30/09/2018

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Cristo que passa   

134
        
Amizade com o Espírito Santo

Viver segundo o Espírito Santo é viver de Fé, de Esperança, de Caridade; é deixar que Deus tome posse de nós e mude os nossos corações desde a raiz, para os fazer à sua medida.
Uma vida cristã madura, profunda e firme não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento em nós da graça de Deus.
Nos Actos dos Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas cheia de sentido: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos e na comum fracção do pão e nas orações.

Assim viveram os primeiros cristãos e assim devemos viver nós: a meditação da doutrina da Fé, de modo assimilá-la, o encontro com Cristo na Eucaristia, o diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, hão-de constituir como que a substância última da nossa vida. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, actividade mais ou menos intensa, devoções e práticas piedosas.
Não haverá, porém, existência cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação real e vivida na obra divina da salvação.

A qualquer cristão se aplica esta doutrina, porque todos estamos igualmente chamados à santidade.
Não há cristãos de segunda classe, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo baptismo e, embora exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um mesmo é o Espírito que distribui os dons divinos, uma mesma a Fé, uma só a Esperança, uma só a Caridade.

Podemos, pois, ter por dirigida a nós mesmos a pergunta do Apóstolo: não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? e recebê-la como um convite a um trato mais pessoal e directo com Deus.
Infelizmente, o Paráclito é para alguns cristãos o Grande Desconhecido, um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém - uma das Três Pessoas do Único Deus - com Quem se fala e de Quem se vive.

Ora é indispensável ter com Ele familiaridade e confiança, cheia de simplicidade como nos ensina a Igreja através da Liturgia.
Assim conheceremos melhor Nosso Senhor e ao mesmo tempo compreenderemos melhor o imenso dom que significa ser cristão; veremos como é grande e verdadeiro o "endeusamento", a participação na vida divina a que atrás me referi.

Porque o Espírito Santo não é um artista que desenha em nós a divina substância, como se lhe fosse alheio; não é assim que nos conduz à semelhança divina: é Ele mesmo, que é Deus e de Deus procede, que Se imprime nos corações que O recebem, à maneira de selo sobre a cera, e é assim, por comunicação de si mesmo e pela semelhança, que restabelece a natureza segundo a beleza do modelo divino e restitui ao homem a imagem de Deus.

135
        
Para pôr em prática, ainda que seja de um modo muito genérico, um estilo de vida que nos anime a conviver com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo com o Pai e o Filho - numa verdadeira intimidade com o Paráclito, devemos firmar-nos em três realidades fundamentais: docilidade - digo-o mais uma vez - vida de oração, união com a Cruz.

Em primeiro lugar, docilidade - porque é o Espírito Santo que, com as suas inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras.
É Ele que nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em profundidade; que nos dá luz para tomar consciência da nossa vocação pessoal e força para realizar tudo o que Deus espera de nós.
Se formos dóceis ao Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em nós e assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai.
Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.

Se nos deixarmos guiar por esse princípio de vida, presente em nós, que é o Espírito Santo, a nossa vitalidade espiritual irá crescendo e abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai Deus, com a mesma espontaneidade e confiança com que um menino se lança nos braços do pai.
Se não vos tornardes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus, disse o Senhor.
É este o antigo e sempre actual caminho da infância espiritual, que não é sentimentalismo nem falta de maturidade humana, mas sim maioridade sobrenatural, que nos leva a aprofundar as maravilhas do amor divino, reconhecer a nossa pequenez e a identificar plenamente a nossa vontade com a de Deus.

136
        
Em segundo lugar, vida de oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do cristão nascem do amor e para o amor caminham.
E o amor conduz ao convívio, à conversação, à intimidade.
A vida cristã requer um diálogo constante com Deus Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos conduz.
Quem conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que está nele?
Assim também as coisas que são de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de Deus.
Se tivermos assídua relação com o Espírito Santo, também nós nos faremos espirituais, nos sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, a Quem não teremos dúvida de invocar como Pai nosso que é.

Acostumemo-nos a conviver com o Espírito Santo, que é quem nos há-de santificar; a confiar n'Ele, a pedir a sua ajuda, a senti-Lo ao pé de nós.
Assim se irá tornando maior o nosso pobre coração, e teremos mais desejos de amar a Deus e, por Ele, a todas as criaturas.
E nas nossas vidas reproduzir-se-á a visão com que termina o Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o Espírito Santo e a Igreja - e cada um dos cristãos - dirigem-se a Jesus Cristo, pedindo-lhe que venha, que esteja connosco para sempre.

137
        
Por último, união com a Cruz.
Porque, na vida de Cristo, o Calvário precedeu a Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo deve reproduzir-se na vida de cada cristão: somos - diz-nos S. Paulo - co-herdeiros de Cristo; mas isto, se sofrermos com Ele, para sermos com Ele glorificados.
O Espírito Santo é o fruto da Cruz, da entrega total a Deus, de buscarmos exclusivamente a sua glória e de renunciarmos completamente a nós mesmos.

Só quando o homem, sendo fiel à graça, se decide a colocar no centro da sua alma a Cruz, negando-se a si mesmo por amor de Deus, estando realmente desapegado do egoísmo e de toda a falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive verdadeiramente de Fé, é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande luz, a grande consolação do Espírito Santo.

É então que vêm à alma essa paz e essa liberdade que Cristo ganhou para nós e que se nos comunicam com a graça do Espírito Santo.
Os frutos do Espírito Santo são caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.

138
         
No meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser capaz de lhe destruir a esperança.

Pois é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a pureza para que foi criado o coração humano.

Também é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo, desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens.
É então, finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo uma boa testemunha das suas misericórdias.

Tal é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo.
Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola, faz-nos conhecer o Pai e também o Filho; faz, enfim, com que acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.

(cont)