AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO V
O AMOR QUE SE TORNA FECUNDO
Amor de mãe e de pai.
Aprecio o feminismo,
quando não pretende a uniformidade nem a negação da maternidade. Com efeito, a
grandeza das mulheres implica todos os direitos decorrentes da sua dignidade
humana inalienável, mas também do seu génio feminino, indispensável para a
sociedade. As suas capacidades especificamente femininas – em particular a
maternidade – conferem-lhe também deveres, já que o seu ser mulher implica
também uma missão peculiar nesta terra, que a sociedade deve proteger e
preservar para bem de todos.[i]
De facto, «as mães são o antídoto mais forte contra o
propagar-se do individualismo egoísta. (...) São elas que testemunham a beleza
da vida».
Sem dúvida, «uma sociedade sem mães seria uma sociedade desumana,
porque as mães sabem testemunhar sempre, mesmo nos piores momentos, a ternura,
a dedicação, a força moral. As mães transmitem, muitas vezes, também o sentido
mais profundo da prática religiosa: nas primeiras orações, nos primeiros gestos
de devoção que uma criança aprende (...). Sem as mães, não somente não haveria
novos fiéis, mas a fé perderia boa parte do seu calor simples e profundo. (...)
Queridas mães, obrigado, obrigado por aquilo que sois na família e pelo que
dais à Igreja e ao mundo».
A mãe, que ampara o filho
com a sua ternura e compaixão, ajuda a despertar nele a confiança, a
experimentar que o mundo é um lugar bom que o acolhe, e isto permite
desenvolver uma auto-estima que favorece a capacidade de intimidade e a empatia.
Por sua vez, a figura do
pai ajuda a perceber os limites da realidade, caracterizando-se mais pela
orientação, pela saída para o mundo mais amplo e rico de desafios, pelo convite
a esforçar-se e lutar. Um pai com uma clara e feliz identidade masculina, que
por sua vez combine no seu trato com a esposa o carinho e o acolhimento, é tão
necessário como os cuidados maternos.[ii]
Há funções e tarefas
flexíveis, que se adaptam às circunstâncias concretas de cada família, mas a
presença clara e bem definida das duas figuras, masculina e feminina, cria o
âmbito mais adequado para o amadurecimento da criança.
Diz-se que a nossa
sociedade é uma «sociedade sem pais».
Na cultura ocidental, a figura do pai estaria simbolicamente ausente,
distorcida, desvanecida. Até a virilidade pareceria posta em questão. Verificou-se
uma compreensível confusão, já que, «num
primeiro momento, isto foi sentido como uma libertação: libertação do
pai-patrão, do pai como representante da lei que se impõe de fora, do pai como
censor da felicidade dos filhos e impedimento à emancipação e à autonomia dos
jovens. Por vezes, havia casas em que no passado reinava o autoritarismo, em certos
casos até a prepotência”. Mas, «como
acontece muitas vezes, passa-se de um extremo ao outro. O problema nos nossos
dias não parece ser tanto a presença invasora do pai, mas sim a sua ausência, o
facto de não estar presente. Por vezes o pai está tão concentrado em si mesmo e
no próprio trabalho ou então nas próprias realizações individuais que até se
esquece da família. E deixa as crianças e os jovens sozinhos».[iii]
A presença paterna e,
consequentemente, a sua autoridade são afectadas também pelo tempo cada vez
maior que se dedica aos meios de comunicação e à tecnologia da distracção. Além
disso, hoje, a autoridade é olhada com suspeita e os adultos são duramente
postos em discussão. Eles próprios abandonam as certezas e, por isso, não dão
orientações seguras e bem fundamentadas aos seus filhos. Não é saudável que
sejam invertidas as funções entre pais e filhos: prejudica o processo adequado
de amadurecimento que as crianças precisam de fazer e nega-lhes um amor capaz
de as orientar e que as ajude a maturar.
Deus coloca o pai na
família, para que, com as características preciosas da sua masculinidade, «esteja próximo da esposa, para compartilhar
tudo, alegrias e dores, dificuldades e esperanças. E esteja próximo dos filhos
no seu crescimento: quando brincam e quando se aplicam, quando estão
descontraídos e quando se sentem angustiados, quando se exprimem e quando
permanecem calados, quando ousam e quando têm medo, quando dão um passo errado
e quando voltam a encontrar o caminho; pai presente, sempre. Estar presente não
significa ser controlador, porque os pais demasiado controladores aniquilam os
filhos».
Alguns pais sentem-se
inúteis ou desnecessários, mas a verdade é que «os filhos têm necessidade de encontrar um pai que os espera quando
voltam dos seus fracassos. Farão de tudo para não o admitir, para não o
revelar, mas precisam dele».[iv]
Não é bom que as crianças
fiquem sem pais e, assim, deixem de ser crianças antes do tempo.
Fecundidade alargada.
Àqueles que não podem ter
filhos, lembramos que «o matrimónio não
foi instituído só em ordem à procriação (...). E por isso, mesmo que faltem os
filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimónio conserva o seu valor
e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida».
Além disso, «a maternidade não é uma realidade
exclusivamente biológica, mas expressa-se de diversas maneiras».
A adopção é um caminho
para realizar a maternidade e a paternidade de uma forma muito generosa, e
desejo encorajar aqueles que não podem ter filhos a alargar e abrir o seu amor
conjugal para receber quem está privado de um ambiente familiar adequado. Nunca
se arrependerão de ter sido generosos. Adoptar é o acto de amor que oferece uma
família a quem não a tem.
É importante insistir para
que a legislação possa facilitar o processo de adopção, sobretudo nos casos de
filhos não desejados, evitando assim o aborto ou o abandono.[v] Aqueles que assumem o desafio de adoptar e acolhem uma
pessoa de maneira incondicional e gratuita, tornam-se mediação do amor de Deus
que diz: «Ainda que a tua mãe chegasse a
esquecer-te, Eu nunca te esqueceria».[vi]
«A opção da adopção e do acolhimento exprime uma fecundidade particular
da experiência conjugal, mesmo para além dos casos de esposos com problemas de
fertilidade (...). Ao contrário das situações em que o filho é desejado a todo
o custo, como um direito ao próprio completamento, a adopção e o acolhimento,
rectamente compreendidos, mostram um aspecto importante da paternidade e da
filiação ajudando a reconhecer que os filhos, quer naturais quer adoptivos ou
acolhidos, são em si mesmos outro sujeito e é preciso recebê-los, amá-los,
cuidar deles e não apenas trazê-los ao mundo. O interesse prevalecente da
criança deveria sempre inspirar as decisões sobre a adopção e o acolhimento».
Por outro lado, «deve impedir-se o tráfico de crianças entre
países e continentes, por meio de oportunas medidas legislativas e controle
estatal».
Convém lembrar-nos também
de que a procriação e a adopção não são as únicas maneiras de viver a fecundidade
do amor.[vii] Mesmo a família com muitos filhos é chamada a deixar a
sua marca na sociedade onde está inserida, desenvolvendo outras formas de
fecundidade que são uma espécie de extensão do amor que a sustenta. As famílias
cristãs não esqueçam que «a fé não nos
tira do mundo, mas insere-nos mais profundamente nele. (...) A cada um de nós cabe
um papel especial na preparação da vinda do Reino de Deus».
A família não deve imaginar-se
como um recinto fechado, procurando proteger-se da sociedade. Não fica à
espera, mas sai de si mesma à procura de solidariedade. Assim transforma-se num
lugar de integração da pessoa com a sociedade e num ponto de união entre o
público e o privado. Os cônjuges precisam de adquirir consciência clara e
convicta dos seus deveres sociais. Quando isto acontece, não diminui o carinho
que os une; antes, enche-se de nova luz, como está expresso nos seguintes
versos: «As tuas mãos são a minha
carícia, o meu despertar diário amo-te porque tuas mãos trabalham pela justiça.
Se te amo, é porque és o meu amor, o meu cúmplice e tudo e na rua, lado a lado,
somos muito mais que dois».[viii]
Nenhuma família pode ser fecunda,
se se concebe como demasiado diferente ou «separada».
Para evitar este risco, lembremo-nos que a família de Jesus, cheia de graça e
sabedoria, não era vista como uma família «estranha»,
como um lar alheado e distante da gente. Por isso mesmo as pessoas sentiram dificuldade
em reconhecer a sabedoria de Jesus e diziam: «De onde é que isto lhe vem? (…) Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria»?[ix].
«Não é Ele o filho do carpinteiro?».[x]
Isto confirma que era uma
família simples, próxima de todos, integrada normalmente na povoação. E Jesus
também não cresceu numa relação fechada e exclusiva com Maria e José, mas de
bom grado movia-se na família alargada, onde encontrava os parentes e os amigos.
Isto explica por que, quando regressavam de Jerusalém, os seus pais admitissem
a possibilidade de o Menino de doze anos vagar pela caravana um dia inteiro, ouvindo
as histórias e partilhando as preocupações de todos: «Pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem».[xi]
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] João Paulo II,
Catequese (12 de Março de 1980), 2: Insegnamenti 3/1 (1980), 542; L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 16/III/1980), 12. 191 Cf. Idem, Carta ap.
Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 30-31: AAS 80 (1988), 1726-1729.
[ii] Francisco, Catequese
(7 de Janeiro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
8/I/2015), 12.
[iii] Catequese (28 de
Janeiro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 29/I/2015),
16.
[iv] Cf. Relatio Finalis
2015, 28. 197 Francisco, Catequese (4 de Fevereiro de 2015): L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 5/II/2015), 16.
[v]
Conc. Ecum.
Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
50. 200 V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento
de Aparecida (29 de Junho de 2007), 457.
[viii] Francisco, Discurso
no encontro com as famílias, em Manila (16 de Janeiro de 2015): AAS 107 (2015),
178. 204 Mário Benedetti, «Te quiero», in Poemas de otros
(Buenos Aires 1993), 316.
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