Vejo-me como um pobre passarinho que, acostumado a voar apenas de
árvore em árvore ou, quando muito, até à varanda de um terceiro andar..., um
dia, na sua vida, meteu-se em brios para chegar até ao telhado de certa casa
modesta, que não era propriamente um arranha-céus... Mas eis que o nosso
pássaro é arrebatado por uma águia – que o julgou erradamente uma cria da sua
raça – e, entre as suas garras poderosas, o passarinho sobe, sobe muito alto,
por cima das montanhas da terra e dos cumes nevados... por cima das nuvens brancas e azuis e cor-de-rosa, mais acima
ainda, até olhar o sol de frente... E então a águia, soltando o passarinho,
diz-lhe: anda, voa!... – Senhor, que eu não volte a voar pegado à terra, que
esteja sempre iluminado pelos raios do divino Sol – Cristo – na Eucaristia, que
o meu voo não se interrompa até encontrar o descanso do teu Coração! (Forja, 39)
O coração sente então a necessidade de distinguir e adorar cada
uma das pessoas divinas. De certo modo, é uma descoberta que a alma faz na vida
sobrenatural, como as de uma criancinha que vai abrindo os olhos à existência.
E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e
submete-se facilmente à actividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega
sem o merecermos: os dons e as virtudes sobrenaturais!
Corremos como o veado que anseia pelas fontes da água; com sede, a
boca gretada pela secura. Queremos beber nesse manancial de água viva. Sem
atitudes extravagantes, mergulhamos ao longo do dia nesse caudal abundante e
claro de águas frescas que saltam até à vida eterna. As palavras tornam-se
supérfluas, porque a língua não consegue expressar-se; o entendimento
aquieta-se. Não se discorre, olha-se! E a alma rompe outra vez a cantar um
cântico novo, porque se sente e se sabe também olhada amorosamente por Deus a
toda a hora.
Não me refiro a situações extraordinárias. São, podem muito bem
ser, fenómenos ordinários da nossa alma: uma loucura de amor que, sem
espectáculo, sem extravagâncias, nos ensina a sofrer e a viver, porque Deus nos
concede a Sabedoria. Que serenidade, que paz então, metidos no caminho estreito
que conduz à vida! (Amigos
de Deus, nn. 306–307)
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