São Josemaria Escrivá
Cristo que passa
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Permiti-me narrar um facto
da minha vida pessoal, ocorrido já há muitos anos.
Certo dia, um amigo de bom
coração, mas que não tinha fé, disse-me, indicando um mapa-mundi:
- Ora veja, de norte a sul
e de leste a oeste.
- Que queres que eu veja?
- O fracasso de Cristo.
Tantos séculos a procurar
meter na vida dos homens a sua doutrina, e veja os resultados.
Num primeiro momento,
enchi-me de tristeza: é uma grande dor, efectivamente, considerar que são
muitos os que ainda não conhecem o Senhor e que, entre aqueles que O conhecem,
são muitos também os que vivem como se O não conhecessem.
Mas essa impressão durou
apenas um instante, para logo dar lugar ao amor e à acção de graças, porque
Jesus quis que cada um dos homens fosse cooperador livre da sua obra redentora.
Cristo não fracassou: a
sua doutrina está continuamente a fecundar o Mundo.
A redenção realizada por
Ele é suficiente e superabundante.
Deus não quer escravos,
mas sim filhos e, portanto, respeita a nossa liberdade.
A salvação continua e nós
participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo as palavras fortes de S.
Paulo - cumpramos na nossa carne, na nossa vida, o que falta à sua Paixão, pro
Corpore eius, quod est Ecclesia, em benefício do seu corpo, que é a Igreja.
Vale a pena jogar a vida,
entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à confiança que Deus
deposita em nós.
Vale a pena, acima de
tudo, que nos decidamos a tomar a sério a nossa fé cristã.
Quando recitamos o Credo,
professamos crer em Deus Pai Todo-Poderoso, em seu Filho Jesus Cristo que
morreu e foi ressuscitado, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida.
Confessamos que a Igreja
una, santa, católica e apostólica, é o corpo de Cristo, animado pelo Espírito
Santo.
Alegramo-nos com a
remissão dos nossos pecados e com a esperança da futura ressurreição.
Mas, essas verdades
penetrarão até ao fundo do coração ou ficarão apenas nos lábios?
A mensagem divina de
vitória, alegria e paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do
modo de pensar, de reagir e de viver de todo o cristão.
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Força de Deus e fraqueza
humana
Non est abbreviata manus
Domini, a mão de Deus não diminuiu; Deus não é menos poderoso hoje do que em
outras épocas, nem é menos verdadeiro o seu amor pelos homens.
A nossa fé ensina-nos que
a criação inteira, o movimento da Terra e dos astros, as acções rectas das
criaturas e tudo quando há de positivo no decurso da História, tudo, numa
palavra, veio de Deus e a Deus se ordena.
A acção do Espírito Santo
pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer os seus planos
e porque o pecado do Homem turva e obscurece os dons divinos.
Mas a Fé recorda-nos que o
Senhor age constantemente:
Ele é que nos criou e nos
conserva no ser; Ele, com a sua graça, conduz a criação inteira para a
liberdade da glória dos filhos de Deus.
Por isso, a Tradição
cristã resumiu a atitude que devemos adoptar para com o Espírito Santo num só
conceito: docilidade.
Sermos sensíveis àquilo
que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que
distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões
que faz nascer nos nossos corações...
O Espírito Santo realiza
no Mundo as obras de Deus. Como diz o hino litúrgico, é dador das graças, luz
dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto.
Sem a sua ajuda nada há no
homem que seja inocente e valioso, pois é Ele que lava o que está sujo, que
cura o que está doente, que aquece o que está frio, que corrige o extraviado,
que conduz os homens ao porto da salvação e do gozo eterno.
Mas esta nossa fé no
Espírito Santo deve ser plena e completa. Não é uma crença vaga na sua presença
no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que quis
vincular a sua força de um modo especial.
Quando vier o Espírito de
Verdade - anunciou Jesus - Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e
vo-lo anunciará.
O Espírito Santo é o
Espírito enviado por Cristo, para operar em nós a santificação que Ele nos
mereceu para nós na Terra.
É por isso que não pode
haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo,
nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo.
Não é coerente com a fé
cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não ama a Igreja, quem
não tem confiança nela, quem se compraz apenas em mostrar as deficiências e
limitações dos que a representam, quem a julga por fora e é incapaz de se
sentir seu filho.
E sou levado a considerar
até que ponto será extraordinariamente importante e abundantíssima a acção do
Divino Paráclito enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário, quando
celebra a Santa Missa nos nossos altares.
(cont)