LEGENDA MAIOR
Vida de São Francisco de Assis)
SEGUNDA PARTE
CAPITULO 15
Sua
canonização e trasladação de seus restos mortais
1. Por uma ascensão
contínua e com a ajuda da graça divina, chegara Francisco, amigo e servo do
Altíssimo, às maiores culminâncias de sua existência: fundador e chefe da Ordem
dos Frades Menores, propagador da pobreza, modelo de penitência, pregador da
verdade, espelho de santidade e exemplo acabado da mais alta perfeição evangélica.
O Senhor que havia dado
uma glória magnífica ainda em vida a este homem admirável, riquíssimo na
pobreza, sublime na humildade, portentoso na mortificação, prudente na
simplicidade e extraordinário na honestidade de todo seu comportamento,
tornou-o incomparavelmente mais resplandecente de glória depois da sua morte.
Efectivamente, ao deixar
este mundo aquele homem santo e ao entrar seu espírito seráfico na mansão
ditosa da eternidade, para aí se inebriar suavemente na fonte inesgotável da vida,
a sua alma deixava neste mundo, impressas em seu corpo, provas evidentes da
glória que o aguardava: a carne santíssima, que ele havia crucificado com todos
os seus vícios, tinha-se transformado em nova criatura já nesta vida e oferecia
a todos, por um privilégio singular, uma imagem da paixão de Cristo e uma
prefiguração da ressurreição.
2. Nas mãos e pés do
santo, podiam ver-se os cravos milagrosamente trabalhados em sua carne pelo
poder de Deus e tão aderentes a ela que, quando se apertavam suavemente por um
de seus lados, sobressaíam pelo lado oposto, como se fossem feitos de uma só peça.
No seu lado também se viu
uma chaga semelhante em tudo à do lado do Salvador, a qual não lhe foi feita
nem causada por artifício humano, como símbolo daquela que no próprio Redentor
foi causa da salvação e regeneração dos homens.
Os cravos tinham cor
negra, semelhante ao ferro; mas a chaga do lado parecia vermelha, formando, com
a contracção da carne, uma espécie de círculo.
Dava a impressão de uma
rosa belíssima.
O restante do corpo, que,
pelas enfermidades e por sua própria natureza, aparentava uma cor morena,
apareceu iluminado de uma brancura própria dos corpos glorificados.
3. Os seus membros,
flexíveis e brandos aos que os tocavam, pareciam ter encontrado a frescura da
infância p e não poucos viram nisso um sinal de sua inocência.
Os cravos destacavam-se em
sua cor escura sobre aquela pele clara, ao passo que a chaga do lado, com a sua
cor vermelha, parecia rosa na primavera: compreendem-se pois a alegria e
admiração de todos os que podiam contemplar esse espectáculo de beleza tão
diversa e tão maravilhosa.
Os irmãos lamentavam a
perda de um Pai tão amável, mas não deixavam de se alegrar ao beijarem sobre
ele as armas do, Grande Rei.
Um milagre tão inaudito transformava
o luto em júbilo. A inteligência humana por mais que investigasse, não chegava
a compreender esses factos, mas caía num profundo êxtase.
Para as testemunhas, esse espectáculo
estranho e notável era um convite a crer e a amar ainda mais, e para aqueles
que recebiam a notícia representava um motivo de admiração e um apelo a vir contemplá-lo.
4. Logo que ficou público
o passamento do bem-aventurado Pai e se divulgou a fama dos milagres que o
acompanharam, o povo acorreu em grande número ao lugar onde jazia o santo, para
contemplar com os próprios olhos aquele portento, dissipando-se assim toda
dúvida da inteligência e transformando-se em gozo o pesar que a morte lhes
havia causado.
Muitos cidadãos de Assis
puderam examinar com os seus próprios olhos as sagradas chagas e nelas imprimir
o ósculo de seu amor.
Um desses cidadãos,
cavaleiro instruído e prudente, chamado Jerónimo, homem muito famoso, duvidando
da realidade das sagradas chagas e mostrando-se muito incrédulo, como Tomé, com
maior resolução e atrevimento que os demais, começou a tocar, diante dos irmãos
e dos seus concidadãos, as mãos e os cravos do santo, e a tocar com suas
próprias mãos os pés e a chaga do lado direito, como se quisesse com aquele
toque nas verdadeiras marcas das chagas de Cristo arrancar do seu coração e de
todos os presentes as raízes mais profundas de qualquer dúvida ou ansiedade.
Esse homem tornou-se a
seguir uma das testemunhas mais convictas de uma verdade que ele havia
adquirido de modo tão irrefragável, dando testemunho da verdade e jurando sobre
os santos Evangelhos.
5. Também os irmãos haviam
sido chamados ao passamento do Pai: juntaram-se à multidão e na noite que
seguiu à morte do bem-aventurado confessor de Cristo tantos louvores se deram a
Deus, que parecia mais uma liturgia celebrada entre os anjos do que uma vigília
funerária.
De manhã cedo a multidão,
munida de ramos e velas, trasladou o sagrado corpo à cidade de Assis, e ao
passar em frente da igreja de São Damião, onde morava então, com outras irmãs,
a gloriosa virgem Clara, que já goza triunfante no céu, pararam um pouco para
proporcionar àquelas sagradas virgens oportunidade de ver e beijar o venerável
corpo, adornado de preciosas e celestiais pérolas.
Chegados, por fim, à
cidade, depositaram, cheios de júbilo e com grande reverência, na igreja de São
Jorge, o precioso tesouro que levavam.
E fizeram isso em atenção
ao facto de que, naquele mesmo lugar, Francisco havia aprendido, em criança, as
primeiras letras; aí pregou depois pela primeira vez e aí por fim encontrou,
depois de morto, o primeiro lugar de seu descanso.
6. Partiu deste mundo o
seráfico Pai São Francisco no ano da encarnação do Senhor de 1226, ao anoitecer
do Sábado 3 de Outubro, sendo sepultado no Domingo seguinte.
Logo começou o
bem-aventurado Pai, já reinando na eterna glória, a resplandecer por seus
muitos e estupendos milagres, fazendo o Senhor que a sublime santidade com que
Francisco sobressaíra no mundo, como exemplo de santos costumes e perfeita
justiça, recebesse um testemunho irrecusável do céu com os prodígios que operava,
quando já reinava com Cristo na pátria celeste.
Logo se espalharam pelo
mundo os milagres do santo; e os extraordinários benefícios que por sua
intercessão se alcançavam acenderam em muitos o fogo do amor divino e os
estimularam à devoção e ao culto do santo, a quem aclamavam com as palavras e
as obras.
Por outro lado, também não
demoraram a chegar aos ouvidos do Papa Gregório IX as grandes maravilhas que
Deus operava por intercessão do servo de Deus.
7. O pastor da Igreja que
nenhuma dúvida tinha sobre a sua admirável santidade, depois de todos os
milagres a ele referidos desde a morte do santo e de todos aqueles prodígios de
que fora testemunha durante a vida, tendo visto com os seus olhos e tocado com
as suas mãos, por assim dizer, esses factos, não duvidando da glória que o
Senhor já lhe reservara no céu, decidiu, para pautar a sua conduta com a de
Cristo de quem ele era vigário, glorificá-lo também na terra propondo-o à
veneração de todos.
A fim de dar ao mundo
inteiro plena certeza sobre a glorificação do santo, mandou examinar pelos
cardeais menos favoráveis à causa todos os milagres relatados e atestados por
testemunhas fidedignas: foram cuidadosamente verificados, reconhecido seu valor,
e uma vez obtida a unanimidade de julgamento e aprovação entre todos os seus
irmãos e de todos os prelados presentes à Cúria, o papa decidiu canonizar
Francisco.
Foi pessoalmente a Assis
no ano de 1228 da encarnação do Senhor e, no dia 16 de Julho, que era um Domingo,
durante solenidades que seria por demais longo descrever aqui, inscreveu o
bem-aventurado Pai no rol dos santos.
8. No ano do Senhor de
1230, dia 25 de Maio, durante o capítulo geral reunido em Assis, os irmãos
transportaram para a basílica construída em sua honra o corpo do santo
consagrado ao Senhor.
Durante a trasladação
desse tesouro sagrado marcado com o selo do Grande Rei, aquele cujas marcas ele
trazia dignou-se, por seu intermédio, realizar numerosos milagres para que, ao
odor suavíssimo que desprendia, fossem os fiéis atraídos a correr em seguimento
de Cristo.
Efectivamente, era muito
justo que aquele a quem Deus havia trasladado, como em outro tempo a Enoque (cf.
Gn 5,24), ao paraíso da mais sublime contemplação, por ter sido durante a
vida tão fiel ao amado, e a quem havia arrebatado ao céu num carro de fogo, por
seu ardente zelo de caridade, como a outro Elias (cf. 4Rs 2,11), era
muito justo que aqueles ossos benditos de Francisco, que haviam de germinar maravilhosamente,
espalhassem agradabilíssimo perfume desde seu sepulcro, como flores de
primavera plantadas nos jardins do céu.
9. Brilhara ele em vida
por suas virtudes; e após sua morte resplandece de milagres, para a glória de
Deus, em todos os cantos da terra. Cegos, surdos, mudos, coxos, hidrópicos,
paralíticos, possessos e leprosos, náufragos e prisioneiros encontram, por seus
méritos, um remédio para seus males.
Não existe doença, perigo
ou necessidade às quais ele não acuda com seu auxílio, para não falar dos
defuntos que ele ressuscitou milagrosamente. Dessa forma, a glória concedida a
um santo manifesta a grandeza e o poder do Altíssimo, a quem pertencem a honra
e a glória por infinitos séculos dos séculos.
Amém.
(cont)
São
Boaventura
Revisão
da versão portuguesa por AMA
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