Em seguida devemos tratar
da conexão das virtudes. E sobre esta questão, cinco artigos se discutem:
Art. 1 — Se as virtudes
morais são necessariamente conexas.
Art. 2 — Se as virtudes
morais podem existir sem a caridade.
Art. 3 — Se podemos ter a
caridade, sem as outras virtudes morais.
Art. 4 — Se a fé e a
esperança podem, às vezes, existir sem a caridade.
Art. 5 — Se a caridade
pode existir sem a fé e a esperança.
Art.
1 — Se as virtudes morais são necessariamente conexas.
O primeiro discute-se
assim. — Parece que as virtudes morais não são necessariamente conexas.
1. — Pois, as virtudes
morais são às vezes causadas pelo exercício dos actos, como já se provou [2].
Ora, o homem pode exercitar os actos de uma virtude sem exercitar os de outra.
Logo, pode possuir uma virtude moral sem outra.
2. Demais. — A
magnificência e a magnanimidade são virtudes morais. Ora, podemos possuir as
outras virtudes morais sem possuirmos essas duas; pois, diz o Filósofo, que o pobre não pode ser magnífico, embora
possa possuir outras virtudes; e que quem é digno de pouco e com isso se
dignifica é sóbrio, mas não magnânimo [3].
Logo, as virtudes morais não são conexas.
3. Demais. — Assim como as
virtudes morais aperfeiçoam a parte apetitiva da alma, assim as intelectuais, a
intelectiva. Ora, aquelas não são conexas, pois podemos ter uma ciência sem ter
outra. Logo, estas também não o são.
4. Demais. — Se as
virtudes morais são conexas só poderão sê-lo pela prudência; ora, isto não
basta para a conexão das virtudes morais. Pois, vemos que um pode ser prudente
em relação a actos que pertencem a uma virtude, sem o ser em relação a actos de
outra, assim como pode ter a arte relativa a certas produções, sem ter a
relativa a outras. Ora, a prudência é a razão recta que nos guia no que devemos
fazer. Logo: não é necessário que sejam conexas às virtudes morais.
Mas, em contrário, diz
Ambrósio: As virtudes são de tal modo conexas
e concatenadas entre si, que quem possui uma possui muitas [4].
E Agostinho também diz: as virtudes
existentes na alma humana de nenhum modo estão separadas entre si [5].
E Gregório: sem as outras, uma virtude ou
é absolutamente nula, ou imperfeita [6].
E Túlio: Se confessas que não tens uma
virtude, necessariamente não terás nenhuma [7].
A virtude moral
pode ser considerada perfeita ou imperfeita. Esta — como a temperança ou a
fortaleza — não é mais do que uma inclinação nossa, oriunda da natureza ou do
costume, para fazer alguma obra genericamente boa. E nesta acepção as virtudes
morais não são conexas; pois, vemos que alguns, por compleição natural ou por
qualquer costume, são prontos para as acções liberais, sem o serem para o
exercício da castidade. Por outro lado, a virtude moral perfeita é um hábito
que inclina a fazer bem obras boas. E neste sentido devemos dizer que, como
quase todos pensam, as virtudes morais são conexas. E disto há dupla razão,
enquanto alguns distinguem diversamente as virtudes cardeais. — Assim, como já
dissemos [8],
uns as distinguem segundo certas condições gerais das virtudes e de modo que a
discrição pertence à prudência; a rectidão, à justiça; a moderação, à
temperança; a firmeza de ânimo, à fortaleza, seja qual for à matéria
relativamente à qual sejam consideradas. Ora, a esta luz, aparece
manifestamente a razão da conexão; pois, a firmeza não merece o louvor devido à
virtude se não for acompanhada da moderação, da rectidão ou da discrição; e o
mesmo se dá com as outras virtudes. E é esta razão de conexão que assinala
Gregório, dizendo: as virtudes, como
tais, estando separadas, não podem ser perfeitas, porque nem a prudência é
verdadeira que não for justa, temperante e forte [9].
E o mesmo diz das outras virtudes, o que concorda com a razão semelhante que dá
Agostinho [10].
Outros porém distinguem as
virtudes em questão pelas suas matérias; e neste sentido, Aristóteles dá-lhes a
razão da conexão [11].
Pois, como já dissemos [12],
nenhuma virtude moral pode existir sem a prudência. Porque é próprio da virtude
moral, que é um hábito electivo, fazer uma eleição recta; e para isso não basta
só a inclinação para o fim devido, efectivada directamente pelo hábito da
virtude moral, mas é também preciso escolhermos directamente os meios; e isto
se realiza pela prudência, que aconselha, julga e preceitua sobre eles. E
semelhantemente, a prudência não a podemos ter sem que tenhamos as virtudes
morais; pois, ela é a razão recta do que devemos fazer, e procede dos fins das
acções, como de princípios, em relação aos quais nos avimos rectamente por meio
das virtudes morais. Donde, assim como a ciência especulativa não pode ser
alcançada sem o intelecto dos princípios, assim também a prudência não o pode
sem as virtudes morais. Donde manifestamente resulta que elas são conexas.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Das virtudes morais, umas aperfeiçoam o homem, no seu
estado geral, i. é, relativamente ao que é comumente praticado no decurso de
toda a vida humana. E por isso é necessário que ele se exercite simultaneamente
nas matérias de todas as virtudes morais; e se, obrando bem, exercitá-las todas,
adquirirá os hábitos de todas. Se porém, obrando bem, exercitar-se em relação a
uma só matéria, p. ex., a ira — e não, a outra, — p. ex., a concupiscência —
adquirirá, certamente, o hábito de refrear aquela, o que, entretanto, não
realizará a noção de virtude, pela falta de prudência no que respeita à
concupiscência; assim como as inclinações naturais também não realizarão a
noção perfeita de virtude, faltando a prudência.
Há outras virtudes morais,
porém, que aperfeiçoam o homem, elevando-o a um estado eminente, como a
magnificência e a magnanimidade. E como o exercício nas matérias destas
virtudes não é da alçada de qualquer, comumente, pode alguém ter as outras
virtudes morais, sem ter actualmente os hábitos dessas virtudes, se nos referimos
às virtudes adquiridas. Se porém adquirir as outras virtudes terá estas em
potência próxima. Assim, quem pelo exercício, alcançou a liberalidade em
relação a doações e gastos pequenos, adquirirá, com pequeno exercício, o hábito
da magnificência, se lhe sobrevier abundância de dinheiro; do mesmo modo que o
geómetra, com pouco estudo, adquire a ciência de uma conclusão na qual nunca
pensou. Pois, consideramos como tendo uma coisa quem a tem com presteza,
conforme o Filósofo: O que falta por
pouco podemos considerar como quase não faltando [13].
Donde consta com clareza a
RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As
virtudes intelectuais versam sobre matérias diversas não ordenadas umas para as
outras, como é claro nas diversas ciências e arte. E por isso, não existe nelas
a conexão existente nas virtudes morais que versam sobre as paixões e as obras
manifestamente entre si ordenadas. Pois, todas as paixões, procedentes de algumas,
que são as primeiras, — a saber, o amor e o ódio — terminam em algumas outras,
que são o prazer e a dor. E semelhantemente, todas as obras, que constituem a
matéria das virtudes morais, ordenam-se umas para as outras e mesmo para as
paixões. E é por isso que toda a matéria das virtudes morais cai no domínio da
prudência. — Contudo, tudo o que é inteligível se ordena para os primeiros
princípios. E desde então, todas as virtudes intelectuais dependem do intelecto
dos princípios, como a prudência, das virtudes morais, conforme já foi dito. Mas
os princípios universais, que o intelecto apreende, não dependem das
conclusões, sobre as quais versam as outras virtudes intelectuais, assim como
as virtudes morais dependem da prudência, porque o apetite move, de certo modo,
a razão, e esta, aquele, como já dissemos.
RESPOSTA À QUARTA. — Os objectos
para que as virtudes morais inclinam, comportam-se, em relação à prudência,
como princípios; porém, os produtos da arte não se referem a esta como
princípios mas só como matéria. Pois, é manifesto que, embora a razão possa ser
recta relativamente a uma parte da matéria e não, relativamente à outra, não
pode porém ser considerada recta, de nenhum modo, se houver falta de algum
princípio; assim como não poderia possuir a ciência geométrica quem errasse em
relação ao princípio — Qualquer todo é maior que uma das partes — porque,
então, haveria de afastar-se muito da verdade, nas deduções seguintes. — E,
além disso, os actos são ordenados uns para os outros, mas não, os produtos da
arte, como dissemos. E portanto, a falta de prudência em relação a uma parte
dos nossos actos, implicaria a mesma falta em relação aos outros, o que não
pode dar-se em relação aos produtos da arte.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (III
Sent., dist. XXXVI, a, 1 ; IV, dist. XXXIII, q. 3, a, 2, ad 6 :De Virtut., q.
5. a. 2; Quodl., XII, q, 15, a, 1 ; VI Ethic., lect, XI).
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