CAPÍTULO VI
«TU AMAS-ME?»
O AMOR POR JESUS
2.Que
significa amar Jesus Cristo
…/2
Esta ideia de que algo está
acima do amor por Cristo apareceu, por vezes, no decorrer dos séculos, sob uma
forma de uma “mística da essência divina”.
É colocada nela como vértice
absoluto de amor divino, a contemplação e a união da própria essência
simplicíssima de Deus, sem forma e sem nome, que se desenvolvendo âmago da
alma, na ausência total de todas as imagens sensíveis, incluindo a imagem de
Cristo e da Sua paixão.
O filósofo mestre Eckart
fala de uma imersão da alma “no abismo indeterminado da divindade”, dando a
impressão de que considera o “fundo da alma”, mais que a pessoa de Cristo, como
o lugar e o meio para encontrar a Deus sem intermediários.
Santa Teresa de Ávila sentiu
a necessidade de reagir a esta tendência presente também no seu tempo, em
alguns ambientes espirituais, e fê-lo com esta página famosa em que ela afirma
com grande vigor que não existe fase alguma da vida espiritual, por mais elevada
que seja, na qual a pessoa se possa ou, pior ainda, se deva prescindir da
humanidade de Cristo, para fixar-se directamente na essência divina [ii].
A santa explica ainda como
um pouco de instrução e de contemplação, a tinham distraído, durante algum tempo,
da humanidade do Salvador, mas, como em contrapartida, o progresso na instrução
ena contemplação a tinham reconduzido definitivamente à humanidade de Cristo.
É significativo o facto que,
na história da espiritualidade cristã, a tendência que defendeu uma união
directa com a essência divina foi sempre olhada com desconfiança (como no caso
da mística especulativa renana do séc. XV e, mais tarde, dos assim chamados
“iluminados” e, sobretudo, o facto de ela não ter produzido nenhum santo
reconhecido pela Igreja, embora tenha deixado obras de alto valor teórico e
religioso.
O problema que aflorei até
aqui voltou a ser actual nos nossos dias, num contexto diferente, por causa da
difusão, entre os cristãos, de formas de oração e técnicas de espiritualidade de
procedência oriental.
Sob o ponto de vista da fé
cristã, elas não são em si mesmas prácticas más.
De certo modo, pertencem,
também elas, àquela vasta “preparação evangélica”, de que faziam parte, segundo
alguns padres, certas instituições religiosas dos gregos.
O mártir S. Justino dizia
que tudo aquilo que fora dito ou inventado como verdadeiro e bom por alguém se
deveria atribuir aos cristãos, visto que eles adoram o Verbo total; essas
“sementes de verdade” não eram mais que manifestações suas, parciais e passageiras
[iii].
A Igreja primitiva seguiu de
facto este princípio, por exemplo, no seu relacionamento com as religiões e
cultos daquela época, também, eles, em geral, de origem asiática,
Na verdade, embora
rejeitasse todo o conteúdo mitológico e idolátrico implicado em tais cultos, a
Igreja primitiva não hesitou em se apropriar da linguagem e até de alguns ritos
e símbolos dos cultos mistéricos quando apresentava os mistérios cristãos.
Embora não se deva, de
facto, exagerar a influência dos cultos pagãos sobre a liturgia cristã, também não
a podemos negar de todo.
Justamente por isso, num recente documento do
magistério dedicado ao problema destas formas de espiritualidade oriental,
afirma que «não se devem menosprezar excepcionalmente estas indicações como não
cristãs» [iv].
O mesmo documento do
magistério tem razão, porém, quando alerta os crentes sobres os perigos de se
introduzir, também, juntamente com as técnicas de oração e meditação, outros
assuntos alheios à fé cristã.
O ponto mais delicado é
precisamente aquele que diz respeito a lugar de Jesus Cristo, homem-Deus.
Na lógica interna do budismo
e do induísmo, nas quais se inspiram geralmente estas técnicas, existe a
necessidade de superar tudo aquilo que é particular, sensível e histórico, para
se poder mergulhar do Tudo ou Nada divino.
Elas podem, por isso,
induzir a que se limite tacitamente a mediação de Jesus, já que para nós,
cristãos, essa é a única possibilidade oferecida aos homens para atingirem a
eternidade e o absoluto.
Portanto, não é possível
deixar Cristo de lado para nos aproximarmos de Deus, pois somente podemos fazer
essa aproximação «por meio d’Ele» [v].
Ele é o “caminho e a
verdade”, isto é, não é somente o meio para se chegar, mas também a própria
meta.
Aquelas formas de
espiritualidade são por isso positivas na via que nos leva a Cristo, mas mudam
totalmente e tornam-se negativas, no momento em que, em vez de serem colocadas
“antes”, são colocadas “depois”, ou para “além” de Cristo.
Nesse caso, são uma
tentativa para ultrapassar a fé, tentativa essa que já o evangelista S. João
censurava nos antigos gnósticos [vi].
São o resvalar da fé para se
confiar nas obras.
São o contentar-se novamente
com os “elementos do mundo”, menosprezando-se o facto de que é somente em
Cristo que está a “plenitude da divindade”.
Porém, neste recurso dos
cristãos a formas de espiritualidade oriental, talvez não baste fazer somente
crítica; é preciso fazer também uma autocrítica.
Devemos perguntar-nos,
noutras palavras, porque que é que isso acontece e tantos cristãos à procura de
uma experiência pessoal e vivida de Deus são levados a procura-la fora das
nossas estruturas e comunidades.
Se se assiste à procura do
Espírito sem Cristo, é talvez porque foi apresentado um Cristo e um
cristianismo sem o Espírito.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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