, os noivos não
percebem o peso teológico e espiritual do consentimento, que ilumina o
significado de todos os gestos sucessivos. É necessário salientar que aquelas
palavras não podem ser reduzidas ao presente; implicam uma totalidade que inclui
o futuro: «até que a morte vos separe».
O sentido do consentimento
mostra que «liberdade e fidelidade não se
opõem uma à outra, aliás apoiam-se reciprocamente quer nas relações
interpessoais quer nas sociais. De facto, pensemos nos danos que produzem, na
civilização da comunicação global, o aumento de promessas não mantidas (...). A
honra à palavra dada, a fidelidade à promessa não se podem comprar nem vender.
Não podem ser impostas com a força, nem guardadas sem sacrifício».
Os bispos do Quénia
fizeram notar que «os futuros esposos, muito
concentrados com o dia da boda, esquecem-se de que estão a preparar-se para um compromisso
que dura a vida inteira».
Temos de ajudá-los a
darem-se conta de que o sacramento não é apenas um momento que depois passa a
fazer parte do passado e das recordações, mas exerce a sua influência sobre
toda a vida matrimonial, de maneira permanente[i].
O significado procriador
da sexualidade, a linguagem do corpo e os gestos de amor vividos na história
dum casal de esposos transformam-se numa «continuidade
ininterrupta da linguagem litúrgica» e «a
vida conjugal torna-se de algum modo liturgia».
Também se pode meditar com
as leituras bíblicas e enriquecer a compreensão do significado das alianças que
trocam entre si, ou doutros sinais que fazem parte do rito. Mas não seria bom
chegarem ao matrimónio sem ter rezado juntos, um pelo outro, pedindo ajuda a
Deus para serem fiéis e generosos, perguntando juntos a Deus que espera deles,
e inclusive consagrando o seu amor diante duma imagem de Maria. Quem os
acompanha na preparação do matrimónio deveria orientá-los para que saibam viver
estes momentos de oração, que lhes podem fazer muito bem.
«A liturgia nupcial é um evento único, que se vive no contexto familiar
e social duma festa. Jesus começou os seus milagres no banquete das bodas de
Caná: o vinho bom do milagre do Senhor, que alegra o nascimento duma nova
família, é o vinho novo da Aliança de Cristo com os homens e mulheres de cada
tempo[ii]. (...)
Frequentemente, o celebrante tem a oportunidade de se dirigir a uma assembleia
formada por pessoas que participam pouco na vida eclesial ou pertencem a outra confissão
cristã ou comunidade religiosa. Trata-se, pois, duma preciosa ocasião para
anunciar o Evangelho de Cristo».
Acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial.
Temos de reconhecer como
um grande valor que se compreenda que o matrimónio é uma questão de amor: só se
podem casar aqueles que se escolhem livremente e se amam. Apesar disso, se o
amor se reduzir a mera atracção ou a uma vaga afectividade, isto faz com que os
cônjuges sofram duma extraordinária fragilidade quando a afectividade entra em
crise ou a atracção física diminui. Uma vez que estas confusões são frequentes,
torna-se indispensável o acompanhamento dos esposos nos primeiros anos de vida
matrimonial, para enriquecer e aprofundar a decisão consciente e livre de se
pertencerem e amarem até ao fim. Muitas vezes o tempo de noivado não é
suficiente, a decisão de casar-se apressa-se por várias razões e, como se não
bastasse, atrasou a maturação dos jovens. Assim os recém-casados têm de
completar aquele percurso que deveria ter sido feito durante o noivado.[iii]
Por outro lado, quero
insistir que um desafio da pastoral familiar é ajudar a descobrir que o
matrimónio não se pode entender como algo acabado. A união é real, é
irrevogável e foi confirmada e consagrada pelo sacramento do matrimónio; mas,
ao unir-se, os esposos tornam-se protagonistas, senhores da sua própria
história e criadores dum projecto que deve ser levado para a frente
conjuntamente. O olhar volta-se para o futuro, que é preciso construir
dia-a-dia com a graça de Deus e, por isso mesmo, não se pretende do cônjuge que
seja perfeito. É preciso pôr de lado as ilusões e aceitá-lo como é: inacabado,
chamado a crescer, em caminho.
Quando o olhar sobre o
cônjuge é constantemente crítico, isto indica que o matrimónio não foi assumido
também como um projecto a construir juntos, com paciência, compreensão,
tolerância e generosidade.
Isto faz com que o amor
seja substituído pouco a pouco por um olhar inquisidor e implacável, pelo
controle dos méritos e direitos de cada um, pelas reclamações, a competição e a
autodefesa. Deste modo tornam-se incapazes de se apoiarem um ao outro para o
amadurecimento de ambos e para o crescimento da união. Aos novos cônjuges, é
necessário apresentar isto com clareza realista desde o início, de modo que tomem
consciência de que estão apenas a começar.
O «sim» que deram um ao
outro é o início dum itinerário, cujo objectivo se propõe superar as circunstâncias
que surgirem e os obstáculos que se interpuserem. A bênção recebida é uma graça
e um impulso para este caminho sempre aberto. Habitualmente ajuda sentar-se a
dialogar para elaborar o seu projecto concreto com os seus objectivos, meios,
detalhes.
Lembro-me dum refrão que
dizia que a água estagnada corrompe-se, estraga-se. O mesmo acontece com a vida
do amor nos primeiros anos do matrimónio quando fica estagnada, cessa de
mover-se, perde aquela inquietude sadia que a faz avançar. A dança conduzida
com aquele amor jovem, a dança com aqueles olhos iluminados pela esperança, não
deve parar.
No noivado e nos primeiros
anos de matrimónio, é a esperança que tem em si a força do fermento, que faz
olhar para além das contradições, conflitos, contingências, que sempre faz ver
mais além; é ela que põe em movimento a ânsia de se manter num caminho de
crescimento.
A mesma esperança
convida-nos a viver em cheio o presente, colocando o coração na vida familiar,
porque a melhor forma de preparar e consolidar o futuro é viver bem o presente.
O caminho implica passar
por diferentes etapas, que convidam a doar-se com generosidade: do impacto
inicial caracterizado por uma atracção decididamente sensível, passa-se à necessidade
do outro sentido como parte da vida própria. Daqui passa-se ao gosto da
pertença mútua, seguido pela compreensão da vida inteira como um projecto de ambos,
pela capacidade de colocar a felicidade do outro acima das necessidades próprias,
e pela alegria de ver o próprio matrimónio como um bem para a sociedade.
O amadurecimento do amor
implica também aprender a «negociar».
Não se trata duma atitude interesseira nem dum jogo de tipo comercial, mas, em
última análise, dum exercício do amor recíproco, já que esta negociação é um
entrelaçado de recíprocas ofertas e renúncias para o bem da família. Em cada nova
etapa da vida matrimonial, é preciso sentar-se e negociar novamente os acordos,
de modo que não haja vencedores nem vencidos, mas ganhem ambos.
No lar, as decisões não se
tomam unilateralmente, e ambos compartilham a responsabilidade pela família;
mas cada lar é único e cada síntese conjugal é diferente.
Uma das causas que leva a
rupturas matrimoniais é ter expectativas demasiado altas sobre a vida conjugal.
Quando se descobre a realidade mais limitada e problemática do que se sonhara,
a solução não é pensar imediata e irresponsavelmente na separação, mas assumir
o matrimónio como um caminho de amadurecimento, onde cada um dos cônjuges é um
instrumento de Deus para fazer crescer o outro. É possível a mudança, o
crescimento, o desenvolvimento das potencialidades boas que cada um traz dentro
de si.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] João Paulo II,
Catequese (27 de Junho de 1984), 4: Insegnamenti 7/1 (1984), 1941;
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 01/VII/1984), 12. Francisco,
Catequese (21 de Outubro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 22/X/2015), 16. 244 Conferência Episcopal do Quénia, Mensagem de Quaresma
(18 de Fevereiro de 2015).
[ii] Cf. Pio XI, Carta
enc. Casti connubii (31 de Dezembro de 1930): AAS 22 (1930), 583. 246 João
Paulo II, Catequese (4 de Julho de 1984), 3.6: Insegnamenti 7/2 (1984), 9.10;
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 08/VII/1984), 12.
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