05/02/2019

Leitura espiritual


Há na verdade um Deus no Céu?


Pergunta:

A fé desses cristãos católicos dos quais o Senhor é pastor e mestre (bem como “Vice” do único Pastore Mestre) tem três “graus”, três “níveis”, unidos uns aos outros: Deus, Jesus Cristo, a Igreja.

Todo o cristão crê que Deus existe.
Todo o cristão crê que esse Deus não só falou, mas assumiu a carne do homem sendo uma das figuras da História, em tempos do Império Romano: Jesus de Nazaré.

Mas, entre os cristãos, um católico vai mais além: cré que esse Deus, que esse Cristo, vive e actua – como que num “corpo”, para usar um dos termos do Novo Testamento –na Igreja cuja Cabeça visível na terra é agora o Senhor, o Bispo de Roma.

A fé, naturalmente, é um dom, uma graça divina; mas também a razão é um dom divino. Segundo as antigas exortações dos santos e doutores da Igreja, o Cristão “Crê para entender”; mas também está chamado a “entender para crer”.

Comecemos, pois, pelo princípio, Santidade, situando-nos numa perspectiva unicamente humana – se tal for possível, pelo menos momentaneamente -,pode o homem e como, chegar à convicção de que Deus existe verdadeiramente?

Resposta:

A sua pergunta refere-se, no fim de contas, à distinção pascaliana entre o Absoluto, quer dizer, o Deus do filósofos (os libertins racionalistas) e o Deus de Jesus Cristo e, antes, , o Deus dos patriarcas, desde Abraão a Moisés.
Somente este segundo é o Deus vivo.
O primeiro é fruto do pensamento humano, da especulação humana, que, todavia, está em condições de poder dizer algo válido sobre Ele, como a Constituição conciliar sobre a Divina Revelação, a Dei Verbum, recordou (n. 3).
Todos os argumentos racionais, no fim de contas, seguem o caminho indicado pelo Livro da Sabedoria e pela Carta aos Romanos: vão do mundo visível ao mundo invisível.

Por essa mesma via procedem de modo diferente Aristóteles e Platão, do qual, todavia, se distanciou, e justamente para os cristãos o Absoluto filosófico, considerado como Primeiro Ser ou como Supremo Bem, não revestia muito significado. Para quê entrar nas especulações filosóficas sobre Deus – perguntavam-se –se o Deus vivo tinha falado, não somente por meio dos profetas, mas também por meio do Seu próprio Filho? A Teologia dos Padres, especialmente no Oriente, distancia-se cada vez mais de Platão e, em geral, dos filósofos. A mesma filosofia, no cristianismo do Oriente europeu, acabam por resolver-se numa teologia (assim por exemplo), nos tempos modernos, com Vladimir Soloviev).

São Tomás, contrariamente, não abandona a via dos filósofos. Inicia a Summa Theologiae com a pergunta: «An Deus sit»? («Deus existe?» [i]
A mesma pergunta que o senhor me faz. Essa pergunta demonstrou ser muito útil. Não somente criou a teodiceia, mas que toda a civilização ocidental, que é considerada a mais desenvolvida, seguiu concordante com esta pergunta. E se hoje a Summa Theologiae, infelizmente, se deixou um pouco de lado, a sua pergunta inicial continua válida, e continua ressoando na nossa civilização.

Chegados a este ponto, há que citar um parágrafo da Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II: Realmente os desequilíbrios que o mundo moderno sofre estão ligados a esse outro desequilíbrio fundamental que mergulha as suas raízes no coração humano. São muitos os elementos que combatem no próprio interior do homem. Por um lado, como criatura, o homem experimenta múltiplas limitações; por outro lado sente-se, todavia, ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por muitos outros desejos, tem de eleger um e renunciar a outros.
Além disso como doente e pecador, não raramente faz o que não quer, e deixa de fazer o que queria levar a cabo. Por isso sofre em si mesmo uma divisão, da qual provêem tantas e tão graves discórdias na sociedade (…). Apesar disso, ante a actual evolução do mundo, são cada dia mais numerosos, os que se colocam ou acometem com nova penetração as questões mais fundamentais: O que é o homem? Qual é o sentido da dor, do mal, da morte, que, apesar de tantos progressos, todavia subsistem? O que valem estas conquistas conseguidas a tão alto preço? O que aporta o homem à sociedade e que pode esperar; ela? Que haverá depois desta vida?
Isto: A Igreja crê que Cristo, morto e ressuscitado por todos, dá sempre ao homem, mediante o Seu Espírito, luz e força para responder à sua vocação máxima e que não foi dado na terra outro nome aos homens pelo qual possam salvar-se.
Crê igualmente que a chave, o centro e o fim do homem e de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre. [ii]

Esta passagem conciliar tem uma riqueza imensa.
Adverte-se claramente que a resposta à pergunta Deus sit? Não é só uma questão que afecte o intelecto, é ao mesmo tempo, uma questão que abarca toda a existência humana. 

Não é somente uma questão do intelecto, mas também uma questão da vontade do homem, mais ainda, é uma questão do coração humano (as raisons du coeur de Blas Pascal)

Penso que é injusto considerar que a postura de São Tomás se esgote só no âmbito racional. Há que dar razão, é verdade a Étiene Gilson quando diz com Tomás que o intelecto é a criação mais maravilhosa de Deus; mas isso não significa absolutamente ceder a um racionalismo unilateral.
Tomás é esclarecedor de toda a riqueza e complexidade de todo o ser criado e especialmente do ser humano.
Não é justo que o seu pensamento se tenha fechado neste período pós-conciliar; Ele, realmente, não deixou de sero mestre do universalismo filosófico e teológico.
Neste contexto devem ser lida as suas quinque viae, quer dizer, as cinco vias que levam a responder à pergunta: 

An Deus sit?


(Cfr entrevista de Vittorio Messori a São João Paulo II, CRUZANDO EL UMBRAL DE LA ESPERANZA, Outubro de 1994)
(Tradução do castelhano por AM
A)



[i] Cfr I, q. 2. A.3
[ii] (GS 10)

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