Questão
62: Do efeito principal dos Sacramentos, que é a graça.
Em seguida devemos tratar do efeito
dos sacramentos. E primeiro, do efeito principal, que é a graça. Segundo, do
efeito secundário que é o carácter.
Na primeira, discutem-se seis artigos:
Art. 1 — Se os sacramentos são a causa
da graça.
Art. 2 — Se a graça sacramental faz
algum acréscimo à graça das virtudes e à dos dons.
Art. 3. — Se os sacramentos da lei
nova contêm a graça.
Art. 4 — Se nos sacramentos há alguma
virtude causadora da graça.
Art. 5 — Se os sacramentos da lei nova
tiram a sua virtude da Paixão de Cristo.
Art. 6 — Se os sacramentos da lei
antiga causavam a graça.
Art.
1 — Se os sacramentos são a causa da graça.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que os sacramentos não são a causa da graça.
1. — Pois, o mesmo não pode ser o
sinal que a causa, porque ser sinal é por natureza mais próprio do efeito. Ora,
o sacramento é o sinal da graça. Logo, não é a causa dela.
2. Demais. — Nenhum ser material pode
agir sobre o ser espiritual, porque O agente é mais digno que o paciente, como
diz Agostinho. Ora, o sujeito da graça é a inteligência do homem, de natureza
espiritual. Logo, os sacramentos não podem causar a graça.
3. Demais. — O que é próprio de Deus
não deve ser atribuído a nenhuma criatura ora, causar a graça é próprio de
Deus, segundo a Escritura: o Senhor dará
a graça e a glória. Logo, consistindo os sacramentos em algumas palavras ou
coisas criadas, parece que não podem conferir a graça.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que a água batismal toca o corpo e lava o
coração. Ora, o coração só pode ser lavado pela graça. Logo causa a graça.
E, pela mesma razão, os outros sacramentos da Igreja.
É necessário admitir-se que
os sacramentos da lei nova de certo modo causam a graça. Pois, é manifesto que
pelos sacramentos da lei nova o homem se incorpora a Cristo, como do baptismo
diz o Apóstolo: Todos os que tostes
batizados em Cristo revestistes-vos de Cristo. Ora, só pela graça se torna
o homem membro de Cristo.
Alguns, porém opinam que os
sacramentos não são causa da graça por produzirem alguma operação, mas porque
Deus, conferidos eles, opera na alma. E aduzem o exemplo daquele que, trazendo
um dinheiro de chumbo, recebeu cem libras por ordem do rei; não que esse
dinheiro em nada contribuísse para receber a quantia das referidas libras,
porque isso só o foi por vontade do rei. Donde o dizer Bernardo: Assim como o cónego recebe a sua investidura
pelo livro, o abade pelo báculo, o bispo pelo anel, assim os sacramentos
transmitem espécies diversas de graças.
Mas, quem considerar acertadamente
verá que esse modo de obrar não transcende a natureza do sinal. Pois, o
dinheiro de chumbo não era mais do que um sinal da ordem régia indicativo de
terem as libras sido recebidas pelo que o entregou. Semelhantemente, o livro é
um sinal indicador de que foi conferido o canonicato. Ora, a ser assim os sacramentos
da lei nova não seriam senão o sinal da graça; e contudo das autoridades de
muitos santos resulta que esses sacramentos não só significam, mas causam a
graça.
Portanto devemos pensar de outro modo,
que dupla é a causa agente - principal e instrumental. - Ora, a principal opera
por virtude da sua forma, à qual o efeito se assimila, assim o fogo aquece com
o calor. E, desta maneira, só Deus pode causar a graça; pois, a graça outra
coisa não é senão uma semelhança participada da natureza divina, segundo a
Escritura: Comunicou-nos as mui grandes e
preciosas graças que tinha prometido, para que sejamos feitos participantes da
natureza divina. - Quanto à causa instrumental, ela não age em virtude da
sua forma, mas só pelo movimento que recebe do agente principal. Por isso o
efeito não se assemelha ao instrumento, mas ao agente principal; assim um leito
não se assemelha ao machado, mas à arte que o artista tinha em mente. E, desta
maneira, os sacramentos da lei nova causam a graça; pois, são conferidos por disposição
divina aos homens para neles a causarem. Donde o dizer Agostinho: Todas estas coisas, isto é, os sacramentais,
operam e passam; mas a virtude (de Deus)
que eles obram, permanece perenemente. Ora, instrumento propriamente se
chama aquilo com que obramos. Por isso diz o Apóstolo: O salvador nos salvou pelo baptismo de regeneração.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A causa principal não pode propriamente considerar-se sinal do efeito, embora
oculto, mesmo se ela for sensível e manifesta, Mas, a causa instrumental, sendo
manifesta, pode chamar-se o sinal do efeito oculto. Porque não somente é causa,
mas também de certo modo efeito, enquanto movida pelo agente principal. E,
assim sendo, os sacramentos da lei nova são simultaneamente causas e sinais.
Donde vem que, como se diz comumente, realizam o que figuram. Donde também é
claro que têm perfeitamente natureza de sacramento, enquanto se ordenam a um
fim sagrado não só a modo de sinal, mas também a modo de causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Um instrumento
produz duas ações: uma instrumental, pela qual opera, não por virtude própria,
senão por virtude do agente principal; mas tem outra acção, que lhe é própria,
e lhe cabe pela sua forma própria. Assim ao machado é próprio o cortar, em
razão da sua acuidade; mas, fazer um leito, enquanto instrumento da arte. Mas,
não efectiva a sua acção instrumental, senão exercendo a sua acção própria;
pois, cortando é que faz o leito. E semelhantemente, os sacramentos corpóreos,
pela própria operação que exercem sobre o corpo, que tocam, realizam uma
operação instrumental por virtude divina sobre a alma. Assim a água do baptismo,
lavando o corpo pela sua virtude própria lava a alma enquanto instrumento da
virtude divina, pois, corpo e alma constituem uma unidade. Tal o sentido das
palavras de Agostinho - toca o corpo e
lava a alma.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção
colhe, do que é causa da graça a modo de agente principal; o que é próprio de
Deus, como se disse.
Nota: Revisão da versão portuguesa por
ama.
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