A MÃE DO REDENTOR
Considerávamos
nas páginas anteriores o facto da maternidade divina de Maria: Ela é verdadeira
Mãe de Deus.
Agora
vamos dar mais um passo, adentrando no mistério dessa maternidade e procurando
ver o seu alcance, as suas dimensões.
Vimos
que Maria não foi meramente receptora passiva das graças e dons de Deus. Foi
“chamada” por Deus para ser a Mãe do Seu Filho, e correspondeu ao chamamento
com um amor livre e uma entrega total. Poderia ter recusado. Não o fez. Pela
sua livre e completa correspondência, quis ser Mãe. “Jesus nasceu – escreve
Guitton – do consentimento de Maria” [i].
Não
há dúvida de que Deus, querendo a resposta livre de Maria, mostrou que desejava
contar com a sua cooperação para realizar a Redenção da humanidade.
O
Concílio Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium, expressa com clareza este
desígnio de Deus: “É com razão que os Santos Padres consideram Maria não como
um mero instrumento passivo, mas julgam-na cooperando para a salvação humana
com livre fé e obediência. Pois Ela, como diz Santo Irineu, «obedecendo, fez-se
causa de salvação tanto para si como para todo o gênero humano» [ii].
Esta
colaboração de Maria não ficou limitada ao momento do “faça-se”, no dia da
Anunciação, mas acompanhou todas as etapas da vida e da missão salvadora de
Cristo, “desde o momento da sua conceição virginal até o momento da sua morte” [iii].
A VIDA OCULTA DE CRISTO
Pensemos,
primeiro, na infância de Jesus.
Foi
um período em que Deus confiou o seu Filho inteiramente aos cuidados de Maria.
Dela Jesus dependia em tudo, como qualquer criança depende de sua mãe: da sua
solicitude, do seu amor, da sua dedicação. Podemos até dizer que, falando
humanamente, Jesus Menino subsistia ao amparo da maternidade de Maria. E foi no
clima desse amor materno – e do aconchego dado também pelo amor de São José –
que o Menino cresceu e se desenvolveu. Mas, já na infância o papel de Maria vai
além dessa dedicação materna.
Por
acaso já reparamos que foi precisamente a Virgem Santíssima quem, pela primeira
vez, manifestou Jesus aos homens como seu Salvador?
É
um facto. A graça de Cristo em favor dos homens começou a actuar no mundo pelas
mãos de Maria. Foi aos pés de Nossa Senhora que desabrochou a fé dos pastores e
dos Magos, os primeiros adoradores daquele recém-nascido que, como anunciaram
os Anjos na noite de Natal, “é o Cristo, o Senhor” [iv].
Como
é significativo que Deus tenha disposto que os primeiros encontros das almas
com Jesus ocorressem através da Mãe! Vislumbra-se aí um desígnio divino, que o Evangelho
irá explicitando cada vez mais. Ainda na infância de Cristo, é também Maria –
acompanhada por seu esposo castíssimo, São José – quem apresenta Jesus no
Templo de Jerusalém, oferecendo-o a Deus Pai. A apresentação do Menino vem a
ser como um prenúncio da oferenda definitiva do Filho que Maria irá fazer
trinta e três anos depois, ao pé da Cruz. No momento da apresentação, o
Espírito Santo já vaticina à Mãe, através das palavras proféticas de Simeão,
esta última e radical oferenda: Uma espada – uma espada de dor – transpassará a
tua alma [v].
À
infância de Jesus une-se, perfazendo trinta anos, a vida oculta no lar de
Nazaré. Trinta anos! É a maior parte da vida do Senhor. Um longo período em que
Cristo já está a salvar-nos. Porque esse período de vida oculta não foi um
compasso de espera, sem relevo nem transcendência. Nesses anos, Jesus, vivendo
junto de Maria e de José, estava redimindo a humanidade. Cada um dos seus atos,
cada um dos seus gestos tinha infinito valor redentor. Pois bem, na vida oculta
– como causa alegria considerar esta verdade! –, Cristo nos salva justamente
cumulando de amor e de sentido divino as pequenas coisas da existência
cotidiana: a vida em família, de que a Mãe é o centro; o trabalho na oficina de
José; o descanso e as pequenas alegrias e sacrifícios do cotidiano..., enchendo
de luz divina o caminho por onde discorre a vida da imensa maioria dos homens [vi].
Mas,
se prestarmos atenção ao que o Evangelho nos relata sobre a vida oculta,
descobriremos ainda algo mais. Como é que o Evangelho resume a atitude interior
de Jesus ao longo desses trinta anos? De uma maneira muito simples, mas
carregada de ensinamentos. São Lucas define com três palavras essa atitude:
Era-lhes submisso [vii].
Quanto
não diz esta breve frase! O Filho de Deus, o próprio Deus feito homem, quis
passar a maior parte da sua vida obedecendo a Maria e a José – numa voluntária
e amorosa submissão – e deixando-se guiar por eles. Sejam quais forem as
consequências espirituais que se possam deduzir disto – e são muitas –,
basta-nos agora sublinhar duas realidades: por um lado, Jesus Cristo quis
ligar, vincular estreitamente a maior parte da sua vida terrena à vida de sua
Mãe; por outro, decidiu – se nos é permitido falar assim – dar um enorme peso à
vontade de sua Mãe, até o ponto de, como dizíamos, ter vivido trinta anos
fazendo-lhe caso, obedecendo-lhe. Esta disposição de obediência de Cristo à Mãe
é de grande importância para compreendermos o papel que Deus quis atribuir a
Maria.
A VIDA PÚBLICA
A
vida oculta de Jesus – envolta na normalidade do cotidiano no lar de Nazaré –
teve, contudo, o seu termo. Com a idade de trinta anos, Cristo inicia uma nova
etapa, completamente diferente: sai aos campos, às ruas e praças, prega a Boa
Nova, faz milagres, rodeia-se de multidões... É a vida pública. Aparentemente,
há uma ruptura radical com a sua anterior forma de existência. E também parece
quebrar-se de maneira quase completa o encanto vivido no lar de Nazaré. Quem lê
o Evangelho depara na vida pública com a ausência quase total de Maria. Teria
Ela encerrado a sua missão? Não seria isso o que Jesus já teria insinuado aos
doze anos, quando ficou no Templo, separando-se de seus pais? Após três dias de
procura aflita, quando Maria e José reencontram o Menino conversando no Templo
com os doutores da Lei, a Mãe pergunta-lhe com ansiedade: Filho, por que
procedeste assim connosco? A resposta parece prenunciar que a futura missão do
Messias deverá realizar-se com completa independência da Mãe: Por que me
procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai? [viii]. Será que essas palavras excluem a Mãe de Jesus da sua
vida pública, quando o Filho de Deus se ocupa plenamente nas coisas de seu Pai?
Todas estas interrogações exigem que prestemos uma particular atenção a tudo o
que o Evangelho nos diz sobre Maria ao longo da nova etapa que se abre na vida
de Cristo com o seu ministério público.
(cont)
FRANCISCO
FAUS. [ix]
[ix]
MARIA,
A MÃE DE JESUS
QUADRANTE, São Paulo Copyright © 1987 Quadrante, Sociedade de Publicações
Culturais
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.