Questão
60: Dos Sacramentos
Art. 8 — Se é lícito fazer
algum acréscimo às palavras nas quais consiste a forma dos sacramentos.
O
oitavo discute-se assim. — Parece que não é lícito fazer nenhum acréscimo às
palavras nas quais consiste a forma dos sacramentos.
1.
— Pois, não impõem menor necessidade essas palavras sacramentais que as da
Sagrada Escritura. Ora, às palavras da Sagrada Escritura não é lícito
acrescentar nem diminuir nada. Assim, diz a Escritura: Vós não ajuntareis nem tirareis nada às palavras que eu vos digo. E
noutro lugar: Eu protesto a todos os que
ouvem as palavras da profecia deste livro. Que se alguém lhe ajuntar alguma
causa, Deus o castigará com as pragas que estão escritas neste livro; e se
algum tirar qualquer causa, tirará Deus a sua parte do livro da vida. Logo,
parece que também à forma dos sacramentos não é lícito fazer nenhum acréscimo
ou diminuição.
2.
Demais. — As palavras desempenham, nos sacramentos, o papel de forma, como se
disse. Ora, qualquer adição ou subtracção varia a espécie da forma como também
se dá com os números, no dizer de Aristóteles. Logo, parece que se fizer algum
acréscimo ou subtracção à forma do sacramento, já este não será o mesmo.
3.
Demais. — Assim como a forma do sacramento requer um número determinado de
palavras, assim também uma ordem determinada delas e mesmo a continuidade da
oração. Se, pois, a adição ou a subtração não elimina a realidade do
sacramento, parece que, pela mesma razão, não a elimina nem a transposição das
palavras nem a interpolação na pronúncia.
Mas,
em contrário, nas formas dos sacramentos, uns fazem certos acréscimos que
outros não fazem. Assim os latinos batizam sob esta forma — Eu te batizo em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ao passo que os gregos, sob
est'outra — Seja batizado o servo de Cristo N. em nome do Padre, etc. E,
contudo ambos conferem verdadeiramente o sacramento. Logo, é lícito fazer
acréscimos ou diminuições nas formas dos sacramentos.
Acerca de todas as mudanças que podem ocorrer nas formas dos sacramentos,
duas coisas devemos considerar. — Uma relativa a quem profere as palavras, cuja
intenção é necessária à existência do sacramento, como a seguir se dirá. E
assim, se tiver a intenção, por essa adição ou subtração de introduzir outro
rito que não o recebido pela Igreja, não perfaz o sacramento, por não ter a
intenção de fazer o que faz a Igreja. — A outra causa a considerar é relativa à
significação das palavras. Pois como as palavras operam, nos sacramentos, pelo
sentido que fazem, conforme dissemos devemos considerar se a referida alteração
tira às palavras o sentido próprio, porque então é manifesto que elimina a
realidade sacramental.
Ora,
é manifesto que, feita uma diminuição na substância da forma sacramental,
desaparece o sentido próprio das palavras e, portanto, não se perfaz o
sacramento. Por isso Dídimo diz: Quem
pretender batizar, mas omitindo uma das referidas palavras, isto é, do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, não batiza completamente. Mas se a subtração for
do que não é da substância da forma, essa diminuição não tira o sentido próprio
das palavras e por consequência não priva o sacramento da sua perfeição. Assim,
na forma da Eucaristia, que é — Este pois
é o meu corpo — o vocábulo pois, eliminado, não exclui o sentido próprio
das palavras e portanto não priva o sacramento da sua perfeição. Embora possa
dar-se que quem o omitiu peque por negligência ou desprezo.
Quanto
à adição, sucede o fazer-se um acréscimo corruptivo do sentido próprio; assim
se alguém dissesse modo de batizar dos Arianos: Eu te batizo em nome do Pai
maior e do Filho menor. E então esse acréscimo elimina a verdade do sacramento.
Mas se o acréscimo for tal que não faça desaparecer o sentido próprio, não
desaparece a realidade sacramental. Nem importa se essa adição se faça no
princípio, no meio ou no fim. Assim, se disser — Eu te batizo em nome de Deus
Pai onipotente e do seu Filho Unigénito e do Espírito Santo Paráclito, haverá
verdadeiramente baptismo. E semelhantemente, se disser — Eu te batizo em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e a Santa Virgem te ajude, haverá
verdadeiramente baptismo.
Talvez,
porém se dissesse — Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo
e da Santa Virgem Maria — não haveria batismo, porque diz o Apóstolo: Porventura Paulo foi crucificado por vós? Ou
haveis sido batizados em nome de Paulo? E isto é verdade se entender o ser
baptizado em nome da Santa Virgem, como se o fosse no da Trindade, pelo qual
foi o baptismo consagrado; pois, tal sentido seria contrário à verdadeira fé e
por consequência excluiria a realidade do sacramento. Se, porém, se entender o
acréscimo — em nome da Santa Virgem — como significando não que o nome da Santa
Virgem tenha qualquer operação no baptismo, mas que a sua intercessão seja útil
para o baptizado conservar a graça batismal, não desaparece a perfeição do
sacramento.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. Às palavras da Sagrada Escritura não é lícito
fazer nenhum acréscimo, quanto ao sentido delas; mas para explicá-las, os
doutores ajuntam-lhes muitas outras. Mas, essas não se lhes podem acrescentar
como se considerassem partes integrantes delas, porque haveria então o vício da
falsidade. E semelhantemente, se alguém dissesse ser de necessidade para a existência
da forma o que não o é.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — As palavras pertencem à forma do sacramento em razão do sentido
significado. Por isso, qualquer acréscimo ou subtração de palavras, que nada
acrescente ou subtraia ao sentido próprio, não elimina a espécie do sacramento.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Se a interrupção das palavras for tão grande que intercepte a
intenção de quem as pronuncia, desaparece o sentido do sacramento, e por
consequência a sua realidade. Mas não desaparece, quando a interrupção, sendo
pequena não faz interromper a intenção mental. — E o mesmo se deve dizer da
transposição das palavras. A qual, destruindo o sentido da locução, não se perfaz
o sacramento; tal o caso da negação preposta ou posposta ao sinal. Se, porém, a
transposição for tal que não altere o sentido da locução, não desaparece a
realidade sacramental; pois, segundo diz o Filósofo, os nomes e as palavras
transpostas significam o mesmo.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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