CAPÍTULO VI
«TU AMAS-ME?»
O AMOR POR JESUS
2.Que
significa amar Jesus Cristo
…/3
Mas vejamos como é que o
dogma da única pessoa de Cristo pode dar uma resposta adequada a todos estes
problemas postos no passado pela mística da essência divina e, nos nossos dias,
pela difusão das formas da espiritualidade oriental.
Noutras palavras, vejamos
como se pode dar uma justificação teológica à afirmação teológica segundo a
qual absolutamente nada se deve antepor ao amor de Cristo, nem no âmbito
humano, nem no âmbito divino.
Em quem, de facto, termina o
amor?
Quem é o seu objecto?
Vimos mais atrás que o amor
de concupiscência, o eros, pode
terminar também nas coisas, ao passo que o amor de amizade, ou ágape, que é o do nosso caso, só pode
terminar na pessoa, enquanto pessoa.
Mas quem é a pessoa de Cristo?
É Verdade que na linha das
cristologias que falam de Cristo como de uma “pessoa humana”, tudo é diferente,
Segundo elas, não só é
possível, mas absolutamente obrigatório transcender o próprio Cristo, se não se
quiser permanecer no âmbito das coisas criadas.
Porém, se com a fé da Igreja
acreditam que Cristo é “uma pessoa divina”, a pessoa do Filho de Deus, então o
amor de Cristo é o próprio amor de Deus.
Sem diferença qualitativa.
Aliás é essa a forma que o
amor de Deus tomou para com o homem em consequência da Encarnação.
Aquele que disse: «Quem Me
odeia, odeia também a Meu Pai» [i],
pode dizer também e de igual modo: «Quem Me ama, ama também o Meu Pai».
Em Cristo, nós alcançamos
Deus directamente, sem intermediários.
Eu disse mais atrás que amar
Jesus significa essencialmente fazer a vontade do Pai; vemos todavia que isto,
em vez de criar diferença e inferioridade em relação ao Pai, cria igualdade.
O Filho é igual ao Pai,
precisamente por causa da Sua dependência absoluta do Pai.
Se o significado perene da
definição de Niceia é que, em todas as épocas e culturas, Cristo deve ser
proclamado “Deus”, não numa acepção qualquer derivada ou secundária, mas sim na
acepção mais forte que a palavra Deus tem em tais culturas, então também é
verdade que Cristo não deve ser amado com um amor secundário ou derivado, mas
como a Deus.
Noutras palavras, quem
nenhuma cultura se pode conceber um ideal mais alto do que amar Jesus Cristo.
Todavia, é bem verdade que
Jesus é também “homem”, e, enquanto tal, é um nosso “próximo”, um nosso “irmão”
como Ele Se chama a Si próprio [ii],,
ou melhor, o “primogénito entre muitos irmãos” [iii].
Portanto, Ele deve ser amado
também com outro amor.
Ele é o vértice não somente
do primeiro, mas também do segundo mandamento.
Ele é a síntese dos dois
maiores mandamentos que n’Ele se tornam em certo sentido num único mandamento.
Ele é, como dizia S. Leão
Magno, tudo pelo lado de Deus e tudo pelo nosso lado.
De resto, Ele próprio
identificou-Se com o nosso próximo, dizendo que aquilo que se fizer ao mais
pequena dos irmãos, será como fazê-lo a Ele mesmo [iv].
Houve alguns grandes
pensadores e teólogos que, sem situarem o problema nestes mesmos nossos termos,
obtiveram, porém, perfeitamente e exprimiram esta exigência central da fé
cristã.
Um deles foi S. Boaventura.
Ele aponta algumas
diferenças entre Cristo e Deus naquilo que diz respeito ao grande mandamento do
amor.
Por vezes o seu objecto é
“Deus”, outras vezes, é “o Senhor nosso Jesus Cristo”.
«Deve-se amar o Senhor Deus
Jesus Cristo com todo o coração e toda a alma [v],
escreveu ele comentando esta mandamento.
O amor de Cristo é para ele
a forma definitiva e conveniente que para nós tomou o amor de Deus:
«Por isso me fiz homem
visível – faz ele dizer ao Verbo de Deus – a fim de que, podendo veres-me tu,
Eu pudesse ser amado por ti, já que Eu não podia ser amado por ti se não Me
visses e Eu não fosse visível na Minha divindade.
Dá, portanto, o valor devido
à Minha Encarnação e paixão, tu por quem Eu me fiz homem e padeci.
Ainda mais explícita e
corajosa é a posição que toma Cabasillas, representando um rico filão do
pensamento oriental.
Se eu cito tão frequentemente
este autor da Idade Média bizantina e tão pouco conhecido, é porque considero
que na sua Vida em Cristo representa
em absoluto uma das obras-primas da literatura teológico-espiritual do
cristianismo.
Toda ela está baseada sobre
esta instituição de fundo tao simples e grandiosa. O homem, criado em Cristo e
para Cristo, não encontra a sua meta e o seu repouso a não ser no amor de
Cristo.
«Os olhos – escreve ele – foram
criados para a luz, os ouvidos para os sons, e todas coisas para aquilo que
lhes compete.
Mas o desejo da alma tende
unicamente para Cristo.
É n’Ele que reside o seu
repouso, porque só Ele é o bem, a verdade, e tudo aquilo que inspira amor.
O homem tende para Cristo
com a sua natureza, a sua vontade, os seus pensamentos, não somente pela
divindade de Cristo que é o fim de todas as coisas, mas também pela Sua
humanidade:
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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