DEUS FALA DE MARIA
É
um facto que o Evangelho fala relativamente pouco da Mãe de Jesus. Os textos
mais extensos circunscrevem-se, principalmente, à concepção, nascimento e
infância de Cristo.
No
entanto, se o Evangelho fala pouco, ao mesmo tempo diz muito. Não
acompanharemos aqui passo a passo todos os “evangelhos de Maria”.
Debruçar-nos-emos
apenas sobre alguns textos evangélicos, guiados pelo desejo de captar o que
acima se mencionava:
Que
nos diz Deus de Maria?
O
que é que Ele pensa e quer dela?
Simultaneamente,
guiar-nos-á o propósito de verificar se a devoção a Maria, tal como a vivem os
fiéis católicos, está em sintonia com a vontade de Deus.
Para
este fim, parece-nos especialmente esclarecedor, como ponto de partida, meditar
a narração de São Lucas sobre a Visitação de Maria a sua prima Santa Isabel.
Quando
Maria se encaminhou à casa de Isabel, ainda soavam nos seus ouvidos e no seu
coração os ecos da mensagem da Anunciação.
No
seu seio, o Verbo – a segunda Pessoa da Santíssima Trindade – já se fizera
carne.
Ela
era mãe e, em seu corpo virginal, trazia Deus feito homem, formava-lhe um
corpo.
Por
uma alusão incidental do Anjo Gabriel na Anunciação, Maria tomou conhecimento
de que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o
sexto mês daquela que se dizia estéril [i].
A
sua reação imediata foi pensar que Isabel precisaria de ajuda.
E
é por isso que vai sem demora oferecer o seu auxílio à prima idosa, que se
preparava para a primeira experiência da maternidade:
Levantando-se Maria, foi com pressa às
montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel [ii].
Até
aqui, o Evangelho apresenta uma cena de delicada caridade.
Mas,
a partir desse momento da narrativa, a cena familiar do encontro das duas
mulheres eleva-se a um plano diverso, ganhando uma significação inesperada.
Deus
intervém.
São
Lucas descreve o que se passou com os acentos do imprevisto:
«Aconteceu», diz. Passou-se algo que não
era esperado. «Aconteceu que, apenas
Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre e Isabel ficou
repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse... [iii]».
Não
há a menor dúvida de que o Evangelho mostra neste texto que Deus vai falar por
boca de Isabel.
Vai
falar como o fizera pelos Profetas, cheios do Espírito Santo; e todos sabemos
que a voz dos Profetas era a voz de Deus:
“Deus falou outrora muitas vezes e de muitos
modos aos nossos pais pelos Profetas” – assim começa a Epístola aos Hebreus
[iv].
Agora
dispõe-se a falar de novo.
Pensando
bem, o que é que seria lógico esperar dos lábios de Isabel, quando o Espírito
Santo a invade – a ela e ao filho que traz nas entranhas –, inundando-a da
alegria de receber em sua casa o Salvador de que Maria é portadora, o Messias
esperado por séculos e séculos a fio, o próprio Deus habitando entre os homens?
Em
princípio, seria razoável esperar que, perante um facto de tal transcendência,
Isabel – movida pelo Espírito Santo – entoasse um cântico de adoração e de
agradecimento ao Deus, Senhor de céus e terra, que se dignava chegar a sua
casa.
Diante
da presença do Deus vivo, tudo se obscurece, todas as criaturas passam a um
segundo plano, como sombras que, quando muito, refletem tenuemente os raios do
Sol divino.
Certamente
Isabel louva o seu Senhor e exulta n’Ele em alegre agradecimento. Mas a verdade
é que todas as palavras que pronuncia são – do começo ao fim – um louvor e uma
glorificação de Maria.
É
Deus quem fala por ela – precisamos repisá-lo –, e em consequência essas
palavras inspiradas expressam o que Deus nosso Senhor “pensa” e “quer dizer”
daquela que escolheu como Mãe.
Prestemos
atenção ao texto do Evangelho:
«...Isabel ficou repleta do Espírito Santo».
Exclamou ela em alta voz e disse:
«Bendita és tu entre as mulheres e bendito é
o fruto do teu ventre. Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter
comigo? Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino
saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão
de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas» [v].
Cada
palavra, cada frase, tem um peso.
Se
acompanharmos o ritmo das expressões de Isabel, na sua sequência linear,
perceberemos logo que começam com um louvor a Maria, que identifica a Virgem
com a mulher abençoada por Deus de uma forma única entre todas as mulheres; e
que se segue um louvor a Cristo, mas a Cristo contemplado através de Maria,
precisamente como filho dela: «bendito o
fruto do teu ventre».
Esta
é a primeira palavra que Deus profere sobre Nossa Senhora por intermédio de
Isabel.
Lê-se
a seguir uma segunda frase, cujo significado é este: a proximidade de Maria, a
presença e a conversa com a Virgem, é um bem, é uma bênção para a alma a quem
Ela se chega.
«Donde me é dado que a mãe do meu Senhor
venha ter comigo?»
Isabel sente-se beneficiada por um dom
imerecido.
Não
se limita a agradecer à sua parenta a atenção que está tendo com ela; se se
sente honrada, para além de todo o merecimento, é porque recebeu a visita da
“Mãe do meu Senhor”.
É
isto justamente o que a comove: que, diante dos seus olhos, está a Mãe de Deus,
e a Mãe de Deus é portadora das bênçãos do céu.
Esta
referência emocionada de Isabel ao dom, ao benefício recebido pela visita da
Mãe do seu Senhor, torna-se ainda mais explícita e clara nas palavras que
profere a seguir, com a fluência de um cântico:
«Porque logo que a voz da tua saudação chegou
aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre».
Só
entenderemos cabalmente esta frase se não esquecermos que, pouco antes, São
Lucas já se referira a um duplo efeito – um duplo dom – produzido pelas
palavras de “saudação” proferidas por Maria:
Por
um lado, a alegria sobrenatural de João Batista, que saltou no seio de sua mãe;
por outro, a efusão do Espírito Santo na alma de Isabel. É da maior importância
perceber que esse duplo dom, conforme diz o Evangelho, tenha sido concedido por
Deus em virtude da presença de Maria.
O
texto, com efeito, expressa uma autêntica relação de causalidade entre a
chegada de Maria, a voz de Maria, e os dons divinos derramados na alma de
Isabel e do seu filho.
Tudo
aconteceu “apenas Isabel ouviu a voz de Maria”, «logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos», e aconteceu “por
isso”.
Aqui
não se está falando de sentimentos ou de reações emocionais subjectivas – do
estado psicológico provocado humanamente pela visita de Maria –, mas de uma
iniciativa divina, de uma acção directa de Deus sobre Isabel – «ficou repleta do Espírito Santo» –, que
o Evangelho vincula a Maria como causa instrumental.
Deus
agiu por intermédio d’Ela.
Também
encerram uma grande riqueza as últimas palavras pronunciadas por Isabel.
Trata-se de um novo louvor:
«Bem-aventurada a que acreditou, porque se
hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas».
Se
esta frase não se encontrasse no Evangelho, provavelmente acharíamos excessivo
o que ela diz.
Surpreendentemente,
Isabel – Deus por ela – afirma sem ambiguidades que “as coisas que da parte do
Senhor foram ditas a Maria” se cumprirão porque Ela acreditou.
Ora,
o que é que são essas coisas ditas da parte do Senhor, senão as que pouco antes
o Anjo Gabriel anunciara à Virgem?
Darás à luz um filho..., será grande,
será chamado Filho do Altíssimo..., reinará sobre a casa de Jacob eternamente,
e o seu Reino não terá fim [vi].
Sem
dúvida, as “coisas que foram ditas” são, nem mais nem menos, o plano divino da
Redenção da humanidade através da Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus
Cristo. Então, também é fora de dúvida que Isabel afirma que este plano se há
de cumprir porque Maria acreditou, isto é, porque abraçou com fé e confiança
plenas o convite de Deus para ser a Mãe do Redentor.
Isto
significa que Deus, em seus desígnios imperscrutáveis, quis fazer depender a
Redenção da humanidade, de algum modo, da colaboração de Maria.
Por
outras palavras, Deus quis contar com a Virgem Santíssima, não como simples
instrumento passivo, mas como parte activa e colaboradora livre da obra da
Redenção.
Estas
considerações simples abrem-nos desde já como que uma janela, através da qual
podemos contemplar o mistério de Maria a partir da perspectiva de Deus, e,
simultaneamente, permitem-nos avaliar – segundo a mesma perspectiva – o sentido
da devoção que o povo cristão dedica a Maria Santíssima.
Na
verdade, esses “pensamentos” de Deus são verdadeiros focos de luz, que iluminam
por dentro os mistérios da vida e da vocação de Nossa Senhora.
(cont)
FRANCISCO
FAUS. [vii]
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.