01/02/2018

Leitura espiritual

RESUMOS DA FÉ CRISTÃ

TEMA 1. A existência de Deus

A dimensão religiosa caracteriza o ser humano. Purificadas da superstição, as expressões da religiosidade humana manifestam que existe um Deus criador.

1. A dimensão religiosa do ser humano

A dimensão religiosa caracteriza o ser humano desde as suas origens. Purificadas da superstição – afinal devida à ignorância e ao pecado –, as expressões da religiosidade humana manifestam a convicção de que existe um Deus criador, do qual depende o mundo e a nossa existência pessoal. Se é verdade que o politeísmo acompanhou muitas fases da história humana, também é verdade que a dimensão mais profunda da religiosidade humana e da sabedoria filosófica procuraram a justificação radical do mundo e da vida humana num único Deus, fundamento da realidade e cumprimento da nossa aspiração à felicidade [i], [ii].
Apesar da sua diversidade, nas expressões artísticas, filosóficas, literárias e outras – presentes na cultura dos povos –, em todas é comum a reflexão sobre Deus e sobre os temas centrais da existência humana: a vida e a morte, o bem e o mal, o destino último e o sentido de todas as coisas [iii].
Como estas manifestações do espírito humano testemunham ao longo da história, pode dizer-se que a referência a Deus pertence à cultura humana e constitui uma dimensão essencial da sociedade e dos homens.
A liberdade religiosa representa, portanto, o primeiro dos direitos e a procura de Deus, o primeiro dos deveres: todos os homens «são levados pela própria natureza, e também moralmente, a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito à religião.
Têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida e de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências» [iv].
A negação de Deus e a tentativa de O excluir da cultura, da vida social e civil são fenómenos relativamente recentes, limitados a algumas áreas do mundo ocidental.
O facto de que as grandes interrogações religiosas e existenciais permaneçam invariáveis no tempo [v] desmente a ideia de que a religião esteja circunscrita a uma fase “infantil” da história humana, destinada a desaparecer com o progresso do conhecimento.
O cristianismo assume tudo quanto há de bom na investigação e na adoração de Deus manifestadas historicamente pela religiosidade humana, mostrando o seu verdadeiro significado, o de um caminho para o único e verdadeiro Deus, que se revelou na história da salvação entregue ao povo de Israel e que veio ao nosso encontro fazendo-Se homem em Jesus Cristo, Verbo Encarnado [vi].

2. Das criaturas materiais a Deus

O intelecto humano pode conhecer a existência de Deus aproximando-se d’Ele através de um caminho que tem como ponto de partida o mundo criado e que possui dois itinerários, as criaturas materiais e a pessoa humana.
Embora este caminho tenha sido desenvolvido especialmente por autores cristãos, os itinerários que partindo da natureza e das actividades do espírito humano levam até Deus, foram expostos e percorridos por muitos filósofos e pensadores de diversas épocas e culturas.
As vias para a existência de Deus também se chamam “provas”, não no sentido que a ciência matemática ou natural atribui a este termo, mas enquanto argumentos filosóficos convergentes e convincentes, que o sujeito compreende, com maior ou menor profundidade dependendo da sua formação específica [vii].
Que as provas da existência de Deus não possam entender-se no mesmo sentido das provas utilizadas pelas ciências experimentais, deduz-se com clareza do facto de que Deus não é objecto do nosso conhecimento empírico.
Cada via para a existência de Deus atinge apenas um aspecto concreto ou dimensão da realidade absoluta de Deus, o do específico contexto filosófico no qual a via se desenvolve: «partindo do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo pudesse chegar ao conhecimento de Deus como origem e fim do universo» [viii].
A riqueza e a incomensurabilidade de Deus são tais que nenhuma destas vias por si mesma pode chegar a uma imagem completa e pessoal de Deus, mas somente a alguma faceta dela: existência, inteligência, providência, etc.
Entre as chamadas vias cosmológicas, as mais conhecidas, são as célebres “cinco vias” elaboradas por São Tomás de Aquino, que recolhem, em boa medida, as reflexões de filósofos anteriores a ele; para a sua compreensão é necessário conhecer alguns elementos de metafísica [ix].
As primeiras duas vias propõem a ideia de que as cadeias causais – passagem de potência a acto, passagem da causa eficiente a efeito – que observamos na natureza não podem prosseguir do passado até ao infinito, mas devem, antes, apoiar-se num primeiro motor e numa causa primeira; a terceira, partindo da observação da contingência e da limitação dos entes naturais, deduz que a sua causa deve ser um Ente incondicionado e necessário; a quarta, considerando os graus de perfeição participada que se encontram nas coisas, deduz a existência de uma fonte para todas estas perfeições; a quinta via, observando a ordem e a finalidade presentes no mundo, consequência da especificidade e estabilidade das suas leis, deduz a existência de uma inteligência ordenadora que também seja causa final de tudo.
Estes e outros itinerários análogos foram propostos por diversos autores com diferentes linguagens e diversas formas até aos nossos dias. Portanto, mantêm a sua actualidade, ainda que para os compreender seja necessário partir de um conhecimento das coisas baseado no realismo – em contraposição com formas de pensamento ideológico – que não reduza o conhecimento da realidade apenas ao plano empírico experimental – evitando o reducionismo ontológico –, logo que o pensamento humano possa, afinal, ascender dos efeitos visíveis para as causas invisíveis (afirmação do pensamento metafísico).
O conhecimento de Deus é também acessível ao sentido comum, quer dizer, ao pensamento filosófico espontâneo que todo o ser humano exercita, como resultado da experiência existencial de cada um: a maravilha diante da beleza e da ordem da natureza, a gratidão pelo dom gratuito da vida, o fundamento e a razão do bem e do amor.
Este tipo de conhecimento é também importante para captar a que sujeito se referem as provas filosóficas da existência de Deus: São Tomás, por exemplo, termina as suas cinco vias unindo-as com a afirmação: «e isto é o que todos chamam Deus».
O testemunho da Sagrada Escritura [x] e os ensinamentos do Magistério da Igreja confirmam que o intelecto humano pode chegar, ao conhecimento da existência do Deus criador, partindo das criaturas [xi], [xii].
Ao mesmo tempo, quer a Escritura, quer o Magistério, advertem que o pecado e as más disposições morais podem tornar mais difícil este reconhecimento.

3. O espírito humano manifesta Deus

O ser humano percebe a sua singularidade e preeminência sobre o resto da natureza. Embora partilhe muitos aspectos da sua vida biológica com outras espécies animais, reconhece-se único na sua fenomenologia: reflecte sobre si próprio, é capaz de progresso cultural e técnico, percebe a moralidade das próprias acções, ultrapassa, com o seu conhecimento e a sua vontade, mas, sobretudo, com a sua liberdade, o resto do cosmos material [xiii].
Ou seja, o ser humano é sujeito de uma vida espiritual que transcende a matéria da qual, no entanto, depende [xiv].
Desde as origens, a cultura e a religiosidade dos povos explicaram esta transcendência do ser humano afirmando a sua dependência de Deus, do qual a vida humana possui um reflexo.
Em sintonia com este sentir comum da razão, a Revelação judaico-cristã ensina que o ser do homem foi criado à imagem e semelhança de Deus [xv].
A pessoa humana está, ela própria, a caminhar para Deus.
Existem itinerários que conduzem a Deus partindo da própria experiência existencial: «Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus.
 Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual» [xvi].
A presença de uma consciência moral que aprova o bem que fazemos e censura o mal que realizamos ou queríamos realizar, leva a reconhecer um Sumo bem ao qual estamos chamados a conformar-nos, do qual a nossa consciência é como que o seu mensageiro.
Partindo da experiência da consciência humana e sem conhecer a Revelação bíblica, vários pensadores desenvolveram, desde a antiguidade, uma reflexão sobre a dimensão ética da acção do homem, reflexão essa de que todo o homem está capacitado enquanto criado à imagem de Deus.

José Manuel Martín (Ed), Gabinete de informação do Opus Dei, 2016





[i] cf. Catecismo da Igreja Católica, 28
[ii] Cf. João Paulo II, Enc. Fides et Ratio, 14-IX-1998, 1.
[iii] «Para além de todas as diferenças que caracterizam os indivíduos e os povos, há uma fundamental dimensão comum, já que as várias culturas, na realidade, não são senão modos diversos de enfrentar a questão do significado da existência pessoal. É precisamente aqui que podemos identificar uma fonte do respeito que é devido a cada cultura e a cada nação: toda a cultura é um esforço de reflexão sobre o mistério do mundo e, em particular, do homem: é um modo de expressar a dimensão transcendente da vida humana. O coração de cada cultura está constituído pela sua aproximação ao maior dos mistérios: o mistério de Deus», João Paulo II, Discurso na O.N.U., Nova Iorque, 5-X-1995, «Magisterio», XVIII,2 (1995) 730-744, n. 9.
[iv] Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis Humanae, 2.
[v] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 10.
[vi] Cf. João Paulo II, Carta Ap. Tertio Millennio Adveniente, 10-XI-1994, 6; Enc. Fides et Ratio, 2.
[vii] cf. Catecismo da Igreja Católica, 31
[viii] Catecismo, 32
[ix] Cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, q. 2, a. 3; Contra Gentiles, I, c. 13. Para uma exposição detalhada remete-se o leitor para estas duas referências de São Tomás e para algum manual de Metafísica ou de Teologia Natural.
[x] cf. Sb 13,1-9; Rm 1,18-20; Act 17,22-27
[xi] Cf. Concílio Vaticano I, Const. Dei Filius, 24-IV-1870, DH 3004; Motu Proprio Sacrorum Antistitum, 1-IX-1910, DH 3538; Congregação para a Doutrina da Fé, Inst. Donum Veritatis, 24-V-1990, 10; Enc. Fides et Ratio, 67.
[xii] cf. Catecismo, 36 38
[xiii] «Agradecidos por nos apercebermos da felicidade a que estamos chamados, aprendemos que todas as criaturas foram tiradas do nada por Deus e para Deus: quer as racionais, os homens, apesar de tão frequentemente perdermos a razão; quer as irracionais, as que percorrem a superfície da terra, ou habitam nas entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas delas até fitarem o Sol nas alturas. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, só nós, homens – não falo aqui dos anjos – nos unimos ao Criador pelo exercício da nossa liberdade: podemos prestar ou negar ao Senhor a glória que lhe corresponde como Autor de tudo o que existe», São Josemaria, Amigos de Deus, 24.
[xiv] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 18.
[xv] cf. Gn 1,26-28
[xvi] Catecismo, 33

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