CAPÍTULO I
«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO
PECADO»
A santidade da humanidade de Cristo
No
quarto evangelho é referido um episódio que tem toda a aparência de ser o
equivalente joanino da confissão de pedro em Cesareia de Filipe.
Quando,
depois da sua discussão na sinagoga de Cafarnaúm sobre o pão da vida e da
reacção negativa de alguns discípulos, Jesus perguntou aos Apóstolos se também
eles queriam ir-se embora, Pedro, respondeu: «Senhor, a quem iremos? Tu tens
palavras de vida eterna; nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus» [i]
O
«Santo de Deus»: esta denominação aparece aqui no lugar da-denominação «Cristo»
[ii], ou «Cristo de Deus», [iii], ou «Cristo, o Filho de Deus vivo» [iv] que está expressa na confissão de Pedro em Cesareia.
Também
neste caso, a declaração de Pedro se apresenta como uma revelação divina e não
como fruto de raciocínio ou dedução humana.
Encontramos
frequentemente nos evangelhos este mesmo título «santo de Deus» num contexto
diametralmente oposto, embora também expresso no mesmo ambiente da Sinagoga de
Cafarnaum.
Um
homem que estava possuído por um espírito imundo, quando Jesus Se acercou dele,
exclamou em alta voz: «Que temos nós a ver contigo, Jesus Nazareno?
A
mesma percepção da santidade de Cristo acontece aqui por contraste.
Entre
o Espírito Santo que está em Jesus e o espirito imundo, existe uma oposição
mortal e os demónios são os primeiros a terem essa experiência.
Eles
não conseguem «suportar» a santidade de Cristo.
O nome “Santo de
Deus» aparece outras vezes no Novo Testamento e é relacionado com o Espírito
Santo que Jesus recebeu no momento da Sua concepção [vi]
ou do Seu baptismo no Jordão.
Trata-se de uma
denominação considerada «entre as mais antigas e ricas de significado» e que
nos pode ajudar a descobrir um aspecto pouco explorado da pessoa de Cristo e a
reacender em nós o desejo e a nostalgia da santidade.
1 . Uma santidade absoluta
Pode parecer
estranho que dediquemos esta primeira meditação sobre o dogma da humanidade de
Cristo à consideração da Sua santidade, mas o motivo tornar-se-á evidente
quando passarmos a considerar o problema da humanidade de Cristo no mundo de
hoje.
Por agora,
basta-nos notar uma coisa: que o tema da santidade de Cristo ou da ausência
nele de todo o pecado, está estreitamente ligado, no Novo Testamento, ao tema
da Sua humanidade em tudo semelhante à nossa: «...semelhante a nós em tudo,
excepto no pecado» [viii].
De facto, a
santidade de Jesus, no Novo Testamento, é manifestada, sobretudo, no seu
aspecto negativo de ausência de todo o pecado:
Sobre este ponto
temos um coro unânime de testemunhos apostólicos:
«Ele foi provado
em tudo como nós, excepto no pecado» [xii];
«Convinha-nos um
tal sumo-sacerdote: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores» [xiii], João, na sua primeira epístola, não se cansa de
proclamar:
Perante esta
afirmação unânime da absoluta ausência de todo o pecado no homem Jesus de
Nazaré, põem-se duas questões:
Antes de tudo, donde advém o conhecimento que os Apóstolos
tiveram da ausência de todo o pecado em Jesus, visto que todas as afirmações
sobre este assunto são deles?
Em segundo lugar,
donde advém o facto da ausência de todo o pecado em Jesus, isto é, como é que pôde
Jesus, já que era um homem como os outros, ficar isento de todo o pecado?
A teologia
tradicional, antiga e medieval, ignorou completamente, o primeiro problema, que
é um problema histórico e hermenêutico tipicamente moderno, mas tomou posição
imediatamente sobre a segunda questão, que é de ordem ontológica.
Procurou
imediatamente, como era normal na cultura da época, o fundamento ou o princípio do caso, sem se preocupar demasiado com o
seu desenvolvimento.
Os Santos Padres
fizeram sempre provir a impecabilidade de cristo da união hipostática, ou -
como no caso de alguns seguidores da escola antioquena – da união moral que
havia, em Jesus, entre Deus e o homem.
Se quem peca não é
a natureza, mas a pessoa, que em Jesus é representada pela Pessoa divina do
Verbo, dizer que Ele teria podido pecar é como dizer que o próprio Deus poderia
pecar, o que é o maior dos absurdos.
Eis como Orígenes
explica, por exemplo, a impecabilidade de Jesus:
«Nós cremos que o
calor da palavra de Deus se torna extensivo a todos os santos; mas nesta alma
(a alma de Cristo) habitou de modo substancial o próprio fogo divino do qual
irradia para os outros um pouco de calor.
De facto, as
palavras:
"Ungiu-te
Deus, o teu Deus, com o óleo de alegria, mais do que a teus companheiros" [xv] mostram o modo particular como esta alma foi
ungida com o óleo de alegria, isto é, com a palavra e a sabedoria de Deus, e
como são ungidos de outro modo os que dela participam, isto é, os profetas e os
apóstolos.
Destes, de facto,
diz-se que correram ao encontro da fragrância dos Seus perfumes [xvi];
pelo contrário, esta alma foi precisamente o vaso de perfume: e quem era digno
de participar da Sua fragrância tornava-se profeta ou apóstolo.
Do mesmo modo que
a fragrância do perfume é uma coisa e a substância do perfume é outra, assim
Cristo é diferente daqueles que nele participam.
Do mesmo modo, o
vaso que contém o perfume não pode conter mau cheiro; mas aqueles que
participam do seu perfume, se se afastarem muito dele podem expor-se ao meu
cheiro e contraí-lo, assim Cristo como vaso onde está guardado o perfume, não
pode receber maus cheiros; e aqueles que dele participam, quanto mais perto se
encontrarem do vaso, tanto mais participarão do se perfume» [xvii]
Jesus, portanto, é
impecável, nesta perspectiva, porque a Sua alma está substancialmente (depois
se dirá: hipostaticamente) unida à própria fonte de santidade que é o Verbo.
A teologia
recente, chamada querigmática, percorreu um caminho de certo modo oposto.
Deixando de lado o
problema ontológico - aquele de onde provém a ausência de pecado em Cristo -
pôs-se o problema crítico, isto é, de onde provém o conhecimento, ou a certeza, que os Apóstolos tiveram de tal
ausência de pecado.
A resposta foi: a
ressurreição!
A certeza da
ausência de todo o pecado em Cristo não resulta da observação directa da Sua
vida.
A vida ou a
conduta de Jesus tinha sido ambígua aos olhos dos outros, isto é, subjectiva e
sujeita a variadas apreciações.
Ele pôde ser
tomado tanto como o maior blasfemo e pecador, ou então como o maior santo e o
justo por excelência. Foi somente com a ressurreição, como diz Paulo no
Areópago, que Deus deu uma «prova segura)) sobre Jesus [xviii].
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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