São Josemaria Escrivá
Cristo que passa
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Amizade com o Espírito
Santo
Viver segundo o Espírito
Santo é viver de Fé, de Esperança, de Caridade; é deixar que Deus tome posse de
nós e mude os nossos corações desde a raiz, para os fazer à sua medida.
Uma vida cristã madura,
profunda e firme não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento em
nós da graça de Deus.
Nos Actos dos Apóstolos,
descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas
cheia de sentido: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos e na comum
fracção do pão e nas orações.
Assim viveram os primeiros
cristãos e assim devemos viver nós: a meditação da doutrina da Fé, de modo
assimilá-la, o encontro com Cristo na Eucaristia, o diálogo pessoal - a oração
sem anonimato - face a face com Deus, hão-de constituir como que a substância
última da nossa vida. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, actividade
mais ou menos intensa, devoções e práticas piedosas.
Não haverá, porém, existência
cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação
real e vivida na obra divina da salvação.
A qualquer cristão se
aplica esta doutrina, porque todos estamos igualmente chamados à santidade.
Não há cristãos de segunda
classe, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho:
todos recebemos o mesmo baptismo e, embora exista uma ampla diversidade de
carismas e de situações humanas, um mesmo é o Espírito que distribui os dons
divinos, uma mesma a Fé, uma só a Esperança, uma só a Caridade.
Podemos, pois, ter por
dirigida a nós mesmos a pergunta do Apóstolo: não sabeis que sois templo de
Deus e que o Espírito Santo habita em vós? e recebê-la como um convite a um
trato mais pessoal e directo com Deus.
Infelizmente, o Paráclito
é para alguns cristãos o Grande Desconhecido, um nome que se pronuncia, mas que
não é Alguém - uma das Três Pessoas do Único Deus - com Quem se fala e de Quem
se vive.
Ora é indispensável ter
com Ele familiaridade e confiança, cheia de simplicidade como nos ensina a
Igreja através da Liturgia.
Assim conheceremos melhor
Nosso Senhor e ao mesmo tempo compreenderemos melhor o imenso dom que significa
ser cristão; veremos como é grande e verdadeiro o "endeusamento", a
participação na vida divina a que atrás me referi.
Porque o Espírito Santo
não é um artista que desenha em nós a divina substância, como se lhe fosse
alheio; não é assim que nos conduz à semelhança divina: é Ele mesmo, que é Deus
e de Deus procede, que Se imprime nos corações que O recebem, à maneira de selo
sobre a cera, e é assim, por comunicação de si mesmo e pela semelhança, que
restabelece a natureza segundo a beleza do modelo divino e restitui ao homem a
imagem de Deus.
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Para pôr em prática, ainda
que seja de um modo muito genérico, um estilo de vida que nos anime a conviver
com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo com o Pai e o Filho - numa verdadeira
intimidade com o Paráclito, devemos firmar-nos em três realidades fundamentais:
docilidade - digo-o mais uma vez - vida de oração, união com a Cruz.
Em primeiro lugar,
docilidade - porque é o Espírito Santo que, com as suas inspirações, vai dando
tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras.
É Ele que nos impele a
aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em profundidade; que nos dá luz
para tomar consciência da nossa vocação pessoal e força para realizar tudo o
que Deus espera de nós.
Se formos dóceis ao
Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em
nós e assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai.
Os que são conduzidos pelo
Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.
Se nos deixarmos guiar por
esse princípio de vida, presente em nós, que é o Espírito Santo, a nossa vitalidade
espiritual irá crescendo e abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai Deus, com a
mesma espontaneidade e confiança com que um menino se lança nos braços do pai.
Se não vos tornardes como
meninos, não entrareis no Reino dos Céus, disse o Senhor.
É este o antigo e sempre
actual caminho da infância espiritual, que não é sentimentalismo nem falta de
maturidade humana, mas sim maioridade sobrenatural, que nos leva a aprofundar
as maravilhas do amor divino, reconhecer a nossa pequenez e a identificar plenamente
a nossa vontade com a de Deus.
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Em segundo lugar, vida de
oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do cristão nascem do amor e
para o amor caminham.
E o amor conduz ao
convívio, à conversação, à intimidade.
A vida cristã requer um
diálogo constante com Deus Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito
Santo nos conduz.
Quem conhece as coisas que
são do homem, senão o espírito do homem, que está nele?
Assim também as coisas que
são de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de Deus.
Se tivermos assídua
relação com o Espírito Santo, também nós nos faremos espirituais, nos
sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, a Quem não teremos dúvida de
invocar como Pai nosso que é.
Acostumemo-nos a conviver
com o Espírito Santo, que é quem nos há-de santificar; a confiar n'Ele, a pedir
a sua ajuda, a senti-Lo ao pé de nós.
Assim se irá tornando
maior o nosso pobre coração, e teremos mais desejos de amar a Deus e, por Ele,
a todas as criaturas.
E nas nossas vidas
reproduzir-se-á a visão com que termina o Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o
Espírito Santo e a Igreja - e cada um dos cristãos - dirigem-se a Jesus Cristo,
pedindo-lhe que venha, que esteja connosco para sempre.
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Por último, união com a
Cruz.
Porque, na vida de Cristo,
o Calvário precedeu a Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo deve
reproduzir-se na vida de cada cristão: somos - diz-nos S. Paulo - co-herdeiros
de Cristo; mas isto, se sofrermos com Ele, para sermos com Ele glorificados.
O Espírito Santo é o fruto
da Cruz, da entrega total a Deus, de buscarmos exclusivamente a sua glória e de
renunciarmos completamente a nós mesmos.
Só quando o homem, sendo
fiel à graça, se decide a colocar no centro da sua alma a Cruz, negando-se a si
mesmo por amor de Deus, estando realmente desapegado do egoísmo e de toda a
falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive verdadeiramente de Fé, é que
recebe com plenitude o grande fogo, a grande luz, a grande consolação do
Espírito Santo.
É então que vêm à alma
essa paz e essa liberdade que Cristo ganhou para nós e que se nos comunicam com
a graça do Espírito Santo.
Os frutos do Espírito
Santo são caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade,
longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade; e onde está o
Espírito do Senhor, aí há liberdade.
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No meio das limitações
inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado ainda habita em nós de
algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza da sua filiação divina,
quando se reconhece plenamente livre porque trabalha nas coisas do seu Pai,
quando a sua alegria se torna constante por nada ser capaz de lhe destruir a
esperança.
Pois é também nesse
momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da Terra, de
apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a pureza
para que foi criado o coração humano.
Também é nessa altura que
a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo, desesperado ou altivo
porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana conduzem-no a
identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais
profundamente a solidariedade com todos os homens.
É então, finalmente, que o
cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito Santo, de tal
maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite a recomeçar e
a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da Terra,
apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas leves, que
apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao Sacramento da
Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo uma boa
testemunha das suas misericórdias.
Tal é, em breve resumo que
mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do
cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo.
Não posso, portanto,
terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém num dos hinos
litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante da
Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche
de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola, faz-nos conhecer o Pai
e também o Filho; faz, enfim, com que acreditemos eternamente em Ti, Espírito
que procedes de Um e do Outro.
(cont)