Art.
4 — Se a esperança perdura, depois da morte, no estado da glória.
O quarto discute-se assim.
— Parece que a esperança perdura depois da morte, no estado da glória.
1. — Pois, a esperança
aperfeiçoa, de modo mais nobre, o apetite humano, do que as virtudes morais.
Ora, estas permanecem depois desta vida,
como está claro em Agostinho [2].
Logo, com maior razão a esperança.
2. Demais. — O temor opõe-se
à esperança. Ora, ele perdura depois desta vida: nos bem-aventurados, o temor
filial, que permanece sempre; nos condenados, o das penas. Logo, pela mesma
razão, pode permanecer a esperança.
3. Demais. — Como a
esperança, também o desejo tem por objecto o bem futuro. Ora, os bem-aventurados têm tal desejo, tanto em
relação à glória do corpo, que as almas deles desejam, conforme diz
Agostinho [3],
como em relação à da alma, segundo a Escritura (Ecle 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome, e os
que, me bebem terão ainda sede, e ainda (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos anjos desejam ver.
Logo, a esperança pode existir, nos bem-aventurados, depois desta vida.
Mas, em contrário, o
Apóstolo diz (Rm 8, 24): o que
qualquer vê, como o espera? Ora, os bem-aventurados vêm o objecto da
esperança, que é Deus. Logo, não esperam.
SOLUÇÃO. — Como já
dissemos [4],
o que por essência implica à imperfeição do sujeito não pode coexistir num
sujeito perfeito pela perfeição oposta. Isso se vê claramente no movimento que,
implicando por essência a imperfeição do sujeito, pois, é o acto do existente
em potencia, como tal [5],
cessa quando a potência se actualiza; assim, o que já se tornou branco não pode
ainda embranquecer. Ora, a esperança implica um certo movimento para o que
ainda não possuímos, como ficou claro pelo que acima dissemos da paixão da
esperança5. Portanto, quando possuirmos o que esperamos, i. é, a fruição
devida, já não poderá existir a esperança.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A esperança é mais nobre do que as virtudes morais, por
ser Deus o seu objecto. Ora, o acto dessas virtudes não repugna, como o acto da
esperança, à perfeição da felicidade, senão talvez quanto à matéria, quanto à
qual não perduram. Pois as virtudes morais não aperfeiçoam o apetite só no atinente
ao objecto ainda não possuído, mas também no actualmente já possuído.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há
um duplo temor: o servil e o filial, como a seguir se dirá [6].
Aquele é o da pena, e não poderá existir na glória, onde não existe nenhuma
possibilidade de pena. Este comporta dois actos: temer a Deus, e neste ponto
permanece; e temer a separação dele, e neste não permanece, pois separar-se de
Deus implica o mal, e, no caso presente, não se pode temer nenhum mal, conforme
a Escritura (Pr 1, 33): Gozaremos
da abundância, sem receio de mal algum. Ora, o temor opõe-se à esperança,
por oposição do bem e do mal, como já dissemos [7].
E portanto, o temor que perdura na glória, não se opõe à esperança. Nos
condenados porém pode haver o temor da pena mais do que, nos bem-aventurados, a
esperança da glória; porque neles haverá sucessão de penas, o que implica a ideia
de futuro, objecto do temor. Ao passo que na glória dos santos não há sucessão,
pois é uma como participação da eternidade, sem pretérito nem futuro, mas só
presente. E contudo também nos condenados não haverá temor, propriamente
falando. Pois, como já dissemos [8],
o temor nunca existe sem alguma esperança de libertação, a qual nos danados,
absolutamente não existirá; portanto, também neles não haverá temor, senão
comumente falando, no sentido em que se chama temor a qualquer expectativa de
mal futuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. —
Quanto à glória da alma, os bem-aventurados não podem ter desejo, no
concernente ao futuro, pela razão já exposta. Dizemos que eles têm fome e sede,
para afastar a ideia de tédio. E pela mesma razão dizemos que os anjos têm
desejo. No concernente porém à glória do corpo, pode por certo haver desejo nas
almas dos santos, não porém, esperança, propriamente falando. Mas não, enquanto
a esperança é uma virtude teologal, pois então o seu objecto é Deus e não,
qualquer bem criado. Nem tomada em sentido comum, porque, nesse caso o seu objecto
é o que é árduo, como já dissemos [9].
Ora, o bem, cuja causa certa já possuímos, não tem para nós nada de árduo; por
isso, propriamente falando, não dizemos que quem tem dinheiro espera poder
possuir uma certa coisa, pois pode possuí-la imediatamente, comprando-a. E
semelhantemente, os que já têm a glória da alma não podem, propriamente
falando, esperar a glória do corpo, mas só desejá-la.
(Revisão da versão portuguesa por AMA)
[1] (IIª.
lIae, q. 18, a. 2 ; II Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 5, qª 2 ; dist. XXXI, q. 2,
a. 1, qª 2; De Virtut., q.4. a. 4).
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