26/10/2018

Leitura espiritual

Resultado de imagem para são francisco de assis
LEGENDA MAIOR  

Vida de São Francisco de Assis

CAPITULO 7

Amor à pobreza e intervenções miraculosas nas necessidades

1 . Entre outros dons e carismas que o Doador de todos os bens concedeu a Francisco, houve um privilégio singular: o de crescer nas riquezas da simplicidade através do amor pela altíssima pobreza.
Considerando o santo que esta virtude havia sido familiar ao Filho de Deus e vendo-a quase desterrada do mundo, quis torná-la sua esposa, amando-a com amor eterno, e por ela não só deixou pai e mãe, mas generosamente distribuiu tudo quanto possuía. Ninguém foi tão ávido de ouro quanto o foi Francisco da pobreza e ninguém pôs tanto cuidado em guardar os seus tesouros como o foi ele em conservar tão preciosa pérola.
Por isso nada o ofendia tanto como ver em seus irmãos qualquer coisa que não estivesse inteiramente de acordo com a pobreza.
E na verdade, o santo, desde o início de sua vida religiosa até a morte possuiu estas riquezas: a túnica, o cordão e as roupas de baixo; e vivia contente.
Muitas vezes recordava, sem poder conter as lágrimas, a pobreza de Cristo e de sua Mãe.
Afirmava que esta é a rainha das virtudes, porque a vemos brilhar com pleno fulgor mais do que todas as outras, no Rei dos reis e na Rainha sua Mãe.
Por essa razão, certa vez, reunidos os irmãos e tendo-lhe um deles perguntado qual a virtude mais apropriada do que qualquer outra para se captar a perfeita amizade de Cristo, respondeu como quem descobre um segredo íntimo do coração.
“Sabei, irmãos, que a pobreza é o caminho mais seguro para a salvação, como fundamento que é da humildade e raiz de toda perfeição, e os seus frutos, embora ocultos, são múltiplos e abundantíssimos. Essa virtude é aquele tesouro evangélico escondido no campo; para comprá-lo deve-se vender tudo e por seu amor desprezar tudo o que não se pode vender”.

2. E dizia: “Quem pretende chegar ao cume da pobreza deve renunciar não somente à prudência segundo o mundo, mas também às letras e às ciências; assim despojado daquilo que ainda é uma forma de posse, proclamará o poder do Senhor (cf. SI 73,15-16) e se oferecerá nu ao abraço do Crucificado.
Aquele que guarda sua reservazinha de amor-próprio no íntimo do coração ainda não renunciou inteiramente ao mundo”.
Nos seus sermões aos irmãos sobre a pobreza, muitas vezes citava esta passagem do Evangelho: “As raposas têm suas covas e os pássaros seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20).
Daí concluía que os irmãos não devem construir senão casas pequenas e pobres, como os pobres fazem, nem se instalar nelas como proprietários mas comportar-se como peregrinos e estrangeiros na casa dos outros. Ser peregrino, dizia ele, é ser recebido na casa dos outros, ter nostalgia da pátria e irradiar a paz à sua passagem.
Mandava mesmo derrubar casas já construídas ou fazia sair delas os irmãos, quando as considerava contrárias à pobreza evangélica por terem os irmãos aceite a propriedade deles ou exagerado o seu conforto. Para ele a pobreza era a pedra fundamental da Ordem, fundamento de todo esse edifício que permanecerá sólido enquanto ela for sólida e se um dia ela desaparecer, ficará completamente destruído.
“Para se entrar na vida religiosa, ensinava ele de acordo com uma revelação, é preciso começar praticando esta palavra do Evangelho: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis e dá-o aos pobres”’ (Mt 19,21).  
Por essa razão só admitia à Ordem aquele que houvesse renunciado à propriedade e nada absolutamente, retivesse para si.
Assim se conformava ao Evangelho e evitava o escândalo que provocaria o costume das bolsas particulares.
Um homem da Marca de Ancona pediu-lhe um dia admissão na Ordem. “Se quiseres partilhar a vida dos pobres de Cristo, disse-lhe Francisco, distribui entre os pobres do mundo tudo o que possuis”.
Ao ouvir isso, retirou-se ele, distribuiu seus bens à própria família e os pobres ficaram sem nada. Era um amor bem carnal que assim o fazia agir. Voltou ele e contou tudo ao santo, que o repreendeu duramente:
“Segue teu caminho, irmão Mosca. Nunca deixaste a tua casa ou a tua família. Repartiste os teus bens com a parentela e defraudaste os pobres. Não és, pois, digno de viver com os pobres evangélicos. Começaste por espírito carnal: para um edifício espiritual é um fundamento que não vale nada!”
Voltou o homem carnal para os seus, exigiu de volta os bens que havia deixado e que não quis distribuir aos pobres, abandonando assim imediatamente seus propósitos de virtude.

3. Em outra época, vivia a comunidade de Santa Maria da Porciúncula em tanta miséria que nada tinham para oferecer aos irmãos que chegavam de visita.
O vigário de Francisco aproximou-se dele e falou-lhe da penúria que sofriam e pediu-lhe permissão para reservar algo dos bens dos noviços que entravam na Ordem para poderem recorrer a esses bens quando parecesse indispensável. Francisco, que tinha a protecção da divina Sabedoria, replicou:
“Irmão caríssimo, Deus proibiu que atentássemos contra a Regra por qualquer motivo que seja. Se a situação é precária, prefiro que se suprimam os adornos do altar da gloriosa Virgem ao menor atentado contra o voto de pobreza e observância do Evangelho. Pois a bem-aventurada Virgem Maria ficará muito mais satisfeita se, despojando embora o seu altar, seguirmos perfeitamente os conselhos do santo Evangelho do que se, enfeitando o seu altar, transgredirmos os conselhos que seu Filho nos deixou e nós prometemos seguir”.

4. Andando o santo certo dia com um companheiro através da Apúlia, viu, ao sair da cidade de Bari, no caminho, uma bolsa que parecia repleta de dinheiro. O companheiro insistiu com o pobrezinho de Cristo que seria conveniente recolher do chão aquela bolsa e distribuir o dinheiro aos pobres. Francisco recusou ouvir esse pedido, suspeitando que naquela bolsa se escondia, sem dúvida, alguma cilada diabólica. Por isso julgava que o companheiro lhe estava aconselhando uma coisa não meritória, ou até mesmo pecaminosa, isto é, apoderar-se do alheio a pretexto de o dar aos pobres. Por esta recusa afastaram-se daquele lugar e apressaram o passo continuando a viagem começada.
Mas aquele irmão não ficou tranquilo, levado de uma falsa piedade, chegando mesmo ao extremo de repreender a Francisco e acusá-lo de não querer socorrer as necessidades dos pobres.
Importunado com tanta insistência, consentiu o santo em voltar ao local mencionado, não para satisfazer o irmão, mas para pôr à luz o ardil do demónio. Volta até a bolsa com o irmão e um jovem que passava; põe-se em oração e ordena a seu companheiro que pegue o dinheiro. O irmão tremia já de medo, pois começava a pressentir uma aparição do demónio; mas forçado pelo preceito da santa obediência, pôs de lado toda dúvida e estendeu a mão para pegar o dinheiro.
No mesmo instante, uma serpente descomunal saiu da bolsa e, ao desaparecer, no mesmo instante, levou-a consigo, ficando bem claro o ardil do demónio. Uma vez desmascarada a dita astúcia, disse Francisco a seu companheiro:
“O dinheiro, irmão caríssimo, para os servos de Deus é apenas o demónio e uma serpente venenosa!”

5. Depois disso, ao dirigir-se à cidade de Sena por motivo urgente, aconteceu ao santo um facto extraordinário.
Três senhoras pobres, perfeitamente semelhantes de estatura, idade e semblante, saíram-lhe ao encontro na grande planície que se estende entre Campiglia e San Quirico, as quais o saudaram de um modo completamente inusitado:
“Seja bem-vinda a Senhora Pobreza”.
A essas palavras, uma alegria inefável inundou o coração apaixonado daquele amante da Pobreza, pois se houvesse nele qualquer virtude a saudar, nenhuma outra melhor existiria.
Tendo elas desaparecido subitamente, os companheiros de Francisco, ao considerar nas três senhoras semelhança tão admirável e a surpresa de tal aparição, a forma que usaram de saudação e o repentino desaparecimento delas, julgaram com toda razão que nisso tudo se ocultava algum segredo misterioso relacionado com o santo fundador.
De facto, essas três senhoras pobres com traços tão semelhantes, saudação tão estranha e desaparecimento tão inesperado, podem perfeitamente simbolizar a perfeição evangélica, cuja tríplice beleza: pobreza, castidade e obediência, resplandecia igualmente no homem de Deus, que havia preferido orgulhar-se na pobreza.
Tinha como um privilégio e ora a chamava sua mãe, ora sua esposa, ora sua senhora. Na pobreza buscava Francisco superar a todos os outros, ele que aprendera da própria pobreza a se considerar inferior a todos. Se lhe acontecia encontrar alguma pessoa mais pobre que ele, ao menos na aparência, logo se censurava e se empenhava a ser também como ela, como se tivesse medo de ser vencido pelo outro na amorosa porfia da pobreza.
Certa ocasião, sucedeu-lhe encontrar um pobre. Vendo-lhe a nudez, compadeceu-se profundamente dele, e voltando-se ao companheiro, com voz lastimosa lhe disse:
“Que vergonha deve causar-nos, irmãos, a nudez deste mendigo!
Escolhemos a pobreza como nossa riqueza mais estimada, e eis que neste homem ela resplandece muito mais do que em nós”.


São Boaventura

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por AMA)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.