10/11/2018

Leitura espiritual

Resultado de imagem para são francisco de assisLEGENDA MAIOR 

Vida de São Francisco de Assis)

SEGUNDA PARTE

CAPITULO 14

Sua admirável paciência e morte

1. Crucificado agora com Cristo em sua carne e em seu espírito, ardia Francisco como ele de um amor seráfico por Deus e como ele tinha sede da salvação dos homens.
Por isso fazia transportar seu corpo quase desfalecido, que já não podia caminhar por causa dos cravos que repontavam dos pés, pelas cidades e aldeias, convidando todos os homens a carregar a cruz de Cristo.
E dizia a seus irmãos: “Meus irmãos, comecemos a servir ao Senhor, porque até agora pouco temos feito!”
Sentia, além disso, um intenso desejo de voltar aos inícios de sua vida humilde para consagrar-se outra vez ao serviço dos leprosos e submeter seu corpo à servidão, extenuado já por tantos sofrimentos e trabalhos.
Com a ajuda de Cristo, pretendia fazer coisas grandes, extraordinárias; e animado pela força de seu espírito, sem atender à debilidade de seus membros, esperava, em nova batalha, triunfar gloriosamente do inimigo; pois não há lugar para o temor e desídia onde o acicate do amor estimula a obras sempre maiores.
Era tão grande em Francisco a submissão do corpo ao espírito e tão grande a prontidão de sua obediência que, havendo o espírito proposto elevar-se ao cume da mais alta santidade, o corpo não só não lhe opôs obstáculo algum, mas também em certo modo se adiantava a seus desejos.

2. Deus, porém, queria aumentar os méritos do santo. Estes, no entanto, só encontram sua perfeição consumada na paciência: Francisco foi atormentado por toda espécie de doenças tão penosas, que nenhum de seus membros escapou a dores violentas.
Ficou em tal estado, por causa de dores tão repetidas, que, consumidas já as suas carnes, restavam-lhe apenas a pele e os ossos.
E embora fossem quase insuportáveis as dores do corpo, não lhes dava o nome de inimigas, mas o de irmãs.
Certo dia em que se exacerbavam notavelmente os seus padecimentos e compadecendo-se dele um irmão muito simples, disse-lhe:
“Pai, pede a Deus que te trate com alguma benignidade maior, pois parece que lhe agrada fazer-te sofrer com excessivo rigor”.
Santamente irritado, ao ouvir essas palavras, Francisco exclamou com um profundo gemido:
“Se eu não conhecesse, meu bom irmão, a tua excessiva simplicidade, eu haveria de me separar da tua companhia, porque te atreveste a considerar como repreensíveis os altos juízos de Deus a meu respeito”.
E embora extenuado pela enfermidade que se arrastava, atirou-se por terra, batendo com os ossos no chão, depois, beijando o solo, disse:
“Eu vos dou graças, meu Senhor e meu Deus, por todas essas minhas dores e peço-vos que as multipliqueis, se for do agrado de vossa divina vontade; pois será para mim coisa extremamente agradável que, afligindo-me com dores, não tenhais compaixão de mim, já que encontro os mais inefáveis consolos em cumprir vossa santíssima vontade”.
Os irmãos julgavam ver em Francisco um novo Job cuja força de alma aumentava, à medida que cresciam os sofrimentos do corpo.
Muito tempo antes ele conheceu a hora de sua morte.
E quando ela se aproximou, ele anunciou aos irmãos que muito em breve a sua alma deixaria o tabernáculo do seu corpo (cf. 2Pd 1,14), conforme o mesmo Cristo se dignara revelar-lhe.
3. Passados já dois anos dos estigmas sagrados, isto é, vinte anos após sua conversão, literalmente trabalhado sob os golpes redobrados, das angústias e enfermidades, como pedra destinada a entrar na construção da Jerusalém celeste, batido pelo martelo de múltiplas tribulações, devia ser elevado ao cume da perfeição.
Pediu que o conduzissem a Santa Maria dos Anjos ou da Porciúncula, a fim de exalar o último suspiro da vida, ali mesmo, onde anos antes recebera tão abundantemente os dons do espírito.
Tendo chegado aí, querendo mostrar pelo exemplo que nada tinha em comum com o mundo nesta enfermidade que deveria ser a derradeira, levado sempre pelo fervor, prostrou-se nu em terra nua para que nessa hora última, em que o inimigo desfecharia o assalto supremo, ele pudesse lutar nu contra um adversário nu.
Estava aí, deitado sobre a terra, despojado de seu cilício, a mão esquerda sobre a chaga do lado direito para ocultá-la, fixando com os olhos o céu como gostava de fazer e suspirando com toda a alma à glória eterna... Disse aos irmãos:
“Cumpri minha missão: que Cristo vos ensine a cumprir a vossa!’?

4. Choravam inconsoláveis os companheiros do santo, feridos pelo sentimento de uma terna compaixão, e um deles, a quem Francisco chamava de guardião, conhecendo por inspiração divina os desejos do moribundo, correu às pressas a buscar a túnica, o cordão e as outras roupas de baixo, e tudo isso ofereceu ao Pobrezinho de Cristo, dizendo-lhe ao mesmo tempo:
“Entrego-te estas coisas porque és um verdadeiro pobre; recebe-as tu, obrigado pelo preceito da santa obediência”.
Alegrou-se com isso o seráfico Pai e o seu coração inundou-se de júbilo ao ver que até ao fim da sua vida havia guardado a fidelidade prometida à sua senhora, a santa Pobreza; e elevando as mãos ao céu, louvou a Cristo, conhecendo que, livre de tudo o que é terreno, corria desimpedido para ele.
Tudo isso o fizera ele impelido pelo amor à pobreza, não querendo possuir nem um simples hábito para seu uso que não fosse recebido como esmola.
Em tudo quis conformar-se com Cristo crucificado, que esteve pendente da cruz, pobre, cheio de dores e completamente nu.
Francisco começou sua consagração total ao Senhor por um ato heróico, despojando-se de suas vestes em presença do bispo de Assis, e ao fim da vida, completamente nu quis sair deste mundo, ordenando por santa obediência aos irmãos que o assistiam que, quando o vissem morto, deixassem seu cadáver inteiramente despido no chão por tanto tempo quanto fosse necessário a uma pessoa para percorrer o espaço de uma milha.
Ó varão verdadeiramente cristão, que quiseste viver em tudo conforme com a vida de Cristo, morrer como ele morreu e como ele permanecer como cadáver abandonado depois de morto e que mereceste as honras da impressão no teu corpo dessa perfeita semelhança!

5. Chegada a hora, ele mandou chamar para perto de si todos os irmãos então presentes e com algumas palavras de consolo para amenizar o pesar dos que ficavam, exortou-os de todo coração de pai a amar a Deus.
Acrescentou algumas palavras sobre a paciência, a pobreza, a fidelidade à Igreja Romana, recomendando-lhes o santo Evangelho acima de qualquer Constituição.
Enfim, estendeu as mãos sobre todos os irmãos que o cercavam, com os dois braços em cruz, como sempre apreciara esse gesto, e abençoou a todos seus irmãos, ausentes e presentes, em nome do Crucificado e por seu poder.
Acrescentou: “Temei ao Senhor, meus filhos, e permanecer sempre unidos a ele. Virá a tentação, e a tribulação está perto, mas felizes aqueles que perseverarem até ao fim. De minha parte, volto para meu Deus e vos deixo confiados à sua graça”.
Mandou trazer o livro dos Evangelhos e pediu que lessem a passagem de São João que assim começa:
Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, havendo amado os seus que estavam no mundo, até ao extremo os amou...” (Jo 13,1).
E reunindo as suas pobres forças, começou a recitar o salmo que principia:
 “Lanço um grande brado ao Senhor, em alta voz imploro ao Senhor”, até as últimas palavras: “Os justos virão rodear-me, quando me fizerdes este benefício” (Sl 141,1-8).


6. Cumpridos enfim todos os desígnios de Deus em Francisco, sua alma santíssima livrou-se da carne para ser absorvida no abismo da claridade de Deus, e dormiu tranquilamente no Senhor.
Um dos seus irmãos e discípulos viu a sua alma subindo para o céu na forma de uma estrela esplêndida levada por uma branca nuvem por cima de imensa extensão de água, alma refulgente nos esplendores de sua sublime santidade e transbordante das riquezas da graça e da sabedoria do céu, que valeram ao santo penetrar na mansão de luz e de paz, onde ele goza agora do repouso eterno.
Na Terra di Lavoro, Frei Agostinho, homem de grande santidade, que então era ministro dos irmãos, encontrando-se próximo à morte e havendo perdido muito antes o uso da fala, recobrou-a subitamente e começou de repente a clamar:
“Espera-me, Pai, espera-me um pouco; quero unir-me a ti!”  
Cheios de admiração, perguntaram-lhe os irmãos a quem dirigia estas palavras, e ele respondeu:
“Então não vedes nosso Pai Francisco que parte para o céu?”
No mesmo instante, sua alma santa, deixando a carne, partia ao encalço do Pai santíssimo.
O bispo de Assis encontrava-se então em peregrinação ao santuário de São Miguel no monte Gargano. Apareceu-lhe o bem-aventurado Francisco na mesma noite da sua morte e disse-lhe: “Deixo o mundo e parto para o céu”.
Ao levantar-se o bispo na manhã seguinte, referiu aos companheiros o que lhe havia acontecido em sonho, e ao regressar à sua cidade de Assis, feitas as verificações oportunas prévias, ficou sabendo com certeza que o santo tinha deixado o mundo no momento em que lhe veio pessoalmente anunciar a notícia.
As cotovias, tão amantes da luz e tão inimigas das trevas nocturnas, aproximaram-se em grande número, pondo-se no lugar em que o santo acabava de exalar o último suspiro, já quando a noite caía, e em alegres revoadas, pareciam querer dar um testemunho tão espontâneo quanto evidente da glória daquele que tantas vezes as havia convidado a cantar os louvores do Criador.

(cont

São Boaventura

Revisão da versão portuguesa por AMA

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