EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO III
O OLHAR FIXO EM JESUS: A VOCAÇÃO DA
FAMÍLIA
Os
Padres sinodais lembraram que Jesus, «ao
referir-Se ao desígnio primordial sobre o casal humano, reafirma a união
indissolúvel entre o homem e a mulher, mesmo admitindo que, “por causa da
dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres;
mas, ao princípio, não foi assi»[i]. A indissolubilidade
do matrimónio[ii] não se deve
entender primariamente como “jugo” imposto aos homens, mas como um “dom”
concedido às pessoas unidas em matrimónio. (...) A condescendência divina
acompanha sempre o caminho humano, com a sua graça, cura e transforma o coração
endurecido, orientando-o para o seu princípio, através do caminho da cruz. Nos
Evangelhos, sobressai claramente a postura de Jesus, que (...) anunciou a
mensagem relativa ao significado do matrimónio como plenitude da revelação que
recupera o projecto originário de Deus»[iii]. «Jesus, que
reconciliou em Si todas as coisas, voltou a levar o matrimónio e a família à
sua forma original[iv]. A família e o[v] matrimónio foram
redimidos por Cristo[vi], restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério
donde brota todo o amor verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e
revelada na história da salvação, recebe a revelação plena do seu significado
em Cristo e na sua Igreja. O matrimónio e a família recebem de Cristo, através
da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de
comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação
do homem à imagem e semelhança de Deus[vii] até à realização do mistério da Aliança em Cristo no
fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro».[viii] «A postura de
Jesus é paradigmática para a Igreja (...). Ele inaugurou a sua vida pública com
o sinal de Caná, realizado num banquete de núpcias.[ix] (…) Compartilhou
momentos diários de amizade com a família de Lázaro e suas irmãs[x] e com a família de
Pedro.[xi]
Escutou o pranto dos pais pelos seus filhos, restituindo-os à vida[xii] e mostrando assim
o verdadeiro significado da misericórdia, a qual implica a restauração da
Aliança[xiii]. Vê-se isto
claramente nos encontros com a mulher samaritana[xiv] e com a adúltera[xv], nos quais a noção
do pecado é avivada perante o amor gratuito de Jesus».
A
encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a
história do mundo. Precisamos de mergulhar no mistério do nascimento de Jesus,
no sim de Maria ao anúncio do anjo, quando foi concebida a Palavra no seu seio;
e ainda no sim de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos
pastores no presépio; na adoração dos Magos; na fuga para o Egipto, em que Jesus
participou no sofrimento do seu povo exilado, perseguido e humilhado; na devota
espera de Zacarias e na alegria que acompanhou o nascimento de João Baptista;
na promessa que Simeão e Ana viram cumprida no templo; na admiração dos
doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus adolescente. E, em seguida,
penetrar nos trinta longos anos em que Jesus ganhava o pão trabalhando com suas
mãos, sussurrando a oração e a tradição crente do seu povo e formando-Se na fé
dos seus pais, até fazê-la frutificar no mistério do Reino.
Este
é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume a família! É o
mistério que tanto fascinou Francisco de Assis, Teresa do Menino Jesus e
Charles de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para renovar a
sua esperança e alegria.
«A
aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o
princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar melhor as
vicissitudes da vida e da história. Sobre este fundamento, cada família, mesmo
na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do mundo. “Aqui se
aprende (…) uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família,
a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado
e inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação
familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social”[xvi]».
A
família nos documentos da Igreja.
O
Concílio Ecuménico Vaticano II ocupou-se, na Constituição pastoral Gaudium et spes, da promoção da
dignidade do matrimónio e da família[xvii].
«Definiu o matrimónio como comunidade de vida e amor[xviii], colocando o amor no centro da família (...). O “verdadeiro
amor entre marido e mulher”[xix] implica a mútua doação de si mesmo, inclui e integra a
dimensão sexual e a afectividade, correspondendo ao desígnio divino[xx]. Além disso sublinha o enraizamento dos esposos em Cristo:
Cristo Senhor “vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio”[xxi],
permanece com eles.
Na
encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude e dá aos
esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, impregnando toda a sua
vida com a fé, a esperança e a caridade. Assim, os cônjuges são de certo modo
consagrados e, por meio duma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e
constituem uma igreja doméstica[xxii], de tal modo que a Igreja, para compreender plenamente
o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de forma genuína».
Em
seguida, «na esteira do Concílio Vaticano II, o Beato Paulo VI aprofundou a
doutrina sobre o matrimónio e a família. Em particular, com a Encíclica Humanae vitae, destacou o vínculo intrínseco
entre amor conjugal e procriação: “o amor conjugal requer nos esposos uma
consciência da sua missão de ‘paternidade responsável’, sobre a qual hoje tanto
se insiste, e justificadamente, e que deve também ela ser compreendida com
exactidão (...).
O
exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam
plenamente os próprios deveres para com Deus, para consigo próprios, para com a
família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores”.[xxiii]
Na
Exortação apostólica Evangelii nuntiandi,
Paulo VI salientou a relação entre a família e a Igreja».[xxiv].
«São
João Paulo II dedicou especial atenção à família, através das suas catequeses
sobre o amor humano, a Carta às famílias Gratissimam
sane e sobretudo com a Exortação apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a
família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação ao
amor do homem e da mulher; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da
família e para a presença da família na sociedade. Concretamente, ao tratar da
caridade conjugal[xxv], descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor mútuo,
recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua vocação à santidade».
«Bento
XVI, na Encíclica Deus caritas est,
retomou o tema da verdade do amor entre o homem e a mulher, que se vê iluminado
plenamente apenas à luz do amor de Cristo crucificado[xxvi]. Sublinha que “o matrimónio baseado num amor exclusivo
e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa,
o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”[xxvii]. Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, destaca a importância do amor como princípio
de vida na sociedade[xxviii], lugar onde se aprende a experiência do bem comum».[xxix]
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por AMA)
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