LEGENDA MAIOR
Vida de São Francisco de Assis
SEGUNDA PARTE
CAPITULO 13
Os
sagrados estigmas
7. Nas terras em volta do
monte Alverne, antes que o santo viesse morar aí temporariamente, as colheitas
todos os anos eram destruídas por violentas tempestades de granizo, provocadas
por uma nuvem que se elevava sobre o monte.
Mas depois daquela
grandiosa e santa aparição, para espanto dos moradores, não mais ocorreu chuva
de granizo.
Evidentemente o próprio
aspecto do céu sereno reflectia também a grandeza daquela visão e a virtude
taumatúrgica dos estigmas, que Francisco aí recebera.
Sucedeu que, indo
Francisco montado num jumentinho de propriedade de um homem pobre, por causa da
sua fraqueza física e da aspereza do caminho, em tempo de inverno, teve que
pernoitar sob um rochedo mais saliente para fugir de algum modo à inclemência
da noite e da neve que caía, e em razão das quais não lhe fora possível chegar
ao convento.
O santo ouvia aquele homem
queixar-se em voz baixa, movendo-se continuamente de um lado para outro tolhido
de frio, desagasalhado e sem poder descansar um só momento, e, cheio de santa
caridade, estendeu a mão ao pobre homem e tocou-o.
Prodígio inaudito!
Ao contacto daquela mão,
inflamada no fogo do amor divino, desapareceu completamente o frio daquele
homem, que sentiu dentro e fora de si um calor tão intenso, como se viesse
sobre ele a chama de um fogo ardente.
Confortado, pois, no corpo
e na alma, dormiu tão tranquilamente até de manhã entre aqueles penhascos
cobertos de neve, como jamais conseguiria num leito macio conforme ele mesmo
afirmou mais tarde.
São esses indícios certos
que provam que os estigmas tiveram sua origem no poder daquele que, por
intermédio dos serafins, purifica, ilumina e inflama, pois deram ao santo o
poder de curar livrando da peste, de dar claridade ao céu e aos corpos calor.
Outros prodígios
realizados após a sua morte e referidos mais adiante vêm reforçar esta
convicção com toda evidência.
8. Os estigmas eram para
ele o “tesouro descoberto num campo” (cf.
Mt 13,44) e que ele tinha o sumo cuidado de ocultar.
Mas não conseguiu
escondê-los por muito tempo, apesar de trazer as mãos sempre cobertas e os pés
continuamente calçados.
De facto muitos irmãos os
viram durante a vida do santo. E embora tais irmãos fossem dignos de toda fé
por sua extraordinária santidade, assim mesmo, para se descartar qualquer
dúvida, juraram sobre os santos Evangelhos, afirmando ser certo que os tinham
visto.
Viram-nos igualmente, por
ocasião da íntima familiaridade que tinham com o santo, alguns cardeais, que
deixaram, em prosa, hinos e antífonas em honra de Francisco, louvores às chagas
do santo, dando fiel testemunho delas por escrito e pela palavra.
O Sumo, Pontífice
Alexandre IV, enfim, num sermão feito na presença de inúmeros irmãos e de mim
mesmo, afirmou ter visto com seus próprios olhos os sagrados estigmas no tempo
em que o santo ainda vivia.
Após sua morte, mais de cinquenta
irmãos puderam contemplá-los, como Clara, a virgem devotíssima, suas Irmãs e
inúmeros fiéis, dentre os quais muitos os beijaram devotamente, como veremos
mais adiante, e os tocaram com suas mãos a fim de se convencer da verdade.
A chaga do lado, porém,
ocultava-a ele com tanto cuidado, que aqueles que a viram só o conseguiram
furtivamente. Um dos irmãos que o servia habitualmente e com muita delicadeza,
usando um piedoso estratagema, conseguiu que ele tirasse a túnica sob pretexto
de a sacudir, o que lhe permitiu observar a chaga com atenção e rapidamente
aplicar três dedos tomando assim a medida daquela ferida pela vista e pelo tacto.
Graças a um artifício
semelhante, o irmão que era então seu vigário também conseguiu observá-la.
Um irmão de uma
simplicidade admirável lhe esfregava certo dia as espáduas doentes; a sua mão
por descuido atingiu-o no local da chaga, causando-lhe uma dor bastante forte.
Por isso desde então
usava, para proteger o ferimento, roupas íntimas que lhe chegavam até as
axilas.
Os irmãos encarregados de
lavá-las e sacudir a sua túnica periodicamente viam-nas manchadas de sangue.
Por tais indícios lhes foi
revelada a sagrada chaga que a seguir puderam contemplar às claras e venerar
com todos os outros depois da morte de Francisco.
9. Empunha, portanto,
valente soldado de Cristo, as armas desse chefe invencível, com as quais,
fortalecido e assinalado, poderás vencer a todos os inimigos!
Levanta o estandarte do
Rei altíssimo, a cuja vista recuperem força e valor todos os esquadrões do
exército celeste. Exibe diante do mundo o selo do Sumo Pontífice, Cristo, e
assim tenham todos com razão por autênticas e irrefutáveis tuas acções e
palavras. Pois, sem dúvida alguma, por causa das chagas de Cristo Jesus que
levas em teu corpo, ninguém te seja molesto, mas todos os servos de Cristo
estão obrigados a ter para contigo particular devoção.
Por esses sinais
indubitáveis, que não só receberam a comprovação necessária dos dois ou três
testemunhos, mas que foram reconhecidos superabundantemente por um grande
número de pessoas, se demonstra que os testemunhos de Deus tornaram-se tão
dignos de crédito em ti e por ti, que aos incrédulos não há lugar para
desculpas que justifiquem sua conduta, mas, ao contrário, se firma a fé dos
crentes, aumentam os sólidos motivos de esperança e se acende mais e mais o
fervor da caridade.
10. A tua primeira visão
realizou-se, anunciando que serias um dos chefes do exército de Cristo, munido
pelo céu com as armas da cruz.
A visão que tiveste de
Jesus crucificado realizou-se e foi ai que traspassou tua alma; e também se
realizou aquela visão em que ouviste a voz que vinha da cruz como do trono e do
altar onde Cristo residia, como nós cremos sem hesitar.
Realizou-se a visão de
Frei Silvestre: a cruz maravilhosa que saía de tua boca.
Como também a de Frei
Pacífico: as duas espadas cruzadas que traspassavam teu corpo; e a do angélico
Frei Monaldo, que te viu elevado no ar, braços em cruz, durante o sermão de
Santo António sobre o título que encima a cruz: visões, essas, que não eram
imaginações mas revelações do céu e às quais damos nossa fé mais irrestrita.
Realizou-se enfim essa
visão simultânea de um sublime serafim e de um humilde crucificado que,
abrasando a tua alma de amor e marcando o teu corpo com estigmas,
transformou-te no segundo anjo que sobe do Oriente e leva o sinal do Deus vivo (Ap
7,2); ela confirma as anteriores e delas recebe um testemunho acrescido.
Sete vezes, portanto, a
cruz de Cristo aparece a teus olhos ou é revelada em tua pessoa aos olhos dos
teus companheiros.
As seis primeiras eram
como degraus para chegares à sétima na qual enfim repousaste.
Essa cruz de Cristo, efectivamente,
te foi proposta no início da tua conversão e a aceitaste.
Levaste-a continuamente em
seguida durante tua vida de perfeição e deste dela um exemplo aos outros.
E agora ela nos mostra com
tal evidência tua chegada ao cume da perfeição do Evangelho, que nenhum homem
verdadeiramente religioso poderá rejeitar, nenhum homem realmente fiel poderá
atacar, nenhum homem efectivamente humilde poderá desprezar essa prova da
sabedoria cristã escrita em tua carne.
Ela é digna de nosso
respeito e de nossa fé, pois é obra do próprio Deus.
(cont
São Boaventura
Revisão da versão
portuguesa por AMA
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