10/08/2018

Tratado das Virtudes


Questão 66: Da igualdade das virtudes.

Art. 6 — Se a caridade é a maior das virtudes teologais.

O sexto discute-se assim. — Parece que a caridade não é a maior das virtudes teologais.

1. — Pois, como a fé reside no intelecto, e a esperança e a caridade na potência apetitiva, como já se disse [2], resulta que a fé está para a esperança e a caridade, como a virtude intelectual para a moral. Ora, aquela é maior que esta, como do sobredito resulta [3]. Logo, a fé é maior que a esperança e a caridade.

2. Demais. — O resultado de uma adição é maior que o adicionado. Ora, parece que a esperança é como que adicionada à caridade, pois pressupõe o amor, como diz Agostinho [4], porque torna mais intensa a tendência para a coisa amada. Logo, é maior que a caridade.

3. Demais. — A causa tem prioridade sobre o efeito. Ora, a fé e a esperança são causas da caridade, conforme a glosa de Mateus 1, que diz que a fé gera a esperança e a esperança, a caridade. Logo, a fé e a esperança são maiores que a caridade.

Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Cor 13, 13): Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três virtudes; porém a maior delas é a caridade.


SOLUÇÃO. — Como já dissemos [5], a grandeza específica da virtude depende do objecto. Ora, como são três as virtudes teologais referentes a Deus, como objecto próprio, uma não pode ser considerada maior que outra por ter um objecto maior, mas por estar mais próxima dele. E deste modo, a caridade é a maior de todas. Pois, as outras implicam, por essência, uma certa distância do objeto, porquanto a fé versa sobre o que não vemos, e a esperança sobre o que não temos. Ao passo que o amor de caridade recai sobre o que já possuímos, pois o amado está, de certa maneira, no amante; e, pelo afeto, este é levado a unir-se àquele; e por isso, diz a Escritura (1 Jo 4, 16): aquele que permanece na caridade permanece em Deus, e Deus nele.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A fé não está para a esperança e a caridade como a prudência para as virtudes morais. E isto por duas razões. — A primeira é que as virtudes teologais têm um objecto superior à alma humana, ao passo que a prudência e as virtudes morais versam sobre o que é inferior ao homem. Ora, o amor do que é superior ao homem é mais nobre que o conhecimento. Pois, o conhecimento completa-se pela presença do objecto no sujeito conhecente, enquanto que o amor, pela tendência do amante para o amado. Ora, o superior ao homem é mais nobre em si mesmo do que pelo modo que nele existe, pois aquilo que em outrem existe, existe ao modo deste. O contrário sucede com o inferior ao homem. — A segunda é que a prudência modera os movimentos apetitivos, dependentes das virtudes morais. Ora, a fé não modera o movimento apetitivo tendente para Deus, que pertence às virtudes teologais, mas somente mostra o objecto. Ora, o movimento apetitivo para o objecto excede o conhecimento humano, conforme a Escritura (Ef 3, 19): a caridade de Cristo, que excede todo entendimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A esperança pressupõe o amor do que esperamos alcançar, que é o amor de concupiscência, pelo qual mais nos amamos a nós mesmos, quando desejamos o bem, que qualquer outra coisa. Ao passo que a caridade implica o amor de amizade, ao qual nos leva a esperança, como já dissemos [6].

RESPOSTA À TERCEIRA. — A causa perficiente tem prioridade sobre o seu efeito, mas não a causa dispositiva. De contrário, o calor do fogo seria mais forte que a alma, à qual ele dispõe a matéria, o que é evidentemente falso. Assim, pois, a fé gera a esperança, e esta, a caridade, enquanto uma dispõe para a outra.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)



[1] (IIª. lIae , q. 23, a. 6).
[2] Q. 62, a. 3.
[3] Q. 66, a. 3.
[4] Enchir. (cap. VIII).
[5] Q. 66, a. 3.
[6] Q. 62, a. 4.

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